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A Constelação do Boieiro

Nas noites primaveris podemos admirar uma bonita estrela (a 4a de todo o céu em brilho), Arcturus, pertencente à antiquíssima constelação do Boieiro. Homero refere-se a ela na Odisseia.

O seu lento movimento na abóbada celeste, de este para oeste, deve ter sugerido aos antigos a idéia de um calmo e contemplador pastor, um ceifeiro, um condutor de rebanhos... pois o Boieiro recebeu todos estes nomes. Cerca de 3000 anos a.C., na importante etapa do desenvolvimento da astronomia pré-helénica, o Boieiro era uma constelação circumpolar, visível toda a noite muito próximo de Tubã, a estrela polar desse tempo. Assim, afigurar-se-ia com mais realismo a ideia de que perseguia a Ursa Maior, então chamada carro ou charrua (a palavra Bootis deriva do sumério Riv-but-sane, o homem que conduz o Grande Carro). Com os romanos, ele guardava as 7 estrelas do norte, as Septem Triones.

O nome Arcturus vem do grego arctos oura isto é "na cauda", mas os gregos também chamavam à constelação de Arctophylax, o guardião da Ursa, como podemos ler em "O Trabalho e os Dias", de Hesíodo (séc. VI a.C.). Num dos mitos é Atlas, pois, próximo do Pólo, é suposto sustentar o mundo. É também Arcas, o filho de Calisto, a bela ninfa metamorfoseada em ursa por ciúmes de Juno.

Noutra lenda grega representa Icário, a quem, devido à sua equidade e justiça, Dionísio escolheu para ensinar à humanidade a arte de fazer o vinho. Foi ele que utilizou um odre feito de pele de cabra para o transportar (segundo Eratóstenes, foi à volta de um odre de vinho "que pela 1a vez os homens dançaram"). Para obedecer ao deus, Icário viajou até à Ática e deu a provar a nova bebida a vários pastores. Estes embriagaram-se e, julgando terem sido envenenados, assassinaram-no. Sua filha Erigona, esperou-o em vão; foi o seu fiel cão, Maera, que a conduziu ao local onde o tinham enterrado. Erigona não resistiu ao desgosto: enforcou-se no pinheiro por baixo da qual jazia seu pai. Dionísio, apiedado, transformou-os em estrelas: Icário no Boieiro, Erigona na Virgem e Maera em Procion. Nas cerimónias das vindimas, participando do culto de Dionísio, Icário, Erigona e Maera, eram adorados com libações.

Arcturus, era para os gregos, e mais tarde para os romanos, um sinal de mau tempo. "Terrível quando nasço, ainda sou mais terrivel quando desapareço", diz o próprio Arcturus numa peça teatral de Plauto (séc.I d.C.). Conta Demóstenes, o grande orador ateniense que, em 341 a.C., uma certa importância em dinheiro fora emprestada a 22%, sobre os valores de um barco que faria a viagem de Atenas para a Crimeia, mas, dizia o contrato, essa percentagem subiria para 30% se o navio não regressasse "antes de Arcturus", isto é, antes do seu nascimento helíaco (à volta de meados de Setembro), pois esta estrela anunciava tempestades.

O brilho vivo e a cor avermelhada de Arcturus sempre atrairam os olhares e tornam esta estrela visível mesmo aos clarões da aurora, facto já notado por Homero. Aliás foi a 1a estrela a ser vista de dia com a ajuda de um telescópio, no ano de 1635, pelo astrónomo e astrólogo francês, Morin, discípulo de Galileu (naqueles tempos, as profissões de astrónomo e astrólogo reuniam-se por vezes na mesma pessoa. Morin foi uma das últimas; elaborou o horóscopo do delfim recém-nascido, futuro Luis XIV, mas no reinado deste monarca, foi fundado, em 1667, o Observatório Astronómico de Paris, sinal da mudança do espírito medieval para o moderno).

O movimento próprio de Arcturus é considerável. Em cerca de 800 anos ela percorre uma distância angular igual ao diâmetro aparente da Lua; assim, não é de estranhar ter sido esta a 1a estrela em que Halley, em 1717, detectou movimento evidente no espaço. De lembrar que, nesse tempo, a questão da imobilidade ou não das estrelas, tinha uma importância muito grande, não só sob o ponto de vista astronómico, mas também filosófico.

-- Alfa Boo, 14h 16m, +19o, Arcturus, mag=-0,04. É uma gigante laranja, cujo diâmetro é cerca de 27 vezes o do Sol, e estando a 36 anos-luz de nós.

-- Epsilon Boo, 14h 45m, +27o, Pulcherrima "a mais bela, nome dado por Struve que descobriu a sua natureza binária em 1829. De mag=2,3, com uma luneta de 8cm decompõe -se, sendo uma das componentes amarela brilhante e a outra azul marinho.

-- Chi Boo, 14h 51m, +19o, uma binária muito apropriada para pequenos telescópios, sendo as componentes de mags 4,7 e 7,0, uma amarela e a outra laranja. Como curiosidade, cite-se o vazio do Boieiro, uma zona de cerca de 300 milhões de anos-luz, desprovida de galáxias, à distância de 750 a 1050 milhões de anos-luz.

Alfredina do Campo



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