Página -
1
- A magnífica nebulosa NGC346, uma maternidade estelar
2
- A dádiva da Ciência - Visitas Guiadas ao OAL - Próxima Palestra Pública no OAL 3 - Erupções de raios-X podem ajudar formação de planetas - Uma nova explosão curta de raios gama 4 5 - Retratos da Estrela (quase) Polar 6 - Para Observar em Junho VISIBILIDADE DOS PLANETAS Alguns Fenómenos Astronómicos Fases da Lua - AstroLetras 7 - O Céu de Junho - Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas Versão do Boletim em PDF |
Huygens mostra novo panorama de Titã
No passado dia 14 de Janeiro a sonda europeia Huygens desceu com sucesso em Titã, enviando as primeiras imagens nítidas da superfície da maior lua de Saturno. Este é um acontecimento que ficará na história da exploração espacial porque tem, ao mesmo tempo, um significado científico e simbólico só comparável ao da chegada das primeiras missões soviéticas e americanas a Vénus e Marte.
Desde a sua descoberta por Christiaan Huygens em Março de 1655, Titã permaneceu um dos objectos mais enigmáticos do Sistema Solar. Foi sobrevoado em 1980 e 1981 pelas sondas Voyager, mas estas não conseguiram observar a superfície, apenas um globo alaranjado e uniforme onde não se conseguia ver nenhum detalhe. A cor alaranjada é consequência de numerosas partículas em suspensão na atmosfera que dispersam a luz principalmente nos comprimentos de onda do vermelho e do amarelo. A atmosfera é composta por cerca de 98% de azoto e 2% de metano.A bruma é o resultado de uma cadeia complexa de reacções químicas que começa com a divisão destas moléculas pela luz ultravioleta do Sol (fotólise) e por electrões energéticos da magnetosfera de Saturno, gerando moléculas cada vez maiores e mais complexas. Estas moléculas, hidrocarbonetos formados por longas cadeias de átomos de carbono e hidrogénio, formam agregados com dimensões da ordem de 0.1 micrómetros, e estes, por sua vez, juntam-se entre si formando agregados maiores. Todas estas partículas, muito semelhantes ao smog que observamos na poluição das grandes cidades, formam a bruma. Elas são transportadas pelos ventos na atmosfera e são essenciais para compreendermos a meteorologia de Titã.
Embora o trabalho de análise dos dados ainda esteja a decorrer, já podemos traçar um balanço dos principais resultados da missão Huygens.A sonda transportava a bordo seis instrumentos destinados à exploração da superfície, à caracterização físico-química da atmosfera e à medição dos ventos. O instrumento DISR (Descent Imager and Spectral Radiometer) foi um dos mais importantes. Composto por um conjunto de 13 sub-instrumentos, incluindo três câmaras e um espectrógrafo, deu-nos não só as imagens que vimos da superfície, mas também espectros. Um espectro é como uma radiografia que mostra o que os olhos não vêem directamente, e dele podemos deduzir, por exemplo, a composição química da atmosfera e da superfície. Um outro instrumento importante foi o HASI (Huygens Atmospheric Structure Instrument), cujos termómetros ultra-precisos mediram a temperatura durante a descida até à superfície gélida que está a 188 graus negativos, a pressão (1.5 bar no solo), a condutividade eléctrica e pesquisaram (em vão) por vestígios de relâmpagos e trovões.
O ponto de aterragem da sonda situa-se numa das zonas mais escuras e é provavelmente um leito lagunar ou de rio. A fotografia da superfície mostra uma paisagem preenchida por blocos de gelo arredondados, com dimensões de 15 a 20 cm. Estes seixos têm marcas de erosão na base, como os que se vêem na Terra em leitos de rios, indicando que foram arrastados por algum tipo de fluido que terá moldado a sua forma. Os espectros obtidos indicam claramente a existência de gelo misturado com outros compostos, mas ainda não foi possível identificar quais. Trata-se provavelmente de uma mistura rica em moléculas complexas provenientes da bruma atmosférica. A interpretação das imagens ainda está sujeita a debate, mas sabemos que os contrastes entre zonas claras e escuras advêm do relevo ou da composição, mas não podem ser atribuídos a sombras uma vez que não há luz directa a chegar à superfície. A difusão na atmosfera e a absorção pelo metano levam a que só 10% da luz recebida por Titã chegue à superfície. A existência de líquidos na superfície de Titã era uma conjectura antiga. À taxa actual de fotólise, apenas 10 milhões de anos seriam suficientes para esgotar todo o metano da atmosfera. Como a idade do Sistema Solar é de 4600 milhões de anos, teria de haver um reservatório de metano à superfície para reabastecer a atmosfera. Além disso, nas condições de temperatura e pressão do solo o metano é líquido, pelo que poderia formar rios e lagos. Assim, as imagens da Huygens vêm confirmar esta possibilidade, mostrando que houve num passado recente (à escala de poucos milhões de anos) líquidos à superfície, mas também levantar outra questão: porque não foram detectados líquidos directamente? Poderá acontecer que a formação de rios e lagos seja um fenómeno periódico ou episódico, ou simplesmente teremos visitado Titã pouco depois de se ter esgotado o reservatório de metano? Embora não sejam visíveis quaisquer líquidos, um dos instrumentos da sonda detectou a evaporação de metano no momento em que esta, aquecida pela fricção com a atmosfera, tocou o solo. É possível que o gelo da superfície seja poroso, como certas rochas, e que esteja embebido em metano, ou que este exista logo abaixo da superfície. A resistência da superfície medida durante o impacto da sonda mostrou que há uma crosta fina e dura, com poucos centímetros, a cobrir uma camada mais mole.
Com a missão Huygens ainda só começámos a compreender Titã. Mas já emergiu dos primeiros resultados uma nova visão, de um mundo muito mais parecido com a Terra do que pensávamos, e ao mesmo tempo tão diferente do nosso e de todas as outras luas geladas dos planetas gigantes. Como uma repetição de certos padrões gerais da natureza, ao vivo e a cores, mas com infinitas variações. David Luz CAAUL/OAL |
© 2005 - Observatório Astronómico de Lisboa
|