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Colisões entre galáxias

Introdução

Ao olhar o céu nocturno ficamos com a sensação de que nada muda nos objectos celestes. Isto não se deve senão à grande diferença entre as escalas de tempo da nossa vida diária e as que caracterizam a maioria dos processos no Universo. Notemos que desde que os mamíferos apareceram na Terra, há aproximadamente 200 milhões de anos, o Sol apenas efectuou uma volta em redor do centro da Galáxia, embora se mova a várias centenas de milhar de quilómetros por hora. Para nós humanos, que com sorte podemos atingir os 100 anos, a dança das galáxias não existe, pois os tempos característicos dos seus movimentos são de milhares de milhões de anos.

As galáxias são sistemas em mutação, sofrendo dois tipos de evolução. O primeiro é interno, dominado por processos de formação estelar e da própria gravidade. O segundo é externo, devido à interacção com outras galáxias próximas. As estrelas formam-se em nuvens moleculares e durante a sua vida processam o material que as compõe. A primeira geração de estrelas de uma galáxia ter-se-á formado a partir de hidrogénio e hélio. Estes materiais são transformados em elementos mais pesados, como o ferro, e quando a estrela, no final da sua vida, devolve ao meio interestelar a maior parte da sua massa, seja como uma supernova ou como uma nebulosa planetária, origina o seu enriquecimento com elementos pesados. Isto faz com que as galáxias sofram uma evolução química. A ela se junta a evolução dinâmica devida ao balanço entre os movimentos internos da galáxia e a força da gravidade. Os resultados nem sempre são intuitivos, podendo produzir-se diversas estruturas como barras e anéis. Este artigo concentra-se na influência do meio externo às galáxias na sua evolução: como veremos, a maioria sofre pelo menos uma colisão ao longo da sua vida.

Colisões entre galáxias

Os choques entre estrelas são praticamente inexistentes. Notemos que o Sol está separado da sua vizinha mais próxima (Proxima Centauri) por uma distância igual a 30 milhões de vezes o seu diâmetro. Isto implica que o Sol teria de viver 100000 vidas para que existisse alguma probabilidade de chocar com Proxima Centauri. Nos enxames estelares a distância reduz-se a 450000 vezes o diâmetro solar, e nos enxames globulares esta distância é de apenas 5400 diâmetros. Pelo contrário, as galáxias mais isoladas encontram-se separadas da galáxia mais próxima por apenas 60 vezes o seu próprio diâmetro. E isto apenas sucede para um quarto dos casos. Os restantes três quartos pertencem a enxames ou aglomerados, onde sofrerão pelo menos uma colisão durante a sua vida. O tempo típico dos encontros é de 100 milhões de anos. Não é pois de estranhar que o "filme" das suas interacções pareça parado.

O primeiro problema que surge neste estudo é que, para identificar as características das galáxias em interacção devidas ao choque, é necessário saber como as veriamos se não estivessem em colisão. Para resolver este problema é fundamental contar com uma amostra extensa de galáxias isoladas, que nos sirva como padrão de normalidade. Reunimos uma amostra de mais de 700 galáxias cujo isolamento se encontra bem determinado (Karachentseva, I., 1973, Comm. Spec. Ap. Obs., USSR, 8, 1), para as quais medimos as luminosidades no óptico e no infravermelho (Verdes-Montenegro et al., 2001, ESA SP-460, 315). A estes dados estamos a adicionar observações a outros comprimentos de onda, úteis no estudo das interacções.

Um outro problema que enfrentamos são as enormes escalas de tempo características envolvidas. Neste caso adoptamos uma aproximação estatística: se não podemos seguir a evolução completa de uma galáxia, reunimos as imagens de muitas galáxias em fases evolutivas diferentes. Assim, o estudo de grandes amostras de galáxias é indispensável, ainda que nem sempre possível devido à enorme quantidade de tempo de observação que pode necessitar. Outra aproximação complementar deste mesmo problema é a realização de simulações numéricas, nas quais o computador aplica as leis físicas conhecidas a um conjunto de partículas que representam o gás e/ou as estrelas de uma ou várias galáxias. Partindo de diferentes condições iniciais, faz-se evoluir o sistema através do cálculo das forças de interacção nas diferentes posições e tempos. Com isto é possível comprimir milhares de milhões de anos nalguns segundos. Na figura mostramos um instante de uma simulação numérica que reproduz com grande precisão a morfologia da galáxia real apresentada. Sobre este sistema falaremos com maior detalhe na próxima secção.

Interacções menores e maiores

Classificamos a interacção entre duas galáxias como menor quando a massa de uma delas supera a da outra num factor da ordem de 10. Estas colisões podem produzir, entre outros efeitos: intensificação de formação estelar; um segundo núcleo na galáxia mais maciça, devido à absorção da outra; anéis polares, isto é, perpendiculares ao plano da galáxia maior, correspondentes aos restos da galáxia mais pequena que ficaram em órbita; e estruturas anelares na galáxia dominante formados ao ser atravessada pela outra. Na figura encontra-se um exemplo: a galáxia de "Cartwheel" (roda de carruagem), que deve muito provavelmente a sua estrutura à passagem pelo seu centro de uma mais pequena, como sugerem as simulações numéricas realizadas por E. Athanassoula (htp://www-obs.cnrs-mrs.fr/dynamique/pap/simul.html).

A imagem inferior apresenta um instante de uma simulação numérica de E. Athanassoula, onde se mostra uma galáxia de topo (esquerda) e de lado (direita), que acaba de ser atravessada por outra mais pequena. A simulação reproduz a galáxia de "Cartwheel" (imagem superior, obtida com o telescópio espacial Hubble), que terá interagido recentemente com uma das suas galáxias companheiras.
Quando as massas das galáxias que colidem são semelhantes, é também frequente a intensificação da formação estelar. No que diz respeito à morfologia, formam-se rastos e pontes de matéria entre as duas galáxias em interacção, por vezes visíveis na componente estelar, mas principalmente proeminentes no hidrogénio atómico (HI) que emite a um comprimento de onda de 21cm. Isto deve-se ao HI ser o componente mais frágil de uma galáxia, quer pela sua baixa densidade como pela sua localização mais exterior no disco da galáxia. O seu comportamento é semelhante aos vidros partidos num acidente de automóvel, os quais indicam claramente que houve uma colisão e de que modo ela sucedeu. O gás dá- -nos portanto uma informação crucial sobre a dinâmica do sistema em estudo. Isto é de grande importância para a compreensão de sistemas complexos, como os grupos densos de galáxias, nos quais entre 4 e 10 galáxias coabitam num espaço muito pequeno, de tal maneira que frequentemente os seus discos estão em contacto. Após estudar a distribuição de gás em 16 destes grupos com o interferómetro de rádio VLA (Very Large Array), conseguimos elaborar um esquema evolutivo. Verificámos que à medida que os grupos evoluem, as galáxias ficam cada vez mais pobres em HI, que passa a formar um sistema complexo de rastos e pontes de matéria. Estes rastos, mais frágeis uma vez separados dos seus discos, chegam a ser destruídos posteriormente, fazendo com que o grupo de galáxias se veja desprovido de até 90% do seu conteúdo de gás atómico (Verdes-Montenegro et al, 2001, Astron. & Astroph., 377, 812).

Enxames de galáxias

Cerca de 10% das galáxias encontram-se em aglomerados muito densos, cujo número de membros pode chegar a ser de vários milhares. Neste caso a evolução acontece devido ao movimento rápido, da ordem de 1000km/s, das galáxias do enxame, que vão perdendo o seu próprio gás e formando um meio intergaláctico muito quente, que evapora literalmente o material das galáxias que se aproximam. Também nestes enxames tem lugar o denominado "canibalismo galáctico", através do qual as galáxias mais maciças atraem e absorvem as mais pequenas.

Vemos pois que a vida das galáxias contém muitas semelhanças com a nossa própria. O nosso meio condiciona-nos fortemente e as nossas relações produzem laços, à semelhança dos rastos e pontes de matéria em galáxias em interacção. É também muito frequente que "o peixe maior coma o mais pequeno", como sucede com as galáxias canibais dos enxames. Sem dúvida que os novos telescópios que aparecerão durante os próximos 10 anos, como o VLA expandido, o grande interferómetro de milímetro ALMA, o satélite de infravermelho Herschel ou o grande telescópio das Canárias no visível, farão com que a sociologia das galáxias nos continue a assombrar com novas surpresas.

Doutora L. Verdes-Montenegro
Instituto de Astrofísica da Andaluzia
fonte: IAA-Información y Actualidad Astronómica



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