Página - 1* A Nebulosa Rho Ophiuchi, um espectáculo de luz e cor 2* O valor do Observatório Astronómico de Lisboa
* Agenda
3* Pequenas estrelas também podem ter planetas?
* Matéria (quase) invisível
4* Instrumentos com História
- O grande refractor equatorial e o círculo meridiano do OAL
5 6* Para Observar em Setembro
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
* Astro Sudoku
7* O Céu de Setembro
* Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
(Versão do Boletim em PDF)

A futura geração de telescópios terrestres

Overwhelmingly Large Telescope

O aparecimento do primeiro telescópio foi um marco importante no desenvolvimento da Astronomia. Ao longo dos tempos este instrumento foi sofrendo várias alterações, de forma a optimizar as observações dos corpos celestes e, consequentemente, as informações que obtemos destes. Desde a pequena luneta de Galileu até ao Telescópio Espacial Hubble, são claras as evoluções que estes aparelhos sofreram. O diâmetro do espelho primário (espelho colector de luz) de um telescópio (reflector) a característica principal para a sua performance. Quanto maior o diâmetro do espelho, maior será a área de colecção de luz proveniente de um objecto celeste e maior será a resolução e nitidez das imagens obtidas.

O Overwhelmingly Large Telescope Cortesia do ESO

Tendo isto em vista, existem projectos designados por Extremely Large Telescopes (ELT), que visam o estudo da viabilidade da construção de telescópios terrestres com espelhos de diâmetro até dez vezes superior ao dos actuais, 8 a 10 metros de diâmetro.

Um destes colossos em estudo, o Overwhelmingly Large Telescope (OWL), é um instrumento conceptual do ESO optimizado para observações no comprimento de onda do visível infravermelho próximo. Caso esta ideia se materialize, o telescópio possuirá um espelho segmentado com 100 metros de diâmetro. Cada segmento terá a forma hexagonal e uma dimensão de 1,6 metros, formando no total uma área colectora de luz de 6 km 2. Tal dimensão seria traduzida numa resolução e nitidez de imagem bastante acima dos valores obtidos pelos telescópios actuais. Teoricamente, para observações realizadas no comprimento de onda do visível, o OWL teria uma resolução de 0,001 segundos-de-arco, o que equivale a uma resolução aproximadamente 40 vezes superior à do Hubble (0,05 segundos-de-arco). Se possuísse o poder de resolução do OWL um ser humano seria capaz de distinguir, a olho nu, dois objectos separados por um metro, a aproximadamente 200 mil quilómetros de distância. No entanto, a luz proveniente dos objectos celestes é inevitavelmente distorcida pela turbulência atmosférica do nosso planeta, fazendo com que os telescópios terrestres, como o OWL, não consigam alcançar a resolução angular que a teoria prevê. Os valores habituais da resolução destes são de 0,5-1,0 segundos-de-arco.

Existe porém, uma solução para este problema: usar no OWL um sistema de óptica adaptativa. Neste sistema, um sensor colecta a luz proveniente de uma estrela de referência medindo distorção que a luz dessa estrela sofre ao atravessar a atmosfera terrestre. Estas medições são transferidas para um computador que controla um aparato de aparelhos dinâmicos ligados a um espelho deformável, colocado algures no percurso da luz dentro do telescópio (eventualmente o próprio espelho secundário). O computador ajusta então a forma do espelho, através do ajuste dos suportes, com o objectivo de compensar as distorções da luz proveniente do objecto que se está a observar, eliminando assim os efeitos da atmosfera. Embora esta técnica já tenha sido aplicada com sucesso em alguns telescópios terrestres actuais, ainda se encontra em desenvolvimento, possuindo certas limitações que se espera virem a ser superadas na próxima geração de sistemas adaptativos. Com este sistema de óptica adaptativa, o OWL poderia então fazer uso, na totalidade, da sua inigualável resolução angular.

Dadas as dimensões do OWL, este poderia e teria de ser construído em módulos pré- fabricados, como peças de um puzzle a montar no local onde este instrumento seria construído. A estrutura que suportaria este aparelho seria feita em aço e pesaria 14 800 toneladas. Embora este valor possa parecer extremamente elevado, um telescópio comum com as dimensões do OWL pesaria cerca de um milhão de toneladas, o que faz do OWL um telescópio "leve" para o seu tamanho, aumentando assim a sua performance. Esta modulação do telescópio possibilitaria a produção em série dos seus componentes, o que tornaria o aparato menos dispendioso. Outra vantagem seria a da entrada em funcionamento antes de estar totalmente acabado. Com a estrutura e equipamento montados, e faltando apenas a colocação de alguns segmentos do espelho primário, seria possível realizar observações. Mesmo com 50% dos segmentos montados, o OWL teria um diâmetro de 50 metros, muito superior ao de qualquer telescópio terrestre actual.

Com a construção do OWL, a ciência teria acesso a novas e entusiasmantes possibilidades. Com a sua extraordinária visão angular, o OWL seria capaz de obter imagens de objectos do Sistema Solar com resoluções comparáveis às obtidas com sondas espaciais. Seria possível observar a partir da Terra alguns pormenores da superfície e atmosfera de planetas e luas, tais como nuvens e vulcões, durante uma escala de tempo muito maior. Isto permitiria um estudo mais detalhado e uma melhor compreensão da dinâmica meteorológica e geológica dos nossos vizinhos do Sistema Solar. A realização de observações directas a planetas extra-solares seria possível com o OWL, permitindo assim inferir a eventual existência de bio-esferas e consequentemente de vida. Até agora, embora já tenham sido descobertos e identificados mais de uma centena destes objectos, nunca foi possível observar um destes planetas directamente, sendo a sua detecção efectuada principalmente através da perturbação ínfima que o planeta causa no movimento da sua estrela anfitriã.

Com o OWL seria possível espreitar para trás no tempo, observando o Universo longínquo, e testemunhar o nascimento das primeiras estrelas e galáxias. Seria também possível uma melhor compreensão dos processos que regem a formação de sistemas planetários não só na nossa galáxia, como em outras próximas de nós através da observação dos discos proto- planetários em torno de estrelas de várias idades.

São inúmeras e claras as possibilidades que um telescópio destes poderia trazer à Astronomia e não só. A questão que se coloca é se o OWL se tornará ou não uma realidade! Olhando para os projectos existentes, parece claro que por volta de 2020 possuiremos vários telescópios com 20-40 metros de diâmetro. O salto para os 100 metros, porém, talvez tenha de esperar alguns anos mais...

João Retrê
OAL
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