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Astronómica (I)
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Missões Espaciais
Astronómicas
A poluição luminosa, como as outras formas de poluição, resulta da utilização inconsciente e distraída de recursos. Por isso, não só sai do nosso bolso, como o consumo da energia desperdiçada tem como consequência o aumento da poluição ambiental pelas centrais produtoras de energia. E o que é a poluição luminosa? Como a designação de poluição sugere, é quando a iluminação artificial incomoda e prejudica as pessoas, e o ambiente em geral.
A causa mais imediata, é a má concepção e alinhamento dos candeeiros e holofotes: é óbvio que a iluminação é necessária no chão e não no ar. Tracemos uma linha vertical desde o candeeiro até ao chão, e chamemos a essa linha a linha dos 0. Desta maneira, a linha correspondente à horizontal será a dos 90. Se um candeeiro deixar sair luz para cima desta linha, essa luz nunca tocará o chão. Além disso, a luz emitida entre os 70 e os 90, só atinge o solo a distâncias muito grandes e quando lá chega e tão fraca que não ilumina convenientemente. Ora, se a luz emitida para cima dos 70 não cumpre as suas funções, então pode ser completamente suprimida, que os utilizadores não darão por falta dela. Como na maior parte dos casos os candeeiros emitem cerca de 50% da sua luz nestas direcções, a solução mais eficaz está no desenho de uma cobertura da lâmpada que reflita completamente toda a luz acima dos 70 e a redireccione para o solo. Assim, e mantendo a mesma lâmpada, consegue-se duplicar a iluminação do solo. Inversamente, para manter o mesmo nível de iluminação podemos comprar uma lâmpada de metade da capacidade, e poupar a electricidade que de outra forma seria desperdiçada.
Aqueles que estão habituados a olhar para o céu, sabem que basta pôr a mão a tapar uma lâmpada para se conseguir ver muito melhor. E já notaram que ao tapar a luz, os olhos descontraem-se imediatamente e abrem a pupila ou, vice-versa, quando a luz incide directamente nos olhos, a pupila contrai-se e vemos pior nessa direcção. Lembro-me da surpresa que tive quando passando num aldeamento turístico algures no Algarve, reparei que a iluminação estava toda abaixo do joelho e se tinha uma sensação muito agradável, além de se poder ver tudo perfeitamente, incluindo o céu! Este é um exemplo de como quando há cuidado na concepção se podem obter resultados muito melhores do que simplesmente pendurar umas lâmpadas por aí. Uma comparação fácil pode ser feita com as duas fotografias do cometa Hale-Bopp, ambas tiradas com a mesma máquina e a mesma exposição (50mm f/2, 15 seg) e na mesma altura. A diferença é que uma foi tirada no interior de Lisboa (brilho amarelo no céu), e a outra no Cabo Raso (céu escuro de tom azulado). Note-se também a riqueza do céu de fundo e o contraste com o cometa. Esta situação é naturalmente muito preocupante. Por isso, todos os observatórios antigos que foram "engolidos" pelas cidades, transformaram-se em museus ou institutos de investigação. Os instrumentos foram colocados em locais mais remotos para fugir às luzes das cidades. Mas mesmo nem aí estão a salvo. Observatórios como os das Canárias, Mount Wilson ou Kitt Peak estão ameaçados pelo crescimento urbano e é necessário criar leis específicas para os proteger. Este processo já foi iniciado há vários anos nas Ilhas Canárias, e tem tido sucesso, apesar da luta constante que exige.
Outro factor muito importante é o consumo das lâmpadas usadas. Resumidamente, há no mercado lâmpadas de mercúrio, de sódio de alta pressão (SAP) e de sódio de baixa pressão (SBP). Nas estradas e aldeias é comum encontrar candeeiros com lâmpadas de mercúrio que enviam mais de metade da luz para cima dos 70. Nas cidades já se vão encontrando lâmpadas SAP. Ora quais são as diferenças entre estas lâmpadas? Ao nível do consumo, são as seguintes: para cada Watt consumido, as lâmpadas de mercúrio emitem 54 lúmens, as SAP 125 lúmens e as SBP 183 lu. Ou seja, as lâmpadas SBP emitem 3,4 vezes mais luz do que as de mercúrio, ou ainda, para uma mesma capacidade de iluminação, gastam 3,4 vezes menos. Agora pergunta-se: qual é o autarca que não preferiria gastar apenas um terço da sua factura com a iluminação pública, e dispôr dos outros dois terços para outras iniciativas?
E o último factor: tanto as lâmpadas de mercúrio como as SAP emitem em largas zonas do espectro, estragando muita da informação que nos chega dos objectos astronómicos, e não deixam as plantas e animais repousar à noite. Mas as lâmpadas SBP apenas emitem numa zona muito restrita do espectro, ocupando pouco mais que uma risca. Torna-se assim muito fácil eliminar o seu efeito, bastando para isso utilizar um filtro que apenas absorva essa luz. Deste modo, toda a informação contida no resto do espectro continua disponível, e a investigação astronómica pode prosseguir. Melhor ainda, qualquer organismo vivo que seja quase insensível a este comprimento de onda terá de facto uma noite escura! Junta-se assim o útil ao agradável, ou melhor, a economia ao agradável. Como vimos, a má iluminação não afecta apenas os observatórios, afecta-nos a todos.
Para além dos maiores custos e dos problemas de segurança, há ainda uma outra consequência que não pode ser contabilizada. Devido à iluminação desregrada, as crianças e jovens dos nossos dias que crescem nas cidades estão impedidas de conhecerem o céu nocturno. Suspeito até que muitas nem saberão o que são estrelas ou não relacionarão as histórias de foguetões, satélites e conquista espacial com as estrelas, a Via Láctea, e o resto do Universo. As consequências culturais deste afastamento não podem ser medidas, mas serão certamente visíveis dentro de alguns anos.
Ricardo Barbosa e RJA