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A Busca de Vida Extra-terrestre (I)

Iniciamos neste número uma série de artigos sobre uma questão que nos assalta a todos os que admiramos a vastidão do Universo: existirão outras formas de vida para além daquelas que conhecemos na Terra? Poderemos um dia colonizar outras regiões da nossa Galáxia, e contactar com outras civilizações que nela possam habitar? Estas questões ocupam uma posição muito peculiar no campo científico porque, apesar de fazerem parte da vanguarda da Ciência, podem ser compreendidas por qualquer leigo interessado, ao contrário do que se passa com a maioria das questões com as quais se debatem os cientistas. Essencialmente, esta é uma questão que nos diz respeito a todos.

Contudo, ninguém poderia prever que no limiar do novo milénio estaríamos, de facto, em condições de poder dar os primeiros passos seguros no sentido de obter respostas a esta questão tão fundamental para o Homem. Com a descoberta em 1995 da existência de planetas extra-solares (isto é, planetas que orbitam em torno de outras estrelas), a busca de vida fora do Sistema Solar tornou-se uma questão da maior actualidade na Astrofísica dos nossos dias. Propomo-nos assim apresentar uma série de artigos na qual serão discutidas as questões-chave e os desafios que se colocam na procura de vida extra-terrestre, dentro e fora do nosso sistema solar.

A questão óbvia que se coloca é a de saber onde e como devemos procurar sinais da eventual existência de vida extra-terrestre. Uma possibilidade, na hipótese de existirem outras civilizações com tecnologia avançada, é a de "escutar" os sinais de rádio provenientes do cosmos, na esperança de conseguir estabelecer-se um contacto. Este é o objectivo do programa Search for Extra-Terrestrial Inteligence (SETI) da NASA. Este programa foi recentemente considerado como "uma estratégia relativamente barata e cientificamente válida" pelo congresso sobre "Busca Espectroscópica de Vida fora do Sistema Solar", realizado em 1998 pelo departamento de Exobiologia da NASA. Contudo, seria extremamente redutor restringir toda a busca de sinais de vida no Universo a este programa. Aliás, uma elementar prudência estratégica sugere que se siga uma via mais conservadora. Esta passa, naturalmente, por procurar evidências da existencia da vida, tal como a entendemos, ou seja, vida baseada na química orgânica. Embora não exista uma razão científica real para tal restrição, esta via é seguramente um ponto de partida razoável pois, afinal, a Terra é de facto o único caso conhecido, até à data, onde existe vida. Efectivamente, se limitarmos a nossa busca de vida dentro e fora do sistema solar apenas à vida baseada na química orgânica, podemos colocar algumas hipóteses restritivas:

  1. Considerar apenas química orgânica baseada no carbono.
  2. Exigir a presença de líquidos, pois estes favorecem as misturas hidrodinâmicas e convectivas das moléculas.
  3. O líquido tem que ser a água, porque esta é um excelente solvente e é muito abundante na natureza.
  4. Exigir a presença de um interface sólido-líquido, de forma a promover trocas entre moléculas.
Se, por um lado, estas restrições parecem ser demasiado fortes, por outro lado convém recordar que toda a vida na Terra é baseada nas propriedades do átomo de carbono. De todos os elementos conhecidos, o carbono é o elemento quimicamente mais versátil, uma vez que os átomos de carbono podem formar ligações químicas por forma a criar moléculas particularmente longas e complexas. Todos os organismos vivos são feitos destas moléculas orgânicas. Estas moléculas podem interligar-se para formar estruturas elaboradas, como cadeias, redes e fibras. Algumas destas estruturas são capazes de produzir reacções químicas complexas que se auto-regulam. Além disso, os constituintes básicos das moléculas orgânicas (carbono, hidrogénio, azoto, oxigénio, enxofre, e fósforo) são dos elementos mais abundantes no universo. A versatilidade e abundância do carbono sugere que a biologia extra-terrestre (designada por exobiologia) possa ser também ela baseada na química orgânica.

As moléculas orgânicas existem por toda a nossa galáxia. As nuvens moleculares gigantes (como a nebulosa M42 em Orion) contêm quantidades substanciais de átomos de carbono que se encontram ligados a átomos de oxigénio na molécula simples de monóxido de carbono (CO). Mas o carbono também se combinou com outros elementos para produzir uma variedade impressionante de compostos. Desde os anos 60 que os rádio-astrónomos detectaram riscas de emissão de micro-ondas produzidas por muitas moléculas existentes no meio interestelar. Por incrível que possa parecer, até a molécula de álcool etílico já foi detectada! Hoje sabemos que os meteoritos também contêm substâncias orgânicas. Isto significa que os planetas do nosso sistema solar foram e são ainda continuamente bombardeados com compostos orgânicos. Por outro lado, a experiência de Miller em 1952 mostrou que a vida pode ter resultado naturalmente de reações químicas ordinárias. Então, dada a abundância no universo das moléculas que estão na base da origem da vida, é perfeitamente legítimo supôr que a vida possa também ter despontado fora da Terra, algures no cosmos.

Em qualquer caso, não restam dúvidas de que o ambiente mais favorável (para o desenvolvimento da vida), à luz da Astrofísica actual, é de facto um planeta. A ser assim, estas considerações levam-nos a compreender que a nossa busca de vida extra-terrestre passa também pela procura de planetas "habitáveis". Uma vez que não foi ainda descoberta qualquer prova definitiva da existência de vida noutros planetas do nosso sistema solar (e falaremos deste assunto em futuros artigos), isto significa que, na prática, devemos também procurar novos planetas fora do nosso sistema solar, ditos planetas extra-solares. Vejamos então como podemos detectar estes planetas com os telescópios e instrumentos de que dispomos no limiar do novo milénio.

I-Detecção individual de planetas

Existem vários métodos para detectar planetas extra-solares, e o sucesso potencial de cada método está naturalmente dependente das suas limitações tecnológicas, mas também das diferentes características dos planetas, como a massa, raio, e distância a que se encontram da estrela em torno da qual orbitam. Vamos descrever alguns destes métodos.
a) Perturbação gravitacional
Quando um planeta orbita uma estrela a uma distância d, a estrela move-se em torno do centro de massa do sistema estrela+planeta com o mesmo período, com uma órbita muito aproximadamente circular de raio d* dado por

d*=d(Mp/M*)
onde Mp e M* são, respectivamente, a massa do planeta e a massa da estrela. Pela equação acima, podemos concluir que, para uma dada massa M*, a perturbação gravitacional na estrela será tanto maior quanto maior for a massa do planeta e quanto mais longe este estiver da estrela. A título de exemplo, considere-se o Sol como estrela central. Dado que Júpiter tem uma massa cerca de 320 vezes a massa da Terra e está cerca de cinco vezes mais longe do Sol, a perturbação no Sol devido a Júpiter é 320×5=1600 vezes maior do que a provocada pela Terra. Se a Terra se encontrasse à mesma distância de Júpiter, o efeito desta já seria apenas 320 vezes menor do que a perturbação no Sol devido a Júpiter. Para que a Terra induzisse no Sol uma perturbação gravitacional semelhante àquela provocada por Júpiter, a Terra teria que orbitar o Sol a uma distância 320 vezes maior do que a distância de Júpiter ao Sol. Isto significa então que este método é mais sensível a planetas gigantes (i.e., de massas elevadas) orbitando a grandes distâncias da estrela central do que a planetas terrestres.

Esta perturbação leva a que a estrela apresente características observacionais que variam periodicamente no tempo, com o mesmo período dos movimentos orbitais. Em particular, o movimento da estrela em torno do centro de massa do sistema traduz-se por um deslocamento desta no céu que vem dado por

Delta alfa=d*/D
onde D é a distância do sistema estrela+planeta ao observador. Usando a primeira equação, e utilizando unidades apropriadas, podemos escrever
Delta alfa=0.3 (Mp/M*)(d/D)
com Mp dado em massas terrestres, M* em massas solares, d em unidades astronómicas, D em dezenas de parsec, e Delta alfa em milionésimas de segundo de arco. Assim, um planeta como Júpiter em torno de uma estrela do tipo solar, e ambos a uma distância de 1 parsec da Terra, induz um deslocamento da estrela no céu da ordem de 50 milionésimas de segundo de arco (micro arcsec), algo como 30 mil milhões de vezes mais pequeno que o diâmetro da Lua cheia!! Os melhores telescópios actuais conseguem uma precisão da ordem de poucos micro arcsec, o que significa que podemos já detectar planetas extra-solares gigantes. Contudo, para detectar planetas terrestres será necessária uma precisão da ordem de 0.03 micro arcsec. Tal só poderá ser obtido pelos novos telescópios espaciais da NASA e da ESA, planeados para a próxima década. Retomaremos este assunto nos próximos números.

Dr. Miguel C. Moreira
CAAUL



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