Sabemos que o Universo, hoje, está repleto de galáxias. Mas há 12 ou 15 mil milhões de anos atrás, logo após o Big Bang, era incrivelmente quente, denso e homogéneo, sem revelar qualquer estrutura individualizada. A intensa radiação que preenchia o Universo nessa altura é ainda observável hoje, na forma de um ténue sinal de micro-ondas que nos chega de todas as direcções - é a chamada radiação cósmica de fundo (CMB, se usarmos o acrónimo inglês), acidentalmente detectada pela primeira vez em 1965 por um radio-telescópio terrestre. Em 1991, o satélite COBE revelou afinal a existência de estruturas (variações espaciais) na CMB, mas só com estas novas experiências foi possível atingir uma nitidez e resolução tais que permitem tirar deduções conclusivas ao comparar as observações com as previsões teóricas dadas pelos modelos que descrevem a formação e evolução do Universo.
O que as imagens mostram são regiões que correspondem, afinal, a minúsculas variações - da ordem de 0.0001 graus Celsius! - na temperatura da CMB. Estas "irregularidades" representam as sementes dos sistemas que, evoluindo até hoje, originaram as estruturas físicas em larga escala que se observam no Universo como galáxias, enxames de galáxias e super-enxames.
É através da análise detalhada das características destas flutuações nas imagens (tamanho e forma) e comparação desses resultados com as teorias propostas para explicar a origem do Universo, que os cientistas começam finalmente a poder desvendar alguns dos mistérios mais intrincados da Cosmologia - qual a natureza da matéria e energia que constituem o Universo? Qual a geometria deste, plana ou curva?
De facto, a teoria actualmente mais popular considera que, logo após o Big Bang, o Universo em expansão passou por um rápido período de inflação que distribuiu largamente a matéria e a energia de maneira uniforme a grande escala. No entanto, simultaneamente, a inflação originou "grumos" de matéria quente e densa cuja assinatura está ainda marcada na radiação que viaja daquela época até nós: as flutuações da CMB. As flutuações com o tamanho angular do horizonte cósmico na altura da recombinação - período em que o Universo se torna neutro - constituem verdadeiras sondas geométricas, pois o seu tamanho angular depende fortemente da geometria do Universo.
As simulações que hoje fazemos em super-computadores indicam que, se o Universo fosse aberto, ou seja, descrito por uma geometria plana (a geometria Euclidiana que aprendemos no liceu e que nos diz que linhas paralelas divergem sempre), então as imagens obtidas por estas experiências mostrariam mapas da temperatura com manchas quentes e frias correspondentes ao horizonte cósmico na época da recombinação com um tamanho típico de cerca de 1. Contrariamente, se o Universo fosse fechado - tal como a superfície bidimensional de uma esfera onde linhas paralelas acabam por se cruzar -, a curvatura do Universo distorceria as imagens e as manchas aparentariam ter dimensões superiores a 1 (ao obrigar os raios luminosos a dobrarem-se, a curvatura do espaço ampliaria as estruturas). A análise das imagens revelou, efectivamente, que o espaço é praticamente plano. Estudos suplementares levaram ainda à estimativa de que apenas da matéria/energia que constitui o Universo é bariónica, ou seja, é a mesma que constitui a Terra, as estrelas e o próprio ser humano. Estima-se que o restante conteúdo em massa se distribui em de matéria escura - a matéria invisível que mantém as galáxias coesas - e de energia escura, uma espécie de pressão ou força de repulsão que parece estar a acelerar a expansão do Universo e que geralmente se designa por constante cosmológica (ver a edição de Janeiro 1999 do "O Observatório).
Este é, sem dúvida, um belo triunfo para a Cosmologia e para a Ciência em geral, visto estarmos perante um caso em que as previsões teóricas antecederam consideravelmente a confirmação experimental. Se considerarmos ainda que se trata de algo tão difícil de conhecer como o Universo primordial, maior admiração podemos sentir!
CL