Página - 1* O Telescópio Espacial XMM-Newton, um instrumento precioso 2* Século XXI: o século da Ásia...?
* Agenda
3* Cefeidas em casulos
* Nova luz ilumina choques entre galáxias
4 5* O sucesso das sondas marcianas 6* Para Observar em Abril
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
* Astro Sudoku
7* O Céu de Abril
* Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
(Versão do Boletim em PDF)

Catástrofes cósmicas

Impacto de Objectos com o Planeta Terra

A Terra, a nossa "casa" , é um pequeno planeta que orbita uma estrela a que chamamos Sol e que juntamente com os restantes planetas, luas, asteróides e cometas formam o nosso Sistema Solar. Embora comparativamente com muitos locais do Universo, o nosso Sistema Solar seja como uma "praia paradisíaca" , não deixa de ser um sistema dinâmico onde todos os objectos que o constituem se movem e interagem uns com os outros. É comum pensarmos que os únicos perigos que enfrentamos provêm da natureza humana, da sua capacidade para grandes feitos e a conversão desses mesmos para actos irreflectidos de destruição do meio ambiente e inevitavelmente das formas de vida que o habitam. No entanto, nos últimos anos, a Humanidade tem vindo a preocupar-se cada vez mais com as ameaças provenientes do Espaço. Entre estes perigos encontram-se as tão faladas colisões de objectos celestes com a Terra, e os perigos inerentes à radiação proveniente de supernovas e explosões de raios gama, as explosões mais potentes de todo o Universo. Neste número, serão abordadas as colisões de objectos celestes com o nosso planeta.


A Atmosfera Terrestre - Um Escudo Protector

Desde a sua formação, há sensivelmente 4,6 mil milhões de anos, a Terra tem vindo a ser bombardeada por objectos provenientes do Espaço. Todos os dias, uma quantidade estimada em 300 toneladas de rocha e poeira atingem o nosso planeta.


Fig. 1 - Imagem da bagageira de um carro atingido por um meteorito de 12 kg.

Tal como todos os corpos do Sistema Solar, a Terra orbita o Sol e está imersa numa espécie de "nuvem de detritos planetários", despojos da formação do Sistema Solar - corpos que nunca chegaram a agregar-se para formarem um planeta. A teoria para a formação do Sistema Solar, mais aceite nos dias de hoje, é a de que os planetas foram formados a partir de uma nuvem de gás e poeira que colapsou num disco em torno do Sol. No interior deste disco, pequenas partículas de poeira foram-se agregando, formando assim corpos de maiores dimensões, designados por planetésimais que mais tarde deram origem aos planetas. No entanto, houve material que não tendo contribuído para este processo acabou por ficar à "deriva" no Sistema Solar. Este material varia desde pequenas partículas de poeira com apenas alguns micrómetros de diâmetro (um micrómetro é a milionésima parte do metro), até aos cometas e asteróides cujos diâmetros estão compreendidos entre algumas dezenas de metros e vários quilómetros. Os asteróides são pequenos corpos rochosos que orbitam o Sol, na sua maioria, numa faixa designada por Cintura de Asteróides localizada entre as órbitas de Marte e Júpiter, a uma distância compreendida entre as 2 e 3,5 UA (uma Unidade Astronómica, UA, é a distância média do Sol à Terra). Acredita-se que neste local, as forças gravitacionais exercidas pelo planeta Júpiter tenham impedido o processo de agregação que levaria a formação de um planeta, não permitindo a formação de corpos com um diâmetro maior do que aproximadamente 1000 Km.


Fig. 2 - Imagem do maior meteorito encontrado até hoje, o Hoba West. Este objecto continua no local original onde ocorreu o impacto.

Na sua órbita em torno do Sol, os asteróides colidem muitas vezes uns com os outros, dando origem a corpos de menores dimensões que são designados por meteoróides. Não existe uma "linha" oficial para distinguir os asteróides dos meteoróides, embora o termo asteróide seja geralmente utilizado apenas para objectos com um diâmetro superior a algumas centenas de metros, enquanto que as dimensões de um meteoróide estão compreendidas entre as de um grão de areia e alguns metros de diâmetro. A colisão de pequenos meteoróides com a Terra ocorre todos os dias, e quase todas as semanas um grande meteoróide com alguns metros de diâmetro embate no nosso planeta. No entanto, a superfície da Terra está bem protegida destes eventos quotidianos. Quando um meteoróide de densidade comum e dimensão inferior a sensivelmente 40 m entra na nossa atmosfera, a fricção resultante da interacção deste com as camadas exteriores da atmosfera terrestre faz com que o corpo se desintegre numa "bola de fogo" antes de atingir a superfície, deixando um rasto luminoso no céu, a que damos o nome de meteoro ("estrela cadente"). Ocasionalmente, um meteoróide sobrevive à entrada na atmosfera terrestre e consegue alcançar o solo. Neste caso, o objecto é designado por meteorito. Embora seja um acontecimento não muito comum, existem vários casos registados de danos materiais causados por meteoritos. É exemplo disto, um meteorito com sensivelmente 12 kg que atingiu, a 9 de Outubro de 1992, em Peekskill - Nova York, a bagageira de um automóvel causando grandes estragos nesta (ver figura 1). Existem inúmeros meteoritos espalhados pelo globo. Com um peso de 60 toneladas, o maior destes objectos encontrado até aos dias de hoje chama-se Hoba West e foi descoberto na localidade de Grootfontein, da Namíbia - África (ver figura 2).


Near Earth Objects (NEO)

Embora a maioria do material que atinge a Terra diariamente seja essencialmente poeiras e rochas relativamente pequenas, ocasionalmente objectos de maiores dimensões colidem com a superfície terrestre causando grandes estragos.

Existem objectos no Sistema Solar, tais como asteróides e cometas de curto período (cometas com um período orbital menor que 200 anos), que possuem órbitas que periodicamente os trazem para perto da Terra, favorecendo uma eventual colisão destes com o nosso planeta. As órbitas de alguns destes corpos, designados por Near Earth Objects (NEOs), chegam mesmo a intersectar a órbita da Terra e nesse caso são designados por Earth Crossing Objects (ECOs).

Estima-se que existam mais de um milhão de asteróides pertencentes ao grupo dos NEOs com mais de 40 m de diâmetro e aproximadamente 1100 com mais de 1km, sendo que os de maiores dimensões têm um diâmetro inferior a 25 km. Os cometas de curto período perfazem apenas uma pequena percentagem dos NEOs, fazendo com que a probabilidade de um destes objectos colidir com a Terra seja baixa. Isto deve-se ao facto destes corpos passarem a maior parte do seu tempo de vida a grandes distâncias do Sol e da Terra.


A Escala de Impacto de Torino

Para a maioria dos asteróides e cometas, é possível concluir através de cálculos preliminares que estes não se aproximarão da Terra durante o próximo século. Porém, as incertezas associadas às observações de muitos destes objectos fazem com que quando um novo asteróide ou cometa é descoberto, seja muito difícil realizar previsões da sua posição a longo prazo. Criada pelo Professor Richard P. Binzel do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 1995, a Escala de Torino é uma espécie de Escala de Richter (escala que mede a intensidade dos terramotos), que caracteriza o perigo e a probabilidade associada ao impacto de um objecto, asteróides e cometas, com a Terra.

Na Escala de Torino existem números que vão do 0 ao 10. A um objecto é atribuído um número de acordo com a probabilidade de que este colida com a Terra e com a sua energia cinética. A energia cinética de um corpo é proporcional à sua massa vezes o quadrado da velocidade com que se move. Assim, um corpo a que seja atribuído o número 0 tem uma probabilidade desprezável de colidir com o nosso planeta e as suas dimensões são muito pequenas (o que faria com que no caso de uma colisão, este fosse desfeito pela atmosfera terrestre). O número 10 indica que a colisão entre o corpo e a Terra vai ocorrer com certeza e que o objecto possui grandes dimensões, o que implica que chegará à superfície terrestre causando grandes danos.


Exemplo de Colisões

Actualmente, a maioria dos materiais que entram na Terra, têm dimensões suficientemente pequenas, para que a atmosfera "cause" a sua desintegração impedindo que cheguem ao solo. Mas nem sempre foi assim.


Fig. 3 - Vista aérea da Cratera de Berringer, localizada no deserto do Arizona.

Através da história, o nosso planeta sofreu colisões com objectos de grandes dimensões, que causaram efeitos profundos na sua evolução e deixaram marcas visíveis na sua superfície.

Devido à actividade geológica terrestre, como o vulcanismo e a erosão, muitas das maiores crateras causadas pelo impacto de grandes objectos nos primórdios da sua evolução não são visíveis nos dias de hoje. No entanto, são conhecidas cerca de 168 crateras espalhadas pelo globo. Um dos exemplos mais impressionantes e bem conservados é a Cratera de Barringer, localizada no Deserto do Arizona, EUA (ver figura 3). Com 1,2 km de diâmetro e 200 m de profundidade, esta cratera foi formada há 50 mil anos atrás, pelo impacto de um meteoróide de ferro com cerca de 50 m de diâmetro. Este objecto terá atingido o solo a uma velocidade de 40 mil km/h, causando uma explosão equivalente à detonação de uma bomba de hidrogénio de 20 megatoneladas, ou seja, mil vezes a potência da bomba lançada sobre Hiroshima. Um caso mais "recente", ocorreu a 30 de Junho de 1908 na região de Tunguska, Sibéria. Um objecto com cerca de 80 m de diâmetro entrou na atmosfera terrestre com uma velocidade de 80 mil km/h tendo aparentemente explodido antes de atingir o solo a uma altura de 8 km. A explosão libertou uma energia de várias centenas de quilotoneladas, injectando milhões de toneladas de poeiras na atmosfera e derrubando árvores numa área de 2000 quilómetros quadrados em torno do local da explosão (ver figura 4).


Fig. 4 - Imagem de árvores derrubadas pela explosão do asteróide em Tunguska.

No final do período Cretácico, há 65 milhões de anos, ocorreu uma extinção em massa tendo desaparecido entre 60 a 80% de todas as espécies animais à face da Terra. Actualmente, uma das teorias mais aceites para este fenómeno é a de que um grande asteróide, com aproximadamente 10 km de diâmetro, terá colidido com o nosso planeta. O impacto terá formado uma cratera com pelo menos 160 km de diâmetro, levantando poeiras e detritos para a atmosfera, que aí permaneceram tapando a luz do Sol durante vários meses, o que levou inevitavelmente à extinção de várias espécies de seres vivos, como os dinossauros.

As colisões com objectos de grandes dimensões, como a que causou a extinção dos dinossauros, são um evento muito pouco frequente. Acredita-se que um asteróide com cerca de 1 km de diâmetro possa atingir a Terra a cada 300 mil anos. O impacto de um asteróide com o tamanho do que atingiu Tunguska ou do que formou a Cratera de Barringer, ocorre uma vez em algumas centenas de anos. No entanto, o facto destes impactos de grandes dimensões serem muito pouco frequentes, não implica que não possam ocorrer. A questão não é "se" mas sim "quando". Estaremos preparados?

João Retrê
OAL
© 2006 - Observatório Astronómico de Lisboa