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E o Vencedor é ... Campos Rodrigues
Há 100 anos atrás, um português via-se galardoado com o prestigioso prémio Valz, atribuído pela Academia das Ciências de Paris a astrónomos que se notabilizassem pela qualidade do seu trabalho. O contemplado era César Augusto de Campos Rodrigues (1836-1919), que desde 1890 dirigia o então Real Observatório Astronómico de Lisboa (ROAL). O ROAL fora designado para desenvolver, sobretudo, trabalho astrométrico, nomeadamente a nível da determinação rigorosa de coordenadas de objectos celestes. Com o apoio financeiro do rei D. Pedro V e a coordenação empenhada do geodeta Filipe Folque, em 1861 tinha início a sua construção, na Tapada da Ajuda. Encontrava-se então a estagiar, no Observatório de Poulkova (Rússia), o engenheiro hidrógrafo Frederico Augusto Oom, praticando, sob a orientação do célebre astrónomo Otto Struve, a realização das observações de grande precisão que viriam a ser efectuadas na Tapada. A actividade científica do ROAL teve início em 1867, mas só em 1878, depois de um período transitório, a funcionar no âmbito dos Trabalhos Geodésicos do Reino, é que se tornaria numa instituição autónoma, com Frederico Augusto Oom a assumir o cargo de director. O reduzido corpo científico do ROAL contava, desde 1869, com Campos Rodrigues, igualmente um engenheiro hidrógrafo que, apesar da sua juventude e personalidade reservada, já havia dado suficientemente nas vistas para que Filipe Folque e F. A. Oom não hesitassem em captá-lo para o quadro da nova e promissora instituição científica que nascia em Lisboa.
Em 1892, o Observatório Naval de Washington promovera um programa internacional de observação do planeta Marte, que em Agosto desse ano estaria em oposição favorável. Tal programa tinha por objectivo a determinação da paralaxe solar, ou, por extensão, da distância Terra-Sol, o que também se havia tentado através da observação de trânsitos de Vénus (assunto amplamente abordado nos últimos tempos, a propósito do trânsito ocorrido no passado dia 8 de Junho - v. número anterior de O Observatório). Ainda que com pouco tempo para se preparar, o corpo científico do ROAL, já sob a direcção de Campos Rodrigues e contando também com Frederico Oom (filho de F. A. Oom, que viria a suceder a Campos Rodrigues no cargo de director), respondeu ao apelo executando uma série de observações que, pelo seu rigor, daria notoriedade internacional ao observatório. Em 1898, o astrónomo amador alemão Witt descobria um pequeno asteróide, relativamente próximo da Terra, que seria baptizado com o nome Eros. Previa-se que o asteróide estaria em oposição favorável em Novembro de 1900, pelo que, nesse mesmo ano, o Observatório de Paris fazia circular um apelo à colaboração internacional no sentido de se aproveitar a ocasião para proceder a uma nova determinação da paralaxe solar. Tal implicava determinar com rigor as sucessivas posições de Eros no céu, a partir de diferentes localizações, mas para isso era necessário elaborar um catálogo de estrelas de referência, em relação às quais essas posições seriam então determinadas. Juntamente com outros 12 observatórios, o ROAL ficou incumbido de determinar as posições dessas estrelas (668 no total). No conjunto, os 13 observatórios realizaram aproximadamente 19000 observações, das quais cerca de 3800 foram efectuadas no ROAL. Os erros associados às observações de Lisboa foram os menores de todo o conjunto e nenhuma observação teve que ser rejeitada; o seu peso no cálculo dos valores finais foi máximo. Em 1904, o júri do prémio Valz, que incluía homens de ciência notáveis, como o matemático Poincaré e o astrónomo Bigourdan, decidia unanimemente atribuí-lo a Campos Rodrigues, por estes importantes contributos. Ficava assim confirmada, de forma inequívoca, a reputação de rigor e excelência que o observatório de Lisboa vinha adquirindo, bem como o extraordinário talento científico do seu director. Com alguma relutância, Campos Rodrigues, avesso a homenagens e galardões, recebeu o prémio pelo seu significado para o ROAL e para o país. Cem anos depois, aqui fica, no boletim do agora OAL, este pequeno memorando, insuficiente para fazer justiça à figura e ao episódio, mas que sempre mitigará um pouco o esquecimento em que ambos parecem ter caído. Pedro Raposo OAL |
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