ESTABILIDADE, ALGO RARO MAS ESSENCIAL

Tirando o facto de nós o chamarmos "casa", durante séculos os astrónomos não
tinham nenhuma razão em particular para acreditar que o sistema solar fosse
algo de especial no universo. Mas começando com a descoberta, há dez anos
atrás, do primeiro planeta fora do sistema solar, têm-se acumulado
evidências que em comparação com outros sistemas planetários, o sistema
solar poderá ser de facto especial.

Ao invés de possuirem órbitas quase circulares, como os nove planetas do
sistema solar, a maioria dos mais de 160 planetas extrasolares detectados na
última década, possuem órbitas excêntricas: estas são tão alongadas que os
planetas podem aproximar-se bastante da estrela central e depois, afastar-se
muito desta.

Para ver uma ilustração de algumas das órbitas dos planetas do sistema solar
consulte:
http://www.oal.ul.pt/astronovas/planetas/orbitas.jpg

Na imagem podemos observar as órbitas de Marte (a vermelho), Júpiter (a
laranja), Saturno (a amarelo), Urano (a azul claro), Neptuno (a azul escuro)
e Plutão (a branco)

Os resultados das últimas investigações mostram que um mecanismo simples,
designado "dispersão planeta-planeta", uma espécie de efeito de arremesso
devido à atracção gravitacional repentina entre dois planetas que se
aproximam muito um do outro, terá de ser o responsável pelas órbitas
extremamente excêntricas observadas no sistema de Upsilon Andromeda.
Acredita-se que a "dispersão planeta-planeta" ocorreu frequentemente em
sistemas planetários extrasolares, e não apenas neste, como resultado de
fortes instabilidades. Logo, enquanto a existência de sistemas planetários
em torno de outras estrelas poderá ser algo comum, os tipos de sistemas que
poderiam suportar vida poderão não ser tão vulgares. De facto,
presumivelmente, tal como o nosso sistema solar, a vida exigirá que os
planetas se mantenham estáveis durante escalas de tempo elevadas.

O sistema estudado, três grandes planetas semelhantes a Júpiter orbitando a
estrela central Upsilon Andromeda, foi o primeiro sistema multi-planetário
extrasolar alguma vez descoberto por espectroscopia Doppler. Nesta técnica,
os planetas são detectados e estudados indirectamente pela medição do
movimento imposto por estes nas estrelas-mãe. O planeta interior, um
"Júpiter quente" tão próximo da estrela que a sua órbita tem um período de
apenas alguns dias, foi descoberto em 1996, e os dois planetas exteriores,
com órbitas elongadas que interferem fortemente uma com a outra, foram
descobertos em 1999. Como resultado, o sistema tem vindo a ser bem estudado
durante muitos anos e ofereceu os melhores e mais precisos dados para os
cálculos da equipa de investigação.

Neste sistema, os dois planetas exteriores encontram-se numa configuração
orbital peculiar, que fez com que os astrónomos se questionassem durante
muito tempo.

Com o objectivo de se obter uma melhor compreensão para este facto, foi
desenvolvido um modelo computorizado preciso das órbitas dos planetas tal
como são hoje, tendo posteriormente recuado no tempo para observar como
estas eram à dezenas de milhar de anos. Estas análises mostraram que o
sistema evoluiu ao longo do tempo, exactamente como seria de esperar se o
sistema estável inicial tivesse sido repentinamente perturbado, tendo este
distúrbio afectado apenas os planetas exteriores.

O modelo mostrou que um quarto planeta gigante, que já não se encontra no
sistema, ter-se-á aproximado demais e entrado em conflito com o planeta mais
exterior numa rixa gravitacional, empurrando-o eventualmente em direcção ao
planeta do meio. O quarto planeta, o "rufia", foi ejectado para o espaço.
O empurrão repentino, colocou o planeta exterior numa órbita elíptica,
enquanto que o planeta do meio permaneceu inicialmente numa órbita circular.
Eventualmente, ao longo do tempo, o planeta exterior terá perturbado
suficientemente a órbita do planeta do meio para a deformar lentamente,
transformando-a também numa órbita excêntrica. Isto é o que observamos nos
dias de hoje, embora a cada 7 000 anos, aproximadamente, o planeta do meio
retorne gradualmente a uma órbita circular.

É este facto que torna o sistema tão peculiar. Normalmente, a ligação
gravitacional entre duas órbitas elípticas nunca faria com que uma evoluísse
de volta a uma circunferência quase perfeita. Uma circunferência é muito
especial.

Originalmente, o principal objectivo desta investigação era o de simular o
sistema planetário de Upsilon Andromeda, essencialmente com o objectivo de
determinar se os dois planetas exteriores se encontravam no mesmo plano, tal
como os planetas do sistema solar. Foi surpreendente descobrir que para
muitas das simulações efectuadas, foi difícil dizer se os planetas se
encontravam no mesmo plano, devido ao facto da órbita do planeta do meio
periódicamente se tornar quase circular. Uma vez notado que este estranho
comportamento se encontrava presente em todas as simulações, reconheceu-se
este fenómeno como uma marca de identificação de um sistema que passou por
uma "dispersão planeta-planeta". Chegou-se à conclusão que existe algo a
decorrer muito mais interessante do que alguma vez alguém tivesse
descoberto.

Compreender o que se passou durante a formação e evolução da Upsilon
Andromeda e de outros sistemas planetários extrasolares tem enormes
implicações para nós próprios.

Nestes sistemas recém-descobertos, as coisas não têm permanecido estáveis
por milhares de milhões de anos. Eles podem ter-se formado como o sistema
solar, mas após algum tempo as coisas tornaram-se catastróficas. O nosso
sistema solar, aparenta ser peculiar em termos da sua estabilidade a longo
prazo.