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(Palestra do Mês)

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Vénus, Terra e a conferência de Kyoto

Embora existam semelhanças entre Vénus, Terra e Marte, apenas na Terra a vida se desenvolveu. Os presumíveis vestígios de vida em Marte encontrados no meteorito (ALH84001) na Antartida são muito controversos. Que há de diferente nas características do planeta Terra comparado com Vénus e Marte, para que a vida tenha aparecido e desenvolvido? A resposta encontra-se em grande parte nas condições iniciais e na evolução das atmosferas dos três planetas. Comparemos Vénus e a Terra. A atmosfera de Vénus é composta essencialmente por CO2 -em volume 96 % - enquanto que a da Terra é composta por 78 % de N2 e 21 % de O2. Na Terra a concentração do CO2 atmosférico é apenas de 0.038 %. Porém, inicialmente as atmosferas dos dois planetas tinham composiçõessemelhantes. Ambas resultaram da libertação de grandes quantidades de gases do interior dos planetas através de intenso vulcanismo. Os componentes maioritários dessas atmosferas primitivas eram CO2 e H2O. Em Vénus o CO2 e H2O ao acumularem-se na atmosfera aumentaram a sua temperatura por serem gases de efeito de estufa, i.e. com a capacidade de absorver a radiação infravermelha emitida pela superfície do planeta, que é aquecida pela radiação solar. A aumentação da temperatura facilitou o escape de mais gases das rochas, criando uma situação instável chamada efeito de estufa em fuga. A temperatura da superfície de Vénus é 740 K ! Entretanto, a H2O foi dissociado pela radiação ultravioleta solar, o hidrogénio escapou-se e o oxigénio combinou-se quimicamente com as rochas da superfície. Esta é a explicação sucinta para a actual composiçãoda atmosfera de Vénus. Consideremos agora o caso da Terra. A temperatura era ligeiramente menor devido ao maior afastamento do Sol. Isso permitiu que a água libertada do interior do planeta, pelo vulcanismo, passasse ao estado líquido e formasse os oceanos, impedindo assim um efeito de estufa em fuga. Porque razão a concentração de CO2 é tão baixa actualmente? Foi a vida por meio da fotosíntese, que ao longo da história da Terra, removeu o carbono do CO2 atmosférico, libertando o oxigénio que passou a constituir um dos componentes maioritários da actual atmosfera. O carbono foi incorporado nos organismos vivos. Nestes acabou em grande parte por ficar armazenado nos combustíveis fósseis; carvão, petróleo e gás natural. Nos organismos marinhos o carbono formou carbonatos que constituiram os sedimentos depositados no fundo dos oceanos. Parte do carbono retido naquelas rochas libertou-se sob a forma de CO2 por meio de vulcanismo ou de meteorização das rochas expostas à atmosfera. O resultado deste ciclo geoquímico é a pequena quantidade de CO2 na atmosfera. A maior parte do carbono encontra-se no CO2 dissolvido nos oceanos, nos combustíveis fósseis, no kerogene e sobretudo nos carbonatos que constituem as rochas sedimentares. Desde a revolução industrial a humanidade tem estado a alterar progressivamente o equilíbrio que mantém o ciclo geoquímico do CO2. A crescente utilização dos combustíveis fósseis e o progressivo desflorestamento nas regiões equatoriais têm provocado a libertação de grandes quantidades de CO2. Apesar de parte do CO2 se dissolver nos oceanos, a concentração na atmosfera aumentou desde o valor pré-industrial de 0.028 % até ao valor actual de 0.038 %. Um aumento de mais de 30 % em apenas dois séculos! Estamos a inverter a transformação realizada pela vida, devolvendo à atmosfera e aos oceanos o carbono de origem orgânica armazenado nos combustíveis fósseis durante centenas de milhões de anos. É evidente que a continuação deste processo irá aumentar o efeito de estufa na atmosfera terrestre, aquecendo-a e provocando mudanças climáticas. A grandeza das mudanças dependerá da evolução do consumo dos combustíveis fósseis. O CO2 não é o único gás de efeito de estufa cuja concentração está a aumentar. O metano, CH4, e o óxido nitroso, N2O, também o sãoe as suas concentrações aumentaram de 100 % e 15 %, respectivamente, desde o começo da revolução industrial. Contudo o CO2 é o mais importante porque contribui em cerca de 60 % para o aumento da capacidade de absorção da radiação infravermelha. Começam-se a observar mudanças climáticas que parecem ser provocadas pelo aumento da concentração dos gases de efeito de estufa na atmosfera. Nos últimos 100 anos a temperatura média da atmosfera à superfície aumentou de 0.5 ± 0.2oC. As calotes de gelo nas montanhas e os glaciares estão a fundir. A quantidade de vapor de água no ar aumentou em média 10 % nos últimos 20 anos. Estamos pois numa encruzilhada: ou limitamos as emissões de gases de efeito de estufa travando as mudanças climáticas ou assistimos e adaptamo-nos a estas mudanças. É aqui que intervem a Conferência de Kyoto realizada em Dezembro de 1997, na sequência da aprovação da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas na Conferência do Rio de Janeiro em 1992. É difícil reduzir as emissões de CO2 pois elas estão directamente relacionadas com o actual desenvolvimento económico baseado no consumo intensivo de combustíveis fósseis. Na Conferência de Kyoto apenas foi possível chegar a acordo para reduzir as emissões de CO2 até 2012 de 5.2 % em média, relativamente as emissões de 1990. No Protocolo de Kyoto intervêm apenas a União Europeia, Canadá, E.U.A. e Japão. O objectivo de 5.2 % é muito modesto e não resolverá o problema das mudanças climáticas. Por outro lado é ainda necessário que o Protocolo de Kyoto seja rectificado pelos orgãos legislativos dos países envolvidos. Apesar de todas estas limitações é um acordo histórico pois constitui o início de uma longa caminhada no sentido de controlar o aumento do efeito de estufa na atmosfera. O estudo comparativo da história das atmosferas de Vénus e da Terra mostra bem a ligação estreita e profunda entre a atmosfera e a vida

Prof. Dr. Filipe Duarte Santos



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