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Planetas Extra-Solares III

Esta é a última parte duma série de artigos sobre a descoberta de planetas extra-solares.

Se quisermos determinar a existência de planetas em torno de uma estrela, pela mudança de posição (coordenadas) desta, acontece que na generalidade dos casos este método é impraticável visto as estrelas estarem muito distantes de nós e a sua mudança de coordenadas (observada) ser inferior à precisão máxima que hoje temos, cerca de 0,002 segundos de arco. Devido ao facto de quanto mais longe elas estiverem menor é essa oscilação nas suas coordenadas, este método de busca está também limitado a estrelas muito próximas do Sol. Para confirmar o movimento angular dependendo da distância, veja-se que o observador 2 (na figura) detecta uma mudança angular de posição muito menor que a medida pelo observador 1, muito mais próximo da estrela.

Porém, existe um parâmetro independente da distância aos observadores: a velocidade v que a estrela tem no seu movimento em torno do CM. Essa velocidade efectivamente mede-se! Para o fazer recorre-se a um fenómeno físico bem conhecido que relaciona a velocidade relativa (dita radial, Vr) entre dois objectos, com a mudança de comprimento de onda da luz emitida por um (lambda0), e recebida pelo outro (lambda): (lambda-lambda0)/lambda0 = Vr/c (c é a velocidade da luz). É designado por efeito de Doppler. Existe contudo um detalhe importante: só a componente da velocidade de deslocamento da estrela na linha de visão do observador é que pode ser medida. Não se obtém qualquer informação sobre a componente transversal (perpendicular à linha de visão) da velocidade. O efeito de Doppler provoca assim um desvio para o vermelho (comprimento de onda maior) das riscas espectrais quando a estrela se afasta de nós (na posição B, Vr = v), e um desvio para o azul (comprimento de onda menor) do espectro, quando esta se aproxima de nós (na posição A, Vr = v). Nas posições intermédias a velocidade medida toma valores -v <Vr <v. A geometria deste fenómeno complica-se um pouco, pois na prática há que contar ainda com o factor de projecção (inclinação do plano) da órbita da estrela em relação ao plano do céu (perpendicular à linha de visão). Designando esse ângulo por i então a velocidade radial efectivamente medida é - v sen(i) <Vr <v sen(i). A posição relativa mais favorável é quando o observador vê a estrela e planeta (Sol e Júpiter neste exemplo) exactamente de perfil pois aí temos i=90o e sen(90o)=1. No caso real do sistema Sol-Júpiter a velocidade obtida é v = 12,4 m/s.

O método observacional baseia-se na obtenção ao telescópio de um espectro de muito alta resolução da estrela em causa, e para isso têm sido construídos espectrógrafos especiais. A medição posterior de lambda e lambda0 para um conjunto grande de riscas espectrais, permite determinar Vr como a média dos valores individuais obtidos para todas as riscas. Por fim e mais importante ainda, alterações periódicas e repetitivas desta velocidade com o tempo, são indicativas de que ela roda em torno de um centro de massa fora do seu centro geométrico. Se isto for observado a conclusão é única: só é possível com a existência de planetas que gravitem em seu redor, ou alternativamente, existe uma estrela companheira. Assim detecta-se a existência de planetas sem estes poderem ser vistos directamente.

Como mencionámos, levanta-se um problema interessante que é o de saber se os objectos que gravitam a estrela são planetas ou não. Sabe-se que um corpo celeste não atinge temperaturas suficientes no seu interior para iniciar reacções nucleares, a menos que tenha uma massa de 0,08 massas solares. Júpiter tem apenas 0,001 massas solares. Pondo de parte as estrelas de pequena massa, o problema está ainda em distinguir entre planetas e corpos mais massivos, que libertam muita energia mas não têm reacções nucleares de queima de hidrogénio, isto é, não são estrelas. Um corpo com a massa de 13 vezes a massa de Júpiter já permite a queima nuclear do deutério (isótopo do hidrogénio), mas não a do hidrogénio em si, assim não é uma estrela mas também não é um planeta normal . Estabelece-se por isso que estes corpos de massa intermédia, designados por anãs castanhas, devem ter uma massa entre 0,013 e 0,08 massas solares. Os planetas própriamente ditos deverão ter uma massa inferior a 13xMJúpiter. Se no processo de formação de uma estrela a partir de uma nuvem molecular existirem dois núcleos de condensação, um dará a estrela principal e o outro, desde que não consiga absorver muita matéria da nebulosa inicial (por formação mais tardia), poderá dar uma anã castanha. Ou seja, a sua formação ocorre quando a nuvem molecular ainda está a colapsar para disco, e simultaneamente com a formação da estrela principal. Por isso, a órbita da anã castanha em torno do centro de massa comum, pode ser bastante excêntrica em vez de quase-circular como no caso dos planetas. Como estes se formam muito mais tarde, só depois da circularização e achatamento da nuvem inicial, aparecem naturalmente com órbitas quase circulares. A excentricidade das órbitas e as massas são por isso parâmetros a estudar nos pretensos planetas detectados, pois permitem distinguir entre verdadeiros planetas e anãs castanhas. O método das velocidades radiais tem sido bastante usado e permitiu aliás a primeira detecção indirecta da existência de planetas em torno do pulsar PSR 1257+12. Esta descoberta tem sido confirmada ao longo dos anos e em Abril de 98 (num congresso europeu em Lisboa, sobre planetas extrasolares) os autores apresentaram dados definitivos sobre a presença de três planetas em torno deste pulsar. O fenómeno que desde cedo deixou os astrónomos intrigados foi o facto de um pulsar ser uma estrelas de neutrões, por isso uma estrela que já explodiu em supernova. Sendo uma supernova uma explosão muito energética, isto é, com energia suficiente para desfazer uma estrela, terá também energia suficiente para separar e trucidar planetas que eventualmente gravitem essa estrela. Como, então, entender a existência de planetas neste pulsar? Pensa-se que após a supernova, e passado tempo suficiente, a matéria ejectada (gás essencialmente) ao reduzir a velocidade de expansão por chocar contra o material interestelar, pode eventualmente voltar a colapsar sobre a estrela de neutrões que sobrou, e aí iniciar o processo de concentração e aglomeração, o que dará, primeiramente, azo ao aparecimento de planetesimais e posteriormente a planetas. Outra hipótese tomada como possível é a probabilidade não nula da estrela de neutrões poder capturar (por força gravitacional) planetas ou outros corpos, que passem perto. Convém mencionar que estes planetas de segunda geração nunca permitirão o desenvolvimento de formas de vida, tal como a conhecemos e podemos imaginar, pois falta-lhes a fonte de calor que uma estrela normal é, e que uma estrela de neutrões (com 10 km de raio) sem reacções nucleares e atmosfera extensa, nunca poderá ser.

Este grupo de astrónomos que trabalha com o radio-telescópio de Arecibo tem seguido outros pulsares e hoje a lista engloba já cerca de 30 com variações de velocidade radial, indicativos da presença de outros corpos que os gravitam. Mostramos os mais famosos na Tabela1.

Tabela 1

Pulsar PSR 1257+12

Período

(dias)

Massa ´ sen(i)

(MTerra)

Raio órbita

(UA)

Excentricidade

25,34

66,45

98,22

0,015

3,4

2,8

0,19

0,36

0,47

0,00?

0,0182

0,0264

Pulsar PSR 1828-11

248

1,35

2,71

3

12

8

0,93

1,32

2,1

-

-

-

Pulsar PSR 0329+54

Período

(anos)

Massa ´ sen(i)

(MTerra)

Raio órbita

(UA)

Excentricidade

16,9 ± 0,2

3,3

2,2

0,3

7,3

2,3

0,23 ± 0,2

-

Pulsar PSR B 1620-26

~100

0,24 < < 12MJup

38 ± 6

-

Pulsar Gemini

5,1

1,7

3,3?

0,0(4)

A busca de planetas extrasolares ganhou novo alento quando em 1995 os investigadores Mayor e Queloz anunciaram a descoberta de um planeta com uma massa de 0,46xMJup /sen i em torno da estrela 51 Pégaso. Para isso construíram um espectrógrafo especial que lhes permitia medir velocidades radiais com uma precisão de cerca de 10 m/s. Para comparação um espectrógrafo normal do tipo echelle (de alta resolução e usual nos telescópios de 3,5 a 4 metros de diâmetro) permite atingir precisões de 1 km/s apenas. Descobertas semelhantes seguiram-se pelos cientistas Marcy e Butler na estrela 70 Virgem (possível planeta de massa 6,6xMJup/sen i) e na estrela 47 Ursa Maior, com um planeta de massa de 2,36xMJupiter /sen i. Usando este método já houve muitas descobertas de planetas de pequena massa, que são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2

Estrela Tao Boieiro

Período

(dias)

Massa ´ sen(i)

(MJup)

Raio órbita

(UA)

Excentricidade

3,3128

3,87

0,0462

0,015 ± 0,01

Estrela 51 Pegaso

4,229

0,45-0,7

0,05

0,015 ± 0,01

Estrela Niu Andrómeda

4,6

0,6

0,054

0,015 ± 0,01

Estrela Cancer

14,64

15-20 anos

0,8

5

0,11

-

0,015 ± 0,01

Estrela Coroa Boreal

39,65 ± 0,09

1,13

0,264 ± 0,006

0,03 ± 0,04

Estrela 16 Cisne B

814 ± 12

1,66

1,7

0,57 ± 0,09

Estrela 47 Ursa Maior

1095 ± 15

2,36

2,1

0,06

Estrela Lalande 21185

5,8 anos ?

0,09?

2,2?

-

Algumas detecções são difíceis de classificar como planetas ou anãs castanhas, pois apresentam órbitas muito excêntricas e valores de massa que se aproximam do limite conhecido. Mostramo-los na Tabela 3.

Tabela 3

Estrela HD 114762

Período

(dias)

Massa ´ sen(i)

(MJup)

Raio órbita

(UA)

Excentricidade

84,02

9

0,34

0,33

Estrela 70 Virgem

116,6

6,6

0,43

0,4 ± 0,01

A classificação como possíveis anãs castanhas, ou seja objectos companheiros de massa superior a 13xMJup e órbitas de grande excentricidade, afecta as descobertas tabeladas na Tabela 4.

Tabela 4

Estrela HD 283750

Período

(dias)

Massa ´ sen(i)

(MJup)

Raio órbita

(UA)

Excentricidade

1,79

50

0,025

0,02

Estrela Qsi Ursa Maior B

3,98

37

0,06

0,00

Estrela HD 112758

103,22

35

0,35

0,16

Estrela HD 140913

147,94

46

0,54

0,61

Estrela BD 04 782

240,94

21

0,7

0,28

Estrela HD 110833

270,04

17

0,8

0,69

Estrela HD 89707

298,95

54

-

0,95

Estrela HD 217580

454,66

60

~1

0,52

Estrela HD 18445

554,67

39

~0,9

0,54

Estrela HD 29587

1471,7

40

~2,5

0,37

Estrela AB Dourados

~3000

88 ± 5

3 -10

-

Estrela G1 229

-

20-50

~40

-

Muito mais trabalho usando a detecção de velocidades radiais está em curso e promete chegar a resultados espantosos nos próximos anos. Estão em desenvolvimento novos espectrógrafos cuja resolução permitirão atingir a precisão do 1-2 m/s. Este é um limite teórico e prático pois a este nível o movimento de translação em torno do centro de massa confunde-se com o próprio movimento do gás da atmosfera estelar, não sendo assim possível distinguir os dois. Mas esta melhoria na detecção permitirá descobrir planetas com massas inferiores à de Júpiter.

Outro método que se tem revelado importante para a detecção de estrelas com planetas e discos de poeira tem sido o recurso a imagem e fotometria no infravermelho. Como as estrelas do tipo do Sol têm cerca de 6000 kelvin (K) de temperatura na fotosfera (camada gasosa visível), a curva de emissão de Planck (de corpo negro) demonstra que elas emitem a maior parte da sua radiação no visível, em particular no amarelo-verde. E muito pouco no infravermelho. Contrariamente, os planetas que em geral estão a poucas centenas de kelvin têm picos de emissão de radiação nos comprimentos de onda do infravermelho. Por exemplo, a Terra que está em média a uma temperatura de 280 K, emite a maior parte da radiação nos 11 ?. Por outro lado, a diferença de luminosidade entre estrela e planeta diminui de um factor de mil quando se passa a compará-los no infravermelho em vez de no óptico. Assim, quando se faz um estudo da emissão de infravermelho de uma estrela, se ela apresentar um excesso de emissão no infravermelho, isso é indicador da presença ou de planetas, ou de um disco de poeira circumestelar. Consoante a temperatura do disco e dos planetas, e a sua distribuição espacial em torno da estrela (que afecta a distribuição de temperaturas no disco), assim o excesso de radiação infravermelha se distribui pelos vários comprimentos de onda. A estrela ? Pictoris é um caso clássico mas outros mais existem. Na próxima década e com os novos telescópios gigantes equipados com detectores de infravermelhos e optimizados para imagem nessa zona do espectro, esperam-se novas descobertas que permitirão novos avanços do conhecimento sobre a formação das estrelas e planetas. Por último, existe mais um método que começou a ser explorado há poucos anos: o efeito de microlente gravitacional. Por efeito gravítico, a luz emitida por um objecto desvia o seu percurso quando passa cerca de um corpo de grande massa (chamado de lente gravitacional ), por exemplo planetas, estrelas e galáxias. Quanto maior a massa da lente gravitacional maior é o desvio sofrido pelo raio luminoso, e por isso cria-se uma imagem fantasma do objecto numa posição próxima da verdadeira imagem. Para lentes de pequena massas estilo planetas, o desvio é tão pequeno que a imagem produzida pelos raios luminosos desviados, fica muito próxima da dos raios não desviados, isto é, a imagem fantasma quase que coincide com a original. Na prática essa separação entre imagens (real e fantasma) é tão pequena que os telescópios não distinguem as duas e sobrepõem-nas, tendo como resultado observável um aumento do brilho da imagem verdadeira. Chama-se a este caso a microlente gravitacional. Com o projecto MACHO (MAssive Compact Halo Objects), que busca a presença de pequenos objectos estilo estrelas pequenas e compactas, planetas ou asteróides, a gravitar em torno da nossa galáxia para estudar o problema da matéria escura (há outros projectos em curso, também), foi possível detectar o efeito de microlente gravitacional, a afectar as imagens de estrelas da galáxia vizinha Nuvem de Magalhães. Hoje em dia, iniciaram-se projectos de observação a longo termo, para detectar a presença de um planeta em torno de uma estrela que esteja a fazer de lente gravitacional. Se esse planeta existir e estiver na posição adequada quando a sua estrela está a fazer de lente gravitacional a outro objecto, então e momentaneamente, o aumento de luz verificado terá um pico acentuado durante poucas horas ou eventualmente dias, enquanto o planeta ajuda o efeito de microlente gravitacional. Ainda não foram detectados e confirmados casos destes, mas as buscas continuam e esperam-se detectar alguns planetas por este processo.

RJA



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