Go backward to Missões Espaciais Astronómicas
Go up to Top
Go forward to Vinte e quatro horas num observatório astronómico (I)

O Mistério do Metano Perdido

A missão espacial Cassini-Huygens abre oportunidades nunca vistas no estudo de Titã, o complexa lua gigante de Saturno. Como descrevi no artigo anterior, o metano é o gás que está na base de uma extensa cadeia de reacções químicas que produzem etano e acetileno em abundância. Essas reacções começ cam com a divisão da molécula de metano pela luz ultravioleta do Sol, num processo chamado fotólise -- do grego foto (luz) + lise (divisão) -- em que se liberta hidrogénio. Este gás é tão leve que a atracção gravitacional de Titã não consegue retê-lo na atmosfera, por isso acaba por perder-se para o espaço. Assim, a fotólise é um processo irreversível, que gasta metano às toneladas sem criar nenhum (mais precisamente, gasta cerca de uma tonelada em cada 3 segundos)! À taxa actual de consumo, todo o metano atmosférico ter-se-ia esgotado em menos de 100 milhões de anos, apenas 2% dos 4500 milhões de anos de vida do satélite. Então, como explicar a sua existência actualmente?

Os cientistas pensam que deve existir um reservatório de metano na superfície de Titã que, por evaporação, abastece a atmosfera. Como à temperatura de -180 graus Celsius da superfície o metano e o etano são líquidos e o acetileno é sólido, podemos imaginar um oceano pouco profundo de metano com azoto e etano dissolvidos e blocos de acetileno a boiar à superfície! Mas esta visão de ficção científica está, provavelmente, errada. Cálculos teóricos mostram que, se existisse naquela lua um oceano global, ele causaria fortes marés que teriam dissipado energia suficiente para circularisar a órbita em poucos milhões de anos. Isso não aconteceu, pois a órbita de Titã em torno de Saturno é elíptica. Resta a possibilidade de existir metano líquido em bacias de crateras ou contido numa crosta planetária porosa. Foi a contar com uma parte líquida da superfície titaneana que a sonda de descida Huygens foi concebida para poder flutuar. Em 2004 veremos se esta característica é importante...

Com a excepção de alguns comprimentos de onda na banda do infravermelho, é muito difícil observar a superfície de Titã porque esta está sempre oculta por uma neblina opaca. Há poucos anos astrónomos dos EUA utilizaram o Telescópio Espacial Hubble para obter imagens de alta resolução onde podemos observar diferenç cas importantes de brilho entre diferentes regiões do satélite. Existe uma zona mais brilhante que deve ser constituída por terreno de diferente natureza. A sonda deverá cair de pára-quedas num ponto estratégico de transição "ao largo" dessa zona, onde poderá obter o máximo de informação sobre os diferentes terrenos.

Mapa da superfície de Titã vista pelo Telescópio Espacial Hubble. A sonda Huygens será lançada na zona assinalada pelo rectângulo (cortesia de Peter Smith et al, NASA/LPL e HSTScI).

Porque possui Titã uma atmosfera, enquanto Ganimedes ou Calisto, duas luas de Júpiter com tamanhos semelhantes, apenas retiveram ténues camadas de gases? Titã formou-se a partir de uma mistura de gelo e compostos mais pesados numa região do Sistema Solar onde a temperatura devia situar-se abaixo dos -138oC. Sabemos que nessas condições o gelo forma uma microestrutura irregular que retém muito bem o azoto, metano ou árgon que se encontrem no meio ambiente. Mas no fim do processo de formação Titã aqueceu ligeiramente e o gelo passou a ter uma estrutura regular, libertando durante a mudanç ca os gases que mantinha presos, num processo chamado outgassing. Devido à massa elevada da lua esses gases ficaram retidos pela atracção gravitacional, formando uma atmosfera densa. Como os satélites jovianos se formaram numa região mais próxima do Sol onde a temperatura era maior, o gelo nunca pôde acumular gases no seu interior, por isso essas luas nunca tiveram uma verdadeira atmosfera.

A teoria do outgassing não é a única que explica a formação de atmosferas planetárias. Uma outra possibilidade é que estas podem formar-se a partir de gases trazidos por cometas. Podemos determinar se a atmosfera de Titã surgiu assim comparando a sua composição isotópica com a dos gases cometários. Isótopos são átomos que apenas diferem no número de neutrões que existem no núcleo. O deutério (D) é um isótopo do hidrogénio cujo núcleo contém um neutrão e um protão. A abundância de D nos cometas já é conhecida porque foi medida no cometa de Halley (pensamos que neste aspecto o Halley não deve diferir muito dos outros cometas). Se ela for semelhante em Titã, então os cometas poderão ter estado na origem da sua atmosfera.

Para ajudar a resolver este dilema, a bordo de Huygens segue um espectrómetro de massa, que é, justamente, um aparelho capaz de separar átomos de pesos diferentes, como o hidrogénio e deutério, medindo as suas abundâncias. Ele deverá fornecer pistas importantes sobre a formação de Titã e a origem da sua atmosfera.

Pode obter mais informações em www.jpl.nasa.gov/cassini

DL



Prev Up Next