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Impactismo na História da Terra
O conceito de que grandes fragmentos - cometas e asteróides - teriam caído ao longo da história da Terra não é novo, porém, demorou a impor-se junto da comunidade científica e, estranhamente, junto da comunidade geológica. Só em meados da década de 60 do século passado, com a preparação do programa americano e soviético para a exploração lunar, foram estabelecidos critérios físicos e mineralógicos que permitiram identificar um número de grandes estruturas circulares como crateras de impacto, algumas com dimensões quilométricas. A verificação da existência de fragmentos de meteoritos, ou na maior parte dos casos, de assinaturas mineralógicas e geoquímicas, tornou-se um critério definitivo para demonstrar que, ao longo da sua história, a Terra tinha sido atingida por projécteis cósmicos com dimensões que variavam entre algumas centenas de metros até alguns quilómetros. O estudo da Lua, dos planetas siliciosos e dos satélites dos planetas gigantes, corroborou esta ideia e a recente observação, em Julho de 1994, da colisão de 21 fragmentos - destroços do cometa Shomaker-Levy 9 - sobre o planeta Júpiter, mostrou-nos como as superfícies planetárias podem a qualquer instante ser atingidas por corpos extraterrestres de grande massa.
Com efeito, a órbita da Terra é atravessada por várias centenas de "Near Earth Objects" (NEOs) - fragmentos de asteróides e restos de velhos cometas que realizam, por vezes, verdadeiras tangentes ao nosso planeta. Esta população representa uma séria ameaça para a Humanidade, uma vez que a sua colisão directa pode representar efeitos globais de consequências dramáticas sobre o planeta e para o clima, fauna e flora, conforme recentemente tem sido considerado por um número crescente de astrónomos e geocientistas. Com base no fluxo de cometas e asteróides que atingem a Terra, é possível avaliar os perigos causados pelos impactos de diferentes magnitudes. A energias suficientemente grandes, os impactos apresentam conse-quências globais. Um caso extremo conhecido foi o evento de há 65 milhões de anos, na designada fronteira K/T (que separa os períodos Cretácio e Terciário), cuja energia deverá ter sido equivalente a mais de 100 milhões de megato-neladas de TNT, e produziu uma cratera de impacto com 200 km de diâmetro. É para energias a partir desta ordem de grandeza que alguns astrónomos consideram um "impacto cósmico catastrófico de conse-quências globais", apresentando um período de recorrência de 100 milhões de anos. Apesar de todo o conhecimento sobre o Sistema Solar e da contínua descoberta de crateras de impacto na Terra, os geólogos sempre foram muito reticentes sobre o efeito do impactismo no nosso próprio planeta. Apesar de o processo estar bem documentado, física e geoquimicamente, pode dizer-se que os geocientistas só recentemente começaram a aperceber-se da influência determinante do impactismo na evolução geológica e biológica do nosso planeta, 20 anos depois do artigo de Berkeley na "Science" sobre a descoberta da camada de irídio na fronteira K/T.
Nos últimos anos, orientados pelas ideias do grupo de Berkeley, os geólogos alertaram para o facto de muitos outros níveis estratigráficos estarem representados por assinaturas de impacto, sendo muitas delas coincidentes com extinções em massa ou "stepwise extinctions", formando-se um novo ramo das Ciências da Terra - a Impactoestratigrafia - onde os métodos tradicionais da Estratigrafia abraçam colaborações astronómicas, cosmoquímicas e mineralógicas. Destes avanços são hoje bem conhecidas cinco fronteiras estratigráficas com registos de mega-impactos e outras mais deverão ser reveladas nos próximos tempos. Neste ano, foram ainda apresentadas evidências de assinaturas geoquímicas extraterrestres (fullerenos enriquecidos em He-3 e microesférulas de Fe-Si-Ni) nas rochas de fronteira Permo-Triásico, sugerindo que esta fronteira, onde se deu a maior extinção em massa de toda a história da Terra, possa também ter sido marcada por um mega-impacto em fundo oceânico. Alguns autores sugerem que as extinções em massa são periódicas e coincidentes com um mecanismo de periodicidade astronómica de impactos sobre a Terra (com um período de aproximadamente 30 milhões de anos) explicado pela órbita oscilatória do Sistema Solar em torno do eixo Galáctico, facto que poderia explicar muitas periodicidades observadas em diferentes fenómenos terrestres. Na verdade, para oito casos conhecidos, as extinções são coincidentes com a actividade de superplumas que produziriam volumes gigantescos de basalto (traps) em períodos extremamente curtos da história da Terra (menos de um milhão de anos), levando a uma sugestão - ainda especulativa - de que os mega-impactos favoreciam o magmatismo e seriam responsáveis por vários aspectos da evolução da Terra. Existe uma correlação entre as idades dos grandes "traps" e as principais extinções em massa das espécies nos últimos 250 milhões de anos. Simultaneamente à erupção dos "traps" dão-se mega-impactos: provados no caso de Chicxulub há 65 milhões de anos, Manicouagan e Rochechouart há 210 milhões de anos, Popigai e Chesapeake Bay há 35 milhões de anos; e prováveis no caso de Tore, 300 km a Oeste de Peniche, uma estrutura com 91 milhões de anos. Esta estrutura em fundo oceânico, com um diâmetro aproximado de 100 km é o tema de doutoramento do autor a apresentar à Univer-sidade de Lisboa.
Mais complexo, e domínio quase incógnito, é o que se passa no que respeita a impactos em crusta oceânica profunda que produzem "melts" e brechas, só isotopicamente separáveis das rochas e brechas de origem vulcânica. Para além disto, os processos de magmatismo e tectonismo subsequentes podem mascarar a própria estrutura de impacto, razão da dificuldade em se encontrarem impactos em crusta oceânica. Numa forma extrema - e ainda mais especulativa - tem sido sugerido por alguns investigadores que a própria Tectónica de Placas seria mesmo um efeito secundário de mega-impactos à escala do globo. Enfim, um role de novas questões que se levantam às Ciências da Terra muitas delas provocadas pela exploração e conhecimento do Sistema Solar a que pertencemos. José Fernando Monteiro Departamento de Geologia da FCUL |
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