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A Medição do Cosmos - II

O Heliocentrismo Universal A medição das distâncias pelo método da paralaxe exigia instrumentação de grande qualidade óptica e estabilidade mecânica, pois trabalha-se com ângulos inferiores ao segundo de arco ("). Joseph Fraunhofer (1787-1826), notabilizado pelo estudo das riscas espectrais de absorção na luz solar, passa a juventude numa oficina de corte de vidro em Munique e, mais tarde, aprofundando os seus conhecimentos de óptica e das técnicas empíricas de sistemas complexos, torna-se no melhor construtor europeu de instrumentos ópticos, entre os quais telescópios. Os seus aparelhos vão parar às mãos de dois alemães: Friedrich Bessel (1784-1846) que usa o telescópio de 15 cm do Observatório de Königsberg na Prússia, e F. G. Wilhelm Struve (1793-1864) director do Observatório de Dorpat na actual Estónia, que adquire um telescópio de 24cm. A corrida das paralaxes está lançada: em 1839 Bessel (director em Königsberg) já tinha acumulado centenas de dados sobre a estrela 61 Cisne e mede a sua paralaxe como sendo de p=0,314", ou seja uma distância d=660000UA (d(UA) =1/p(radiano)): muito para além do Sistema Solar! Dois meses depois, Thomas Henderson, que regressava de uma campanha de observação na África do Sul (terminada em 1833), publica a paralaxe de α Centauro, que a coloca a menos de 200000UA. A falta de confiança nos dados obtidos com o fraco telescópio que tinha, levou-o a protelar a publicação do resultado. Struve começara os estudos de estrelas duplas e paralaxes em 1824 em Dorpat. A sua nomeação para responsável da construção do grande observatório de Pulkova (em S. Petersburgo) atrasa-lhe os trabalhos de investigação e, por isso, publica a paralaxe de Vega (α Lira) apenas em 1839. Com o valor de 0,261" coloca-a a 790000UA. O Cosmos expandiu-se no conhecimento humano, o Universo deixa de ser esférico, mas criamos um heliocentrismo à escala universal!

Após 1855, Struve é o astrónomo de renome internacional (director do observatório astronómico mais importante do mundo, àquela data) que ajuda Filipe Folque e o tenente de armada Frederico Oom (por mandato do Rei D. Pedro V), a planear os diversos telescópios e o edifício do futuro Observatório Astronómico de Lisboa. Os grandes instrumentos são adquiridos aos melhores mestres europeus: Repsold de Hamburgo (círculo meridiano de passagens de 12cm de diâmetro) e Merz de Munique (grande refractor equatorial paralático de 39cm de diâmetro e 7m de distância focal), no último quartel do séc. XIX. Frederico Oom treina-se nos trabalhos de observação em Pulkova sob directa orientação de Struve. Regressa a Lisboa onde se torna o primeiro director do Observatório Astronómico e desenvolve trabalhos nestas áreas de investigação (posições, paralaxe e estrelas duplas), granjeando reconhecimento internacional para este observatório.

O problema da forma e das dimensões do Cosmos persistem. Em meados do séc. XIX William Parsons, usando o Telescópio Gigante de 1,8m de espelho primário, descobre que algumas das nebulosas de Herschel têm estrutura espiral e são sistemas estelares. Contudo, o debate sobre as suas dimensões permanece sem resolução: serão estes sistemas tão grandes quanto a nossa Via Láctea e por isso exteriores a ela (universos ilha), ou serão pequenos sistemas dentro da própria Via Láctea? Se forem exteriores, qual é então a forma do Cosmos?

O Cosmos dos Universos Ilha É preciso esperar o advento da fotografia em finais do séc. XIX para se poderem ver estrelas, nebulosas e galáxias nunca vistas por olhos humanos. Agora as contagens podem ser muito mais exactas, e uma discussão inicia-se entre H. von Seeliger, J. C. Kapteyn e P. van Rhijn, na abertura do século XX. Pela contagem de estrelas, Kapteyn conclui que a Via Láctea é um esferóide achatado, 5 vezes maior no raio do que na espessura: cerca de 10kpc de raio e 2kpc de espessura. O Sol está a 650 parsec(1) (pc) do centro. Conclui também que a densidade de estrelas diminui com a distância ao centro da Galáxia. Apesar dos grandes debates sobre a existência de matéria interestelar que obscurecesse o brilho das estrelas (o que deturparia os resultados), este modelo é o mais convincente dos três, à falta de melhores provas.

Esta discussão demora anos a ser resolvida. Em 1917 é construído no monte Wilson (EUA) o Grande Telescópio de 2,5 m. Harllow Shapley estuda a distribuição dos enxames globulares de estrelas e descobre que estes estão organizados numa estrutura aproximadamente esférica, cujo centro parece estar na direcção do Sagitário e a 15 kpc do Sol (sabemos hoje que o Sol está a 8kpc do centro Galáctico). Estes enxames contêm cerca de 105-106 estrelas, o que permite observá-los a grandes distâncias. Shapley nota que há ausência de enxames perto do plano Galáctico mas não associa este efeito à presença de poeiras. As suas dimensões são exageradas pois o enfraquecimento do brilho das estrelas pela poeira converte-se numa atribuição de maiores distâncias a estas. As dimensões são muito superiores às obtidas pela contagem de estrelas, e os astrónomos encaram uma escolha emocional (sem solução científica) entre o modelo de Kapteyn e o de Shapley. Perde-se de vez o heliocentrismo Galáctico e o Cosmos aumenta ainda mais. Mas as nebulosas serão exteriores à Via Láctea? Que idade têm? Esta pergunta vai permanecendo sem resposta.

H. D. Curtis, que se notabilizara pelo estudo de nebulosas espirais no Observatório de Lick, defende que estas serão galáxias exteriores e semelhantes à Via Láctea, segundo o modelo de Kapteyn. Shapley argumentava que essas galáxias estavam próximas e por isso seriam relativamente pequenas em tamanho, quando comparadas com a nossa. Em Abril de 1920 dá-se o Grande Debate na Academia Nacional das Ciências nos EUA, onde Curtis e Shapley se opõem em argumentos sobre as dimensões do Cosmos e a existências de outras galáxias para além da nossa. Comparando o brilho das estrelas novas observadas nessas galáxias espirais com as novas da Via Láctea, Curtis estima que as galáxias espirais poderão estar a centenas de kpc; por exemplo, a de Andrómeda a 150 kpc teria o mesmo tamanho que a Via Láctea de Kapteyn. O debate é inconclusivo. A falta de medições de paralaxes impedia discernir as respostas correctas, e o uso de brilhos intrínsecos era sempre afectado pelo desconhecimento do efeito não comensurável das poeiras interestelares.

Uma Nova Distância para Andrómeda Uns anos antes dão-se grandes passos na história da Astronomia. A luz das estrelas começa a ser interpretada por análise espectroscópica: as estrelas são sistemas gasosos. O dinamarquês E. Hertzsprung em 1911 e o americano H. Russell em 1913 estabelecem uma classificação das propriedades estelares intrínsecas (luminosidade, temperatura e gravidade), culminando no diagrama cor-magnitude H-R, o que permite a utilização sistemática do brilho aparente como indicador de distância. Paralelamente, Henrietta Leavitt de Harvard, medindo o brilho de estrelas variáveis em placas fotográficas e, em particular, analisando 25 estrelas cefeidas na Pequena Nuvem de Magalhães, descobre em 1912 que quanto maiores o seus brilhos, maiores os seus períodos de variação, a designada relação Período-Luminosidade. A relação por si só é inútil, pois não existiam calibrações absolutas de distâncias a cefeidas. Hertzsprung e Russell atacam esse problema mas é Harllow Shapley (1918) quem compara cefeidas próximas do Sol com o mesmo período, e faz análises estatísticas de movimentos próprios e velocidades radiais. A calibração P-L é finalmente conseguida, e como a intensidade de luz decai com o quadrado da distância, pode-se agora calcular distâncias de uma maneira fidedigna sem recorrer às paralaxes trigonométricas (muito limitativo), ou à necessidade da suposição de brilhos intrínsecos (luminosidade) iguais entre estrelas. Contudo, o problema do efeito obscurecedor da poeira permanece.

Em 1923, Edwin Hubble e Milton Humason, usando o telescópio de 2,5m do Monte Wilson, vislumbram estrelas individuais na periferia da galáxia de Andrómeda, entre as quais descobrem 12 cefeidas. Por comparação deduz que Andrómeda deve estar a cerca de 280kpc de distância (hoje sabemos que a distância a esta galáxia é de 650kpc): por isso é uma galáxia exterior à nossa, tão grande quanto a Via Láctea e constituída por estrelas. Fica saldado de vez o debate sobre os Universos Ilha de Kant, e o Cosmos assume proporções nunca vistas. A Via Láctea não é mais do que uma pobre galáxia entre tantas outras... O modelo de Kapteyn passa para a história. A calibração P-L de Shapley tem problemas e afecta a escala de distâncias e a constante de Hubble, mas estes só serão corrigidos em 1952 por W. Baade.

Entretanto, a investigação vira-se para o Universo exterior à Via Láctea, subitamente muito mais extenso e desconhecido. Apresentaremos no próximo número algumas das investigações mais importantes ocorridas durante o séc. XX. Em particular, veremos que indicadores de distâncias são desenvolvidos para lidar com as escalas astronómicas que o Universo passa a apresentar.

Prof. Doutor Rui Jorge Agostinho
Centro de Astronomia e Astrofísica
da Universidade de Lisboa (CAAUL)
Departamento de Física da FCUL



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