Sabemos que a vida ronda à volta da água, tal como os animais se agrupam nos charcos ao fim do dia. Deste modo podemos pensar que a Terra está à distância correcta do Sol, para que a água exista nas três fases: sólida, líquida e gasosa. Se aproximarmos a Terra do Sol, tal como Vénus está, toda a água se evaporaria. Afastando a Terra até uma distância igual à de Marte o reverso acontecia: toda a água congelaria. Nestes dois casos não teríamos condições propícias à vida. Mas importante é saber que a Terra teria uma temperatura média de C (congelaria) se fosse apenas a acção de aquecimento do Sol, associada à sua superfície muito reflectora (oceanos, gêlo e nuvens). O salto mágico até às temperaturas positivas é devido ao efeito de estufa, criado pelo vapor de água, o CO, e o CH (em menor quantidade).
Particularidade espantosa, esta de a nossa atmosfera ser rica nestes gases! Repare-se que na formação de um sistema solar a partir de uma nebulosa muito rica em gás (90%, e 10% poeira), era de esperar que os proto-planetas adquirissem atmosferas ricas nestes gases. Isso aconteceu com Júpiter e os restantes planetas gigantes, mas não com os planetas interiores. Devido à sua proximidade ao Sol tentaram capturar um gás de hidrogénio (75%) e hélio (24%) muito quente, por isso com moléculas muito velozes, o que lhes diminuiu a probabilidade de captura dos mesmos. Assim, os planetas terrestres foram apanhando preferencialmente as moléculas mais pesadas, muito menos abundantes e mais lentas, e nunca adquiriram uma massa final comparável à dos planetas gigantes.
A atmosfera que desenvolvem aparece por desgaseificação das rochas que os constituem. Contudo, a radiação ultravioleta solar parte as moléculas que são libertadas, e rapidamente os átomos separados reagem com o pouco hidrogénio que ainda resta na atmosfera, formando os radicais OH, NH, CH e as moléculas de HO, NH e CH. Exactamente a composição observada nos planetas gigantes. É então necessário esperar que o hidrogénio escape todo da atmosfera para que em vez de radicais químicos ricos em hidrogénio, comecem a aparecer em grande abundância o N e o O. A primitiva actividade biológica dentro dos oceanos vai contribuindo para o enriquecimento de oxigénio na atmosfera, e assim forma-se pouco a pouco a pequena (mas suficiente) quantidade fundamental de ozono O. Sem a absorção que faz dos ultra-violetas solares, esta radiação continuaria a foto-dissociar as moléculas mais complexas. Este enriquecimento em oxigénio contribui com relevância para o aparecimento do CO em grande quantidade, gás fundamental para o efeito de estufa. Sem ele o arrefecimento gradual do planeta após a sua condensação e formação, levaria ao congelamento da água e desaparecimento do ciclo hidrológico entre oceanos, nuvens e chuva.
A simples existência de uma atmosfera, garante que esta funcione como reservatório e veículo de transporte de energia do lado iluminado para o lado escuro, e assim permitir uma uniformidade maior de temperaturas. Por exemplo a Lua que não tem atmosfera, apresenta cerca de C no lado ao Sol e C no outro às escuras. Uma variação de C. Já a Terra apresenta apenas uma variação de graus, entre o dia e a noite. E isto contribui para a própria estabilidade química das moléculas.
O desenvolvimento e existência de grandes superfícies líquidas permitiu à Terra que a formação de CO em excesso fosse controlada, com a absorção deste por parte dos oceanos. Os oceanos funcionam como um reservatório gigantesco de CO, num ciclo que começa agora a ser estudado e compreendido. A sua dinâmica interna faz com que o CO dissolvido na água se deposite nos leitos dos oceanos, e afunde até ao magma interno para ser expelido nas falhas e vulcões das placas tectónicas. Além disso, é absorvido para a formação de carbonatos calcários, nas conchas, crustáceos e rochas calcárias. Mas essa sobre-abundância de CO ajudou também ao aparecimento e manutenção de organismos que sobrevivem pela foto-síntese: as plantas. Todos estes processos libertam o oxigénio do CO, ajudando a alimentar toda a fauna marinha e o seu enriquecimento na atmosfera. A inexistência de oceanos de água líquida em Vénus fez com que o excesso de CO e respectivo efeito de estufa, elevassem a temperatura daquele planeta para os C, aniquilando o desenvolvimento de vida, tal como a conhecemos.
Mas outro factor aparece aqui: a massa do planeta. A Lua está à mesma distância do Sol e não tem atmosfera alguma! A massa é um factor crítico pois deu à Terra a capacidade de capturar e aguentar as moléculas fundamentais na atmosfera, mesmo à temperatura a que estão. Por exemplo, Marte não consegue manter uma molécula de água na atmosfera pois a sua atracção gravítica é fraca. Mas note-se que foi o facto da Terra ter esta massa intermédia, que lhe permitiu também perder o hidrogénio livre e o hélio, e deixar a atmosfera evoluir para a que hoje temos.
A massa foi muito importante também no aparecimento de um núcleo fundido rico em ferro e níquel, no centro do planeta. A sua rotação cria um campo magnético que é o mais forte de entre os pequenos planetas. Este campo fortíssimo é outro escudo natural que temos: protege-nos dos protões e electrões altamente energéticos que nos chegam do Sol com velocidades entre os km/s. Este vento solar tem energia suficiente para partir as moléculas fundamentais para a vida, mas felizmente fica aprisionado em órbitas espirais, no campo magnético terrestre, nos famosos cinturões de Van Allen. Sem ele, as mutações introduzidas no processo evolutivo das muitas combinações genéticas seriam muito mais alteradas e o processo todo retardado, se não mesmo impossibilitado. Isso é o que sofrem os elementos químicos à superfície dos outros planetas terrestres, e também os astronautas quando passeiam pelo espaço. Mercúrio e Marte não têm campo magnético pois são pequenos demais, e Vénus tem pouco ou nada, o que é um mistério. Sabe-se hoje que Vénus é um caso especial pois dá a impressão de ter uma renovação completa de toda a sua superfície cada 150 milhões de anos. Porquê? Não se sabe. Será devido ao facto de a sua alta temperatura exterior não deixar o interior arrefecer, e por isso manter um núcleo líquido mais activo do que o nosso?
Continuemos..., se o leitor ainda não se maravilhou o suficiente até agora.
E a Lua? temos o maior satélite natural de todos os planetas, proporcionalmente ao tamanho da Terra. Estudos recentes demonstram que o equilíbrio dinâmico da rotação da Terra sujeita às interacções de outros planetas, não está garantido ab æterno. Simulações numéricas complexas sobre a inclinação do eixo de rotação de um planeta isolado, demonstram que este pode mudar a sua orientação, em escalas de tempo das centenas de milhões de anos. Todas as inclinações iniciais geram variações totalmente aleatórias, chegando mesmo a deitar o eixo na horizontal e a pô-lo na vertical outra vez. Sabe-se que Vénus tem o eixo de rotação ao revés, está quase a 180. Terá sido um exemplo desta instabilidade? Contudo, quando existe uma Lua em torno do planeta, o que lhe causa uma deformação em forma de ovo deitado (por força de maré), a sua rotação é bastante estável devido a um momento angular extra, permanecendo o eixo do planeta com a sua inclinação inicial. Algumas oscilações aleatórias podem aparecer, se a inclinação inicial era superior a 60. Ora isto garantiu que a Terra tenha mantido a sua inclinação de cerca de 23 26', e assim a existência de estações do ano, com toda a importância que isto envolve para o desenvolvimento da diversidade de formas de vida no planeta. Marte tem uma inclinação semelhante e por isso apresenta o equivalente às nossas estações do ano, mas Vénus não as tem.
Quem ainda não acredita que é a inclinação do eixo que origina o Inverno e o Verão mas que estes provêm da distância ao Sol, faça o favor de explicar porque é que no Inverno em Portugal, é Verão quentíssimo em Moçambique, e os Pólos estão geladíssimos. A distância destes três pontos ao Sol é a mesma. Mais ainda, a variação de temperatura quando a Terra vai do periélio para o afélio é de apenas de graus.
Ainda a presença da Lua tão grande em relação à Terra, implica a existência de marés muito fortes no nosso planeta, o que tem contribuído para a oxigenação dos oceanos, assim como para a diversidade de organismos adaptados às marés e à luz lunar. Os olhos das aves de rapina nocturnas teriam de ser muito maiores se as noites fossem sempre de escuridão total. Nenhum dos outros planetas terrestres possui estas particularidades todas.
Outra peculiaridade é que o Sol é uma estrela amarela e isso implica que tenha a emissão máxima no amarelo-verde, exactamente onde a clorofila das árvores funciona. Punhamos a Terra em torno de uma estrela azul (muito quente) e as radiações ultra-violetas muito energéticas tornam-se predominantes, matando todo o género de vida que se possa desenvolver. Mudemo-nos para uma estrela vermelha (fria) e o processo de foto-síntese da clorofila e oxigenação da atmosfera, estaria condenado ao fracasso, pois estas estrelas quase não emitem nesses comprimentos de onda.
Sabemos que apenas estrelas do tipo Sol devem apresentar condições, na altura da sua formação, que permitam também a formação de planetas, e isso já é um bom indício para a busca de vida extra-solar.
Desloquemos o Sistema Solar da sua posição intermédia na nossa galaáxia, a Via-Láctea, para o núcleo muito central da galáxia. Aí a densidade de estrelas no céu seria tão grande que a noite seria igual ao dia. Todos os ciclos de actividade e descanso a que as espécies se adaptaram teriam de ser reformulados, muito em particular o ser humano que usa o sono para uma actividade cerebral de "arrumar a casa". Ainda a densidade de estrelas no céu e a presença próxima de estrelas azuis, elevaria a densidade de radiação recebida na Terra para níveis incomportáveis para a vida. Também não estamos nas zonas vazias de estrelas entre os braços espirais da Via-Láctea, pois isso dar-nos-ía um céu nocturno desprovido de estrelas, mas com o plano da Via-Láctea bem demarcado no céu. A visão do céu nocturno sempre foi um factor de acalento da vida humana, e quiçá, da vida animal. Assim, beneficiamos muito com a nossa posição na galáxia. E beneficiamos mais ainda do facto da Via-Láctea não ser uma galáxia de núcleo activo, ejectando gás a altíssima velocidade, confinado em campos magnéticos muito fortes e emitindo radiações duras até aos raios X e Gama.
E se depois disto tudo algo mais sobra, deitemo-nos hoje à noite e meditemos nesta bela casa a que chamamos ...TERRA.
Rui J. Agostinho