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Missões Espaciais Astronómicas

O Resto do Universo (cont.)

Todo o conhecimento que possuímos sobre o Universo provém, essencialmente, da análise da radiação que dele nos chega. Hoje, após uma espantosa e rápida evolução, é possível à Astronomia estudar o Universo recorrendo a observações espalhadas por todo o espectro electromagnético. Desde o rádio até aos raios gama, passando pelo infravermelho, óptico, ultravioleta e raios-X, possuímos detectores que nos permitem observar diferentes aspectos do mesmo fenómeno ou fenómenos completamente diferentes. A nossa visão do Universo vai ficando assim cada vez mais completa.

Neste e no próximo número vamos discutir uma missão dedicada à observação do Universo no extremo mais energético do espectro electromagnético, acima dos 100.000 electrão-volt (eV) (1) - os raios gama. Como comparação, refira-se que a energia dos fotões no óptico é de apenas alguns electrão-volt.

A radiação gama é produzida no Universo pelos fenómenos mais energéticos. A colisão de partículas (como acontece nos aceleradores de partículas usados para estudar os constituíntes da matéria), o decaimento nuclear de um elemento instável, a dispersão de fotões por electrões, a interacção de electrões com um campo magnético e a aniquilação entre matéria e antimatéria são exemplos de processos físicos que podem levar à produção de raios gama. No Universo estes processos acontecem nas supernovas, pulsares, quasares e buracos negros, bem como na colisão entre raios cósmicos e os átomos do meio interestelar. A detecção dos raios gama produzidos no Universo representa um grande desafio para a Astronomia. Além de apenas serem detectáveis acima da atmosfera terrestre, é impossível o uso de qualquer tipo de espelho para focar uma radiação tão energética. Actualmente, dois tipos de detectores são usados. No primeiro, radiação gama incide sobre um cristal (iodeto de sódio), "chocando" com os átomos deste e perdendo gradualmente a sua energia sob a forma de luz. A medição da intensidade dos flashes de luz resultantes permite deduzir a energia da radiação gama incidente e, se um número suficiente de fotões for detectado, o espectro (gama) de uma fonte pode ser determinado. Porém, este tipo de detectores não pode formar uma imagem, pois detecta raios gama provenientes de todas as direcções. O melhor que se pode fazer neste sentido é rodear o cristal por um material opaco à radiação gama, permitindo apenas a incidência de radiação proveniente de uma pequena região do céu. Num segundo tipo de detector, que já permite a construção de imagens, raios gama com energias superiores a 1.02 milhões de eV atravessam placas contendo átomos pesados, como o tungsténio. Perto do núcleo de um destes átomos, torna-se provável a conversão dos raios gama em pares electrão-positrão (o positrão é a antipartícula do electrão). O percurso e a energia destes pares são então registados, o que permite a dedução da energia e da direcção de origem dos raios gama incidentes.

Em Abril de 1991 a NASA lançou o Compton Gamma-Ray Observatory, concebido para estudar o Universo revelado pelos raios gama. Com 17 toneladas, o Compton é o observatório mais massivo alguma vez colocado em órbita. Possui quatro instrumentos, cada um com o tamanho de um automóvel familiar (o número de detecções de raios gama depende da massa do detector, por isso a necessidade de instrumentos tão grandes).

O Compton sobre a parte ocidental de África, momentos antes de ser colocado em órbita.

Na imagem são visíveis os quatro instrumentos a bordo do Compton. As cúpulas central e inferior fazem parte, respectivamente, do COMPTEL e do EGRET, telescópios para fotões gama de energias médias e elevadas. O cilindro na parte superior pertence ao OSSE, concebido para detectar raios gama pouco energéticos e são ainda visíveis, nos cantos do observatório, quatro dos oito detectores que fazem parte do BATSE, que monitoriza uma grande região do céu procurando emissões de raios gama incrivelmente intensas e de muito curta duração (as misteriosas explosões de raios gama, que discutiremos no próximo número).

JMA


(1) Um electrão-volt é a energia adquirida por um electrão quando sujeito a um potencial eléctrico de um Volt.

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