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OS MELHORES OBSERVATÓRIOS DO MUNDO

O ESO: II - PARANAL


Fig. 1 - O ANTU, o KUEYEN, o MELIPAL e o YEPUN, a brigada pesada no estudo do Universo, prepara-se para mais uma noite de observação no topo do Cerro Paranal, no deserto do Atacama chileno. Cortesia do ESO.

Fig. 2 - O Cerro Paranal com o VLT, no topo, e as instalações de apoio bastante mais abaixo, a cerca de 3 km. Cortesia ESO.

Fig. 3 - Um aglomerado de estrelas jovens na periferia da Galáxia, provando que a formação estelar pode ocorrer fora das zonas centrais da Via-Láctea. A imagem é uma composição de imagens no infravermelho próximo obtidas com o VLT: a cor vermelha representa a banda Ks (2,16 :m), a verde a banda H (1,65 :m) e a azul a banda J (1,25 :m). A utilização de imagens no infravermelho próximo permite "penetrar" as nuvens de gás e poeira e "ver" as estrelas acabadas de nascer - esta região é invisível no óptico.

Fig. 4 - Um "anel de diamantes" descoberto recentemente em observações com o VLT. Trata-se de uma objecto enigmático de natureza ainda desconhecida, cujo estudo está a ser efectuado. A imagem, uma composição de imagens no infravermelho próximo, revela talvez uma estrela jovem ou uma nebulosa planetária com uma geometria muito peculiar.

Fig. 5 - Espectro óptico da galáxia "extremamente vermelha" PDFJ011423, um exemplo de uma classe de galáxias descoberta há cerca de uma década e que hoje se julga conterem a chave para a compreensão da evolução galáctica. Esta galáxia, observada quando o Universo tinha pouco mais de metade da idade que tem hoje, apresenta riscas de emissão que revelam a existência de formação estelar intensa e um buraco negro activo.

  Em 1987, com o observatório de La Silla em pleno e frutuoso funcionamento, o Observatório Europeu do Sul (ESO) decidiu iniciar um novo e difícil empreendimento: a construção do maior telescópio óptico do mundo, o Very Large Telescope (VLT). A escolha do local para este prodígio da tecnologia era crítica - apenas o local com as melhores características para a observação astronómica poderia receber o melhor observatório! Após vários anos de procura e cuidadosos testes, uma montanha de 2.635 metros de altitude no norte do Chile, o Cerro Paranal, foi escolhida. A pouco mais de 120 km a sul da cidade de Antofagasta e a 12 km da costa chilena, já em pleno deserto do Atacama, o Paranal apresenta condições quase ideais para a Astronomia: cerca de 350 noites por ano apresentam céu limpo (com quase 300 noites de céu "fotométrico", necessário para os programas de observação mais exigentes), uma humidade típica entre 5 e 20%, e turbulência atmosférica reduzida, resultando num seeing (que mede o tamanho de uma fonte pontual numa imagem) inferior a 0,66 segundos de arco em metade das noites de observação. Certamente um local de sonho para um astrónomo.
  O VLT é um projecto complexo mas muito versátil. Assenta em quatro grandes telescópios (ver Fig. 1), com espelhos principais de 8,2 metros de diâmetro, inicialmente designados por Unit Telescopes (UT) e mais tarde "rebaptizados" com nomes na língua dos Mapuche (Mapudungun), povo chileno que vive na parte sul do país. Assim, o ANTU (que significa o Sol) foi o primeiro a entrar em funcionamento, em 1998. No ano seguinte o KUEYEN (a Lua), realizou as primeiras observações, enquanto que o MELIPAL (o Cruzeiro do Sul) e o YEPUN (a estrela do anoitecer, Vénus) iniciariam as suas actividades em 2000. Com os respectivos instrumentos de primeira geração, estes telescópios constituem um recurso ímpar para a Astronomia, em comprimentos de onda que vão desde o limite atmosférico, a 0,3 :m (ultra-violeta) até aos 26.000 :m (infravermelho médio), tanto em imagem como em espectroscopia. Uma resolução espacial que pode atingir valores abaixo de 0,1 segundos de arco (o que equivale a distinguir uma esferográfica a 300 km de distância) é conseguida no infravermelho próximo (1-5 :m), com o auxílio de óptica adaptativa, uma tecnologia que tenta corrigir a perturbação atmosférica sempre presente. No futuro próximo, a luz dos quatro telescópios poderá ser combinada por interferometria, o que possibilitará atingir uma resolução espacial de milisegundos de arco (o equivalente a distinguir uma pessoa na superfície lunar): será o nascimento do Very Large Telescope Interferometer (VLTI), que contará ainda com três telescópios auxiliares de 1,8 metros, fundamentais para aumentar as potencialidades do interferómetro.
  O Paranal contará ainda, dentro de alguns anos, com um telescópio dedicado a mapeamentos extensos no óptico: o VLT Survey Telescope (VST), de 2,5 metros de diâmetro. Também está a ser construído um outro telescópio destinado a este mesmo tipo de observações, mas no infravermelho próximo, o Visible and Infrared Survey Telescope for Astronomy (VISTA), de 4 metros de diâmetro, que se situará num cume vizinho do Paranal, a cerca de 1 km de distância. Ambos os telescópios serão usados para estudar grandes áreas do céu, reservando o VLT para, por exemplo, o estudo detalhado dos objectos mais interessantes aí encontrados.
  Se La Silla apresenta um clima desértico mas onde a vida persiste e pode ser observada, o Paranal apresenta uma paisagem completamente estéril - o clima é muito mais inóspito aqui, fruto da localização mais interna no deserto do Atacama. A paisagem marciana não é decerto muito diferente... Após uma viagem de carro desde Antofagasta, cidade costeira mas nem por isso muito menos desértica, chegamos às instalações de apoio logístico do Paranal. É aqui, a 2.466 metros de altitude, que se situam os quartos, o restaurante, os gabinetes... e a piscina e sauna. Embora possa parecer um luxo, a existência destas destina-se a ajudar as pessoas que aqui se encontram (astrónomos visitantes ou de apoio, e trabalhadores do ESO) a suportar a secura extrema (a humidade pode aqui atingir valores de apenas alguns pontos percentuais).
  O acesso aos "melhores telescópios do mundo", quase 200 metros mais acima (ver Fig. 2), faz-se por automóvel ou a pé, se bem que neste caso o "passeio" de 3 km possa demorar cerca de 45 minutos, dependendo da forma física do caminhante. Ao contrário de La Silla, aqui não existe refeição nocturna, tendo o astrónomo de se contentar durante as observações com algumas sandes e uma bebida quente que terá pedido durante o dia.
  A ciência efectuada com o VLT abrange todos os domínios da Astronomia, desde o estudo de objectos do Sistema Solar, até à procura das primeiras galáxias no Universo. Apresentamos nestas páginas alguns exemplos de estudos efectuados por investigadores do OAL.
  A procura de estrelas em formação, por exemplo, levou Carlos Santos e João Lin Yun a descobrir um enxame de estrelas jovens muito peculiar, pois situa-se a cerca de 16 kpc do centro da Via-Láctea, já próximo do limite da Galáxia. Esta descoberta vem confirmar que os processos de formação de estrelas, tão comuns nas zonas centrais da Galáxia, também ocorrem nos limites desta. A imagem apresentada (ver Fig. 3) foi obtida a partir de observações no infravermelho próximo, com o telescópio ANTU e a câmara de infravermelho ISAAC.
  As observações astronómicas revelam muitas vezes objectos misteriosos. João Lin Yun, por exemplo, obteve uma curiosa imagem de um "anel de diamantes" (ver Fig. 4), um objecto que revela sinais de nebulosidades e eventuais reflexões de luz. Será porventura uma estrela em formação ou uma nebulosa planetária? O estudo prossegue. A imagem apresentada foi obtida com o ANTU e a câmara ISAAC.
  E que objectos se situam no Universo distante? José Afonso obteve o espectro aqui apresentado (ver Fig. 5) de uma galáxia "extremamente vermelha", pertencente a uma classe de galáxias ricas em poeira desconhecida até bem recentemente. As riscas de emissão observadas, revelando oxigénio e hidrogénio, ajudam a esclarecer a natureza deste corpo. Neste caso, a espectroscopia, obtida com o Antu e a câmara FORS1, e a fotometria em múltiplos comprimentos de onda revelaram uma galáxia a mais de 3.000 Mpc de distância, rica em poeira, e onde um buraco negro coabita com uma formação de estrelas elevada. Esta galáxia forma o equivalente a mais de 1.000 estrelas tipo Sol por ano (a Via-Láctea forma em média apenas uma).

José Afonso
CAAUL/OAL