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Marte: a realidade ao vivo e em directo

Um breve historial

Esta imagem da superfície de Marte foi obtida com a HRSC, a bordo da Mars Express. A cores e a 3D, vemos um canal (Reull Vallis) que terá sido outrora o leito de um rio. Cortesia: ESA/DLR/FU Berlin (G. Neukum).

  Nos últimos tempos temos ouvido falar muito de Marte, numa altura em que várias agências espaciais iniciaram uma corrida ao planeta vermelho. Mas a exploração de Marte não começou agora. Desde o início da era espacial, já muitas missões foram concebidas para ir a este planeta. À parte da Lua e da nossa Terra, Marte é o planeta que mais vezes foi alvo de missões espaciais.
  A primeira tentativa para enviar uma sonda a Marte deu-se em Outubro de 1960, pela então União Soviética. Essa missão, chamada Marsnik 1, teve, no entanto, pouco sucesso, já que explodiu no lançamento. Até 1969 os russos tentaram mais seis vezes, e os americanos duas. Quase todas estas missões falharam.
  O primeiro sucesso na conquista de Marte deu-se em 1965, com a chegada da sonda Mariner 4, que obteve as primeiras fotos do planeta. Mais tarde, em 1969, a NASA conseguiu um grande sucesso com as sondas Mariner 6 e 7, que passaram por Marte e enviaram várias dezenas de imagens para a Terra. Em 1971, foi a vez da URSS colocar em órbita marciana a Mars 2, bem como aterrar a Mars 3, a primeira sonda a enviar para a Terra imagens desde a superfície de Marte. Finalmente, em 1975 a NASA conseguiu colocar duas sondas na superfície do planeta vermelho, as famosas Viking 1 e 2.
  A partir de 1975 o interesse por Marte diminui, e só em 1988 os Russos voltaram "à carga" com as sondas Phobos 1 e 2 (ambas falharam o objectivo). O mesmo triste destino teve em 1992 a sonda Mars Observer (da NASA), e só em Novembro de 1996, com a Mars Global Surveyor, se voltou a estudar Marte in-situ. Esta sonda continua ainda hoje a orbitar o planeta vermelho, e a enviar-nos informações!
  Em resumo, o balanço total é: Russos 19 missões com 4 sucessos; NASA 15 missões com 8 sucessos; ESA 2 missões com 1 sucesso; e Japão 1 missão com 0 sucessos. Isto resulta num total de 37 missões, com uma taxa de sucesso de 35%, e numa pilha de lata velha a poluir a superficie do nosso planeta vizinho! Ainda temos muito que aprender (e arrumar também)!

A nova incursão

  Actualmente, Marte tem uma pequena frota da Terra a estudá--lo. Há a Mars Global Surveyor (MGS) e a Mars Odyssey (MO) da NASA, e a Mars Express (MEX) da Agência Espacial Europeia (ESA). Na superfície, além de uma bateria de naves mortas e peças de naves por tudo que é sitio, duas estão em actividade: os robôs da NASA Spirit e Opportunity.
  A MGS tem observado Marte desde há vários anos, e já construiu uma base de dados muito impressionante, sobre a qual imenso trabalho ainda resta para fazer. Um ano marciano demora quase dois anos terrestres, e para estudar o clima de Marte, é necessário monitorizar o planeta durante vários anos marcianos.
  A MEX é a primeira missão da ESA a Marte, agência à qual Portugal pertence desde há alguns anos. A missão está a desenrolar-se bem, e a órbita foi atingida no final de mês de Janeiro. Muitos dos instrumentos que a MEX traz a bordo estão já operacionais, e a enviar dados, que nesta fase servem sobretudo para calibrar cada um dos instrumentos. No entanto, a High Resolution Stereo Camera (HRSC - câmara stéreo de alta resolução) produziu já algumas imagens fantásticas, algumas das quais a ESA já tornou públicas. Como o nome indica, este ins-trumento é capaz de tirar imagens em stéreo, e a partir daí reconstruir o relevo da superfície marciana.

A partir de imagens obtidas com a HRSC, na Mars Express, o relevo do solo marciano na região de Valles Marineris (o Grand Canyon de Marte) foi reconstruído. É a primeira vez que a topografia marciana pode ser estudada a grande escala e em tão grande resolução (nesta imagem, 12 metros por pixel). Cortesia: ESA/DLR/FU Berlin (G. Neukum).

  Os outros instrumentos da MEX vão mapear o planeta em diversos comprimentos de onda, do UV até ao infravermelho e mesmo com radar. Esta última é uma novidade, e vai-nos permitir "ver" por baixo da superfície do planeta, para procurar, por exemplo, indícios da presença de lençóis de água líquida. A existência de água em Marte é provavelmente a maior questão que queremos resolver: onde está? Como evoluiu a sua presença no planeta vermelho? A teoria actual da formação do Sistema Solar prediz que os planetas terrestres (de Mercúrio a Marte) devem ter tido uma quantidade proporcionalmente semelhante de água no início. No entanto, neste momento só a Terra tem água em abundância na sua superfície. Vénus e Marte seguiram outros caminhos. As evidências para a presença de água abundante em Marte incluem estruturas que parecem ser leitos de rios agora secos, escorrimentos nas paredes de certas crateras, bem como a composição isotópica da atmosfera marciana.
  Uma parte da água perdeu-se certamente para o espaço. Como Marte tem menos massa do que a Terra, torna-se mais fácil para as moléculas de água alcançar altitudes muito elevadas. Aí, a luz UV do Sol pode quebrar a molécula de água nos seus átomos (dois de hidrogénio e um de oxigénio). Os átomos de hidrogénio, leves, escapam depois para o espaço e os átomos de oxigénio descem até à superfície, reagindo com o material desta, e produzindo grandes quantidades de óxidos. Vemos de facto uma grande quantidade de oxigénio incorporado nas rochas (sob forma de óxido de ferro, por exemplo).
  O início da missão da MEX está neste aspecto a tornar-se espantoso, pois os sensores da sonda detec-taram já, pela primeira vez, a presença de gelo de àgua em Marte, mais precisa-mente na calote polar Austral do planeta!
  Mas será que ainda há água líquida por baixo da superfície, onde a tempe-ratura e a pressão são mais elevadas? Estas são algumas das questões que tanto a MEX como os robôs Spirit e Opportunity no solo tentam esclarecer. E claro, será que pode ter existido (ou ainda existe) alguma forma de vida, por mais simples que seja, em Marte? Neste momento ainda há poucos resultados concretos. Os dois robôs da NASA chegaram há pouco tempo, e só agora começam a ter observações mais sistemáticas e concretas. Vai haver muito para descobrir e analisar durante os próximos anos. Cientistas em vários institutos portugueses estão neste momento a preparar-se para participar na análise dos dados da MEX.
  Tanto a ESA como a NASA têm ideias para mandar homens para Marte. A ESA tem um novo programa chamado AURORA que pretende pôr seres humanos em Marte em 2030. A decisão final sobre o arranque em força desde programa vai ser tomada em 2005. Portugal também tenciona participar no AURORA!
  Ainda estamos muito, muito longe de alcançar este objectivo, que é também extremamente caro! Mas temos de começar algures. O primeiro passo consiste em conhecer o melhor possível o mundo onde queremos aterrar. Daí a enorme importância que têm missões como a MEX e os robôs da NASA.
  Para mais informações sobre a MEX consulte http://sci.esa.int/marsexpress. Informação actualizada sobre os robôs da NASA pode ser encontrada em http://marsrovers.jpl.nasa.gov.

Uma imagem panorânica (360 graus) feita pela câmara do Spirit,em cima do seu módulo de aterragem! Cortesia: NASA/JPL/Cornell.


Maarten Roos Serote
CAAUL/OAL

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