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Libertação de Poeiras em Cometas (II)
Nesta segunda e última parte deste artigo iremos debruçar-nos sobre um
estudo da libertação de poeiras no cometa Hale-Bopp.
É minha intenção levar-vos a compreender a interpretação dos dados
obtidos.
Lamentavelmente, não pude evitar a inclusão de algumas fórmulas que
são, no entanto, simples.
No Mauna Kea, Hawaii, em 1997, David Jewitt e Henry
Matthews, com o JCMT (um radio-telescópio de 15 metros),
estudaram o cometa Hale-Bopp na frequência de 850 micron(1).
A ideia por detrás do seu estudo é simples.
Detecta-se a radiação proveniente do cometa na banda das centenas de micron.
Estudando as possíveis transições atómicas e moleculares nessa banda
conclui-se que a radiação só poderá ter origem na emissão
térmica das poeiras ejectadas.
A radiação térmica emitida por um corpo, a cada comprimento de
onda, é descrita por uma função bem conhecida, a chamada função de Planck,
, que é inteiramente determinada conhecendo apenas a temperatura
do corpo (2).
E conhecendo a distância do cometa ao Sol estima-se a sua
temperatura, T.
A densidade de fluxo de energia (3)
(energia por unidade de área e por
unidade de tempo) que detectamos com o telescópio, , vai ser
proporcional à função de Planck; inversamente proporcional ao quadrado
da
distância do cometa à Terra, , e proporcional
à quantidade
de poeiras que estão na área de detecção do telescópio, pois
são a fonte da radiação e a quantidade que queremos determinar.
E como poderemos saber essa quantidade de poeiras se não conseguimos ver os
grãos? Vejamos como. Cada partícula de poeira terá uma secção eficaz,
i.e. ocupa uma dada área do plano de observação. A soma das secções
eficazes de todas as partículas será a secção eficaz efectiva das
poeiras (um valor que vai ser da ordem dos !).
Pela expressão pode-se facilmente ver que temos tudo para determinar a
secção eficaz efectiva das poeiras:
A relação entre a secção eficaz, C(lambda), e a massa, M, das partículas
é dada simplesmente por:
C(lambda)=K(lambda)M. A função K(lambda)
- opacidade no comprimento de onda lambda - é conhecida por experiências
em laboratório e ajustada com observações feitas em vários comprimentos
de onda - para não entrar em detalhes que não são de grande interesse
físico.
De imediato, conhecendo a opacidade temos a massa de poeira que foi
expelida - no instante da observação .
Tabela com os resultados das observações do Hale-Bopp.
No entanto, mais importante é saber a taxa temporal de perda de massa por poeiras
do
cometa. Se sabemos a massa que num dado instante está na área detectável
pelo telescópio, sabendo que a velocidade das partículas de poeira é
aproximadamente dada por (), sendo a distância
ao Sol em unidades astronómicas (UA), saberemos o tempo que esta leva a
atravessar a referida área.
Consequentemente, dado que dM/dtM/tc (vide tabela),
teremos uma estimativa da taxa de perda de massa, que é da ordem das 100
toneladas por segundo.
Como se pôde ver, com algumas aproximações e com uma Matemática e uma
Física simples, Jewitt e Matthews foram capazes de extrair
importantes resultados para o melhor conhecimento dos cometas. Nem sempre é
necessário munir-se de enormes complexidades para contribuir para a Ciência,
e é justamente aqui que, em minha opinião, reside a maior das genialidades.
Dr. Nuno Peixinho
Observatório Astronómico de Lisboa
(1) Publicado em:
The Astronomical Journal, 117: 1056--1062, Fevereiro 1999
(2) Na banda dos micron é: Blambda(T)=2kT/lambda2
(3) Medida em miliJensky (1mJy=
10-29Js-1m-2Hz-1)