Mesmo se estas personagens não são apenas fruto da mitologia, tendo aparentemente existido na realidade, a lenda de Coma Berenices (a cabeleira de Berenice) caiu no esquecimento, e a constelação que lhe tomou o nome é, em geral, pouco conhecida. O seu nome está hoje associado ao enxame de galáxias de Coma. De facto, com a ajuda dos poderosos telescópios modernos, descobriu-se que, naquela direcção do céu mas bem mais além daquele punhado de estrelas pertencentes à nossa galáxia,a Via Láctea, existe um numeroso grupo de galáxias.
Sabe-se hoje que as galáxias não estão uniformemente distribuídas no Universo: a maior parte encontra-se associada em grupos ou enxames. O de Coma ganhou um estatuto priveligiado devido à (relativa) proximidade a que se encontra da nossa galáxia - o que torna a sua observação mais acessível -, aliada a uma grande riqueza (o elevado número de galáxias que o formam permite-nos aceder a uma amostra de estudo considerável). Os enxames de galáxias são considerados como sendo as maiores estruturas gravitacionalmente ligadas do Universo. Por este motivo são objectos particularmente interessantes para serem estudados, pois o conhecimento da sua formação e evolução ajuda-nos a compreender vários dos mecanismos fundamentais em Astrofísica e Cosmologia que vão desde a física das estrelas até à formação do Universo.
Os enxames são constituídos por três componentes. A primeira e mais evidente - até porque é visível na parte óptica do espectro de radiação - consiste nas galáxias. As proporções relativas dos diferentes tipos morfológicos (formas) de galáxias contidas num enxame varia consoante a região que estas ocupam: assim, as galáxias elípticas encontram-se concentradas no centro enquanto que as espirais (como a nossa Via Láctea) têm tendência a ocupar as zonas periféricas dos enxames. O brilho e a massa destas galáxias cobrem um amplo intervalo de valores e o número de objectos pode ir desde centenas até milhares (conforme a riqueza do enxame), distribuídas num raio típico de Mpc. A pequena fracção do volume ocupado pelas galáxias num enxame () proporciona a ocorrência bastante frequente de interações gravitacionais entre elas. Dão-se deste modo colisões e encontros próximos entre galáxias que têm como consequências possíveis a fusão de galáxias (atingindo-se por vezes as raias do "canibalismo"!); a distorsãodas suas morfologias (criando-se por vezes braços ou plumas de matéria); ou a alteração da taxa de formação de estrelas das galáxias. A segunda componente de um enxame de galáxias é um gás quente, cuja temperatura ronda os milhões de graus Kelvin (valor este bem superior ao da radiação cósmica de fundo do Universo, que é de graus Kelvin). Este gás preenche o espaço entre as galáxias e emite em raios-X. A sua densidade é de átomos por centímetro cúbico. Finalmente, por volta de 1930, o astrónomo Zwicky apercebeu-se de que deveria ainda haver uma outra componente que justificasse a elevada massa total de um enxame (que é da ordem de massas solares, isto é aproximadamente Kg) que ele estimava através dos seus cálculos. Com efeito, a maior quantidade da massa dos enxames não é observável em nenhum comprimento de onda e por tal designou-se por "matéria escura". A sua presença é, no entanto, inferida por diversas observações astronómicas. As proporções relativas (em massa) destas três componentes são1:4:20, na ordem que vêm citadas.
Ainda hoje é desconhecido o número total de enxames de galáxias existentes no Universo, assim como a época em que se começaram a formar. Isto deve-se a motivos óbvios da dificuldade de observação e recenseamento destes sistemas, sobretudo a grandes distâncias. No entanto, esta é uma questão fulcral para a Cosmologia, cuja resposta permitirá destrinçar entre as diferentes teorias propostas para a formaçãodo Universo e das estruturas que o compõem, e determinar a idade do Universo, assim como a quantidade, composição e distribuição da matéria que este contem.
As observações e o estudo dos enxames de galáxias fornecem uma contribuição preciosa à resposta a estas e muitas outras questões.
Doutora Catarina Lobo - Observatório Astronómico de Brera, Milão, Itália