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* Novas visões do centro da Via-Láctea
4 5* O Telescópio Espacial Hubble e o seu Sucessor [Parte I] 6* Para Observar em Fevereiro
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
* Astro Sudoku
7* O Céu de Fevereiro
* Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
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Uma iniciação ao universo dos Telescópios

Numa época em que muita da Astrofísica mais empolgante se faz em domínios do espectro electromagnético inacessíveis ao olho humano (e.g., infravermelhos, raios-X, etc.), espreitar por um telescópio apontado para o céu continua a ser um acto irresistível. Aqui fica um breve guia de iniciação ao universo dos telescópios, que esperamos seja útil sobretudo aos professores e alunos das escolas básicas e secundárias que nele se pretendam aventurar.


Telescópios refractores

Trata-se de um tipo de telescópio em que, numa das extremidades do tubo óptico, se encontra uma lente, designada por objectiva, que é atravessada pelos raios luminosos e que os faz convergir num ponto; se os raios que chegam ao telescópio são paralelos - é o caso da luz proveniente de objectos astronómicos - então convergem no chamado ponto focal. Uma ocular (lente, geralmente composta, pela qual se espreita) é colocada na outra extremidade; a sua função é ampliar a imagem (fig. 1). No caso da imagem de uma estrela, esta será efectivamente reduzida a um ponto (devido ao facto de as estrelas se encontrarem a grandes distâncias), mas para objectos de maior dimensão aparente, como a Lua, diz-se que a imagem se forma no plano focal do telescópio. Atribui-se a invenção do telescópio ao holandês Hans Lippershey (1587-1619), que terá fabricado as suas primeiras lunetas (outro nome comum para o telescópio refractor) entre 1606 e 1608. Segundo o historiador das ciências Anton van Helden, a ideia de um tal instrumento já faria parte do clima cultural da época, antes de Lippershey a concretizar. Certo é que, nas mãos de Galileu Galilei (1564-1642), o telescópio se tornou, a partir de 1609, numa ferramenta fundamental na decifração do cosmos.


Fig. 1 - Princípio do telescópio refractor.

Um dos problemas principais que desde cedo se colocou aos utilizadores de telescópios refractores foi a aberração cromática. Como é sabido, a luz branca é constituída por luz de diferentes comprimentos de onda (correspondentes a diferentes cores), para os quais se verificarão ângulos de refracção diferentes. Por conseguinte, raios luminosos de diferentes cores, ao atravessarem a objectiva, serão direccionados para diferentes focos, e o resultado será uma imagem distorcida, com "contaminações" coloridas. Deve- -se ao construtor de instrumentos John Dollond (1706- 1761) a introdução da objectiva acromática, que, por meio de associações de vidros com propriedades diferentes, permite a redução deste efeito. Uma outra limitação que historicamente se impôs ao desenvolvimento dos refractores foi a abertura, ou diâmetro da objectiva (v. Conceitos fundamentais). Sem descurar todos os outros aspectos técnicos que perfazem um bom telescópio, não é exagero afirmar que, do ponto de vista da instrumentação, uma das grandes lutas da história da Astronomia foi, e continua a ser, a construção de telescópios com aberturas tão grandes quanto possível. O limite da abertura dos refractores foi atingido em 1894, quando a firma americana Alvan Clark & Son finalizou um telescópio de 101 cm de abertura, instalado no Observatório de Yerkes (Chicago). Um sério problema que se coloca às objectivas muito grandes, para além das outras dificuldades inerentes à sua fabricação, é a acção da gravidade, que as faz flectir sob o seu próprio peso. Como num refractor a objectiva fica alojada na extremidade do tubo que é apontada aos objectos a observar, a colocação de sistemas de suporte adicionais acarreta obstruções à passagem da luz.

Para uma mesma abertura, um telescópio refractor é geralmente muito mais caro que um reflector. Para quem pretende adquirir um telescópio, é de todo o bom senso desconfiar dos refractores vendidos a preços baixos e anunciados como sendo capazes de proporcionar enormes ampliações.


Telescópios reflectores

Na segunda metade do mesmo séc. XVII em que Galileu fez descobertas pioneiras com os seus refractores, surgiu o telescópio reflector, que, depois de dois séculos de concorrência com o refractor, se tornou definitivamente dominante no séc. XX. O princípio do telescópio reflector terá sido inicialmente proposto pelo óptico escocês James Gregory (1638-1675), que sugeriu a utilização de um espelho côncavo em vez de uma lente. Este espelho primário ficaria alojado no fundo do tubo do telescópio, e a imagem seria produzida por reflexão, sendo reenviada para o fundo do tubo por meio de um espelho secundário, posicionado junto à outra extremidade do tubo. O observador teria acesso à imagem por meio de um orifício no espelho primário. Este modelo, conhecido como gregoriano, nunca terá chegado a ser executado pelo autor da ideia, e a paternidade do conceito do telescópio reflector acabou por ficar associada ao nome de Isaac Newton (1642-1727). Em 1668, o multifacetado cientista inglês construiu um telescópio semelhante ao gregoriano, mas em que os raios luminosos, depois de reflectidos pelo espelho primário, eram desviados, em ângulo recto, para um orifício lateral (onde se instalava a ocular), por meio de um espelho secundário plano, posicionado num ângulo de 45º em relação à trajectória inicial dos raios luminosos (fig. 2). Este modelo, ainda hoje muito utilizado, é justamente designado por newtoniano. Num outro modelo, introduzido em 1672 por Jean Cassegrain (1625-1712), recuperou-se o design gregoriano, mas aplicando-se um espelho secundário hiperbólico (no modelo gregoriano o espelho secundário era elipsoidal).


Fig. 2 - Princípio do telescópio reflector newtoniano.

Até à segunda metade do séc. XIX, os espelhos eram fabricados em metal, e perdiam facilmente poder reflector, o que exigia repetidas operações de polimento. Em 1856, Karl von Steinheil (1801-1870) e Léon Foucault (1810-1868) abriram a via de solução para este problema, produzindo um espelho a partir de vidro, que revestiram com uma superfície reflectora metálica. Em 1930, Bernhard Schmidt (1879-1935) introduziu um novo design: um telescópio reflector semelhante ao de Cassegrain, mas com um espelho primário esférico e uma lente correctora à entrada do tubo óptico. Este modelo, designado por câmara de Schmidt, pode ser construído com razões focais muito baixas (v. Conceitos fundamentais), sendo particularmente propício para fotografar o céu. Um modelo de compromisso muito apreciado e usado por amadores é o Schmidt-Cassegrain (fig. 3), também muito propício à observação visual. Numa outra configuração baseada no modelo de Cassegrain, desenvolvida pelo americano George Ritchey (1864-1945) e pelo francês Henri Chrétien (1879-1956), todas as superfícies ópticas são hiperbólicas, o que proporciona uma eficiente eliminação do erro de coma, uma distorção das imagens na periferia do campo visual, típica dos reflectores. O denominado telescópio Ritchey-Chrétien adquiriu, ao longo dos últimos 50 anos, uma grande relevância na Astronomia profissional e na astrofotografia amadora mais avançada. Em relação aos newtonianos, todos estes modelos têm ainda a vantagem de serem mais compactos, para aberturas da mesma ordem, mas são geralmente mais caros. O newtoniano é, geralmente, a opção mais lógica para observadores principiantes.


Conceitos fundamentais


Fig. 3 - Princípio do telescópio Schmidt-Cassegrain.

- Abertura (D): diâmetro da objectiva ou espelho, geralmente expresso em milímetros. Condiciona o poder de captação de luz do telescópio e o seu poder de resolução. É, portanto, uma característica fundamental; a abertura, e não a ampliação, deve ser o primeiro critério de apreciação das características técnicas de um telescópio.

- Distância focal (f): distância de uma lente ou espelho ao ponto onde convergem os raios luminosos.

- Razão focal: quociente entre a distância focal e a abertura de um telescópio. Por exemplo, um telescópio com f=1200 mm e D=150 mm tem razão focal 8; este valor exprime-se geralmente na forma f/(valor do quociente), pelo que, neste caso, teríamos um telescópio f/8. Quanto maior a razão focal, maior a imagem primária (que se forma no foco do telescópio), mas menor a luminosidade. Os objectivos do observador deverão orientar a escolha quanto a este aspecto; por exemplo, uma luminosidade mais baixa é obviamente desvantajosa para quem pretenda observar visualmente objectos difusos como as galáxias e as nebulosas.

- Poder de resolução: capacidade de resolver, em objectos separados, duas imagens pontuais muito próximas. Como acima se disse, depende da abertura. Na prática, condiciona a definição e o nível de detalhe das imagens.

- Ampliação: Obtém-se dividindo a distância focal da objectiva pela distância focal da ocular em uso; por exemplo, para um telescópio com f=1200 mm e uma ocular com f=25mm, a ampliação será de 48x. A ampliação útil de um telescópio é também condicionada pela sua abertura; para obter, em primeira aproximação, a ampliação máxima útil de um telescópio, multiplica-se a sua abertura (em milímetros) por 2.4. Por exemplo, para um telescópio de D=150mm a ampliação máxima útil será de 360x. Com muita frequência, a ampliação é erroneamente tomada como a característica mais importante de um telescópio, e servem-se disso os vendedores menos sérios, prometendo ampliações que extravasam grandemente as capacidades técnicas dos instrumentos que oferecem.


Para saber (e fazer) mais

Se quiser aventurar-se na construção de um telescópio, recomenda-se que comece por uma luneta de Kepler, relativamente fácil de construir para actividades escolares, será ideal. Encontrará um guião em http://www.feiradeciencias.com.br/sala24/24_A02.asp (em Português do Brasil). Se optar por um reflector, um dobsoniano será uma boa opção - trata-se de um newtoniano instalado numa montagem simples. Um conjunto detalhado de instruções (em inglês) está disponível em http://members.aol.com/sfsidewalk/intro.htm. Como livro de referência, recomenda-se Telescópios, de Guilherme de Almeida (Plátano Edições Técnicas), uma obra abrangente, bem documentada e ilustrada.


Pedro Raposo
OAL
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