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Missões Espaciais Astronómicas

O Resto do Universo (cont.) Na sequência do artigo anterior, vamos neste número descrever alguns dos resultados já obtidos a partir das observações do satélite Hipparcos, tentando assim dar uma ideia da importância desta missão para a astronomia.

Um dos aspectos mais importantes das observações do Hipparcos foi a melhor calibração dos métodos usados para a determinação de distâncias no Universo. Estes métodos, muitas vezes empíricos ou com bases físicas não suficientemente compreendidas, necessitam de ser calibrados recorrendo a estrelas de distância conhecida. Ora, o método mais seguro para a obtenção de distâncias em astronomia é a paralaxe trigonométrica, que requer medições muito precisas da posição das estrelas. Mesmo com o Hipparcos, cuja precisão nestas medições foi 100 vezes superior ao conseguido anteriormente, distâncias com um elevado grau de confiança vão apenas até à centena de parsecs (o diâmetro da Galáxia ultrapassa os 30000 pc). Mas a melhoria já foi suficiente para alterar a escala do Universo. Por exemplo, um dos indicadores de distâncias mais usados em astronomia baseia-se na relação entre o período e a luminosidade (relação P-L) de uma classe de estrelas variáveis, as Cefeides. Por serem muito brilhantes, atingindo mais de 10000 vezes a luminosidade solar, é possível observá-las a grandes distâncias (20 milhões de parsecs, com o telescócio espacial Hubble) e daí a sua importância para o conhecimento da escala do Universo (o conhecimento do brilho intrínseco, aqui pela relação P-L, e do brilho aparente de um objecto, por medição, é suficiente para conhecer a sua distância). Porém, a relação P-L para as Cefeides apresentava grandes incertezas. Com os dados do Hipparcos foi possível pela primeira vez calibrar esta relação através da paralaxe trigonométrica. Os resultados mostraram que as distâncias anteriormente estimadas através das Cefeides estavam subestimadas em cerca de 10%. Consequentemente, o Universo é maior e, segundo os modelos, mais velho do que era suposto, o que ajuda a resolver uma incompatibilidade descoberta recentemente entre a idade das estrelas mais velhas da Galáxia e a idade do próprio Universo.

Os dados do Hipparcos serviram também para obter um melhor conhecimento da estrutura e dinâmica da Galáxia. Em particular, foi possível medir os movimentos próprios de um grande número de estrelas, a partir da medição das suas posições ao longo dos quase 4 anos da missão. Era já conhecido que o disco da Via-Láctea não é plano mas sim deformado, sendo uma extremidade do disco inclinada para baixo e a extremidade contrária para cima. O resultado novo é que as estrelas não se estão a deslocar como aconteceria se esta deformação fosse estável, mas de uma forma que sugere uma alteração muito rápida nos detalhes estruturais da Galáxia. Não existem ainda explicações satisfatórias para esta deformação e para o movimento contraditório das estrelas mas talvez a causa seja a influência gravitacional da matéria escura no halo da Galáxia ou de galáxias anãs muito próximas descobertas recentemente.

Também a partir do movimento das estrelas, os astrónomos conseguem identificar aquelas com menor movimento próprio, as que se estão a mover na nossa linha de visão afastando-se ou aproximando-se do Sol. É assim possível identificar as estrelas que passaram muito próximo do Sistema Solar no passado. Segundo algumas teorias, os cometas que caíram na Terra após as perturbações criadas por estas passagens estão na origem das grandes extinções ocorridas no nosso planeta (a dos dinossáurios, há 65 milhões de anos, nem sequer foi a maior delas). Os dados do Hipparcos oferecem agora uma possibilidade única de testar esta teoria.

Espaço ainda para uma curiosidade. Para atingir a precisão exigida dos dados do Hipparcos foi necessário processar as observações tendo em conta a teoria da relatividade geral de Einstein, especificamente o desvio gravitacional da luz das estrelas pelo Sol. É que se da superfície terrestre, devido à menor precisão das observações, o efeito é apenas notado até uma distância de alguns diâmetros solares, para o Hipparcos, graças à precisão das suas medições, o efeito é importante até em ângulos rectos com o Sol.

Finalmente, refira-se que várias missões astronómicas estão já a fazer uso dos dados do Hipparcos para realizar observações mais precisas (o telescópio espacial de infravermelho ISO, que terminou a sua missão no passado dia 10 de Abril, é um exemplo) e muitas das missões futuras também recorrerão a estes dados. As estrelas do Hipparcos guiarão ainda missões como a Cassini/Huygens para Saturno e Titan, e a missão Rosetta, que irá estudar o cometa Wirtanen em 2003.

JMA



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