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Enxames Globulares: um relógio do Universo

Os enxames globulares sãoaglomerados de vários milhares de estrelas. A sua estrutura tem a forma aproximadamente esférica, com um diâmetro típico de 50 parcecs e as zonas centrais estãoclaramente mais populadas de estrelas do que a periferia. Estes objectos ocupam preferencialmente as zonas exteriores da galáxia, o halo galáctico. Os enxames globulares têm uma particularidade que os torna um dos mais cobiçados objectos de estudo da actualidade: cada enxame, por si, representa uma populaçãoestelar específica constituída por estrelas que nasceram ao mesmo tempo, no mesmo lugar e a partir da mesma nuvem primordial. Este facto conduz a uma conclusãode extremo interesse: todas as estrelas de um mesmo enxame têm a mesma idade e praticamente a mesma composiçãoquímica (as razõesde aqui se ter colocado a palavra "praticamente" serãoabordadas mais à frente). Assim, a principal diferença entra as estrelas de um mesmo enxame está no facto de existirem estrelas em estados evolutivos muito diferentes, o que leva a concluir que as estrelas dentro de um mesmo enxame nãotêm todas a mesma massa. Sãomuitas e variadas as motivaçõesque têm levado ao estudo dos enxames globulares. Neste texto vamo-nos concentrar em particular no que diz respeito ao uso destes objectos como indicadores de idade das estrelas e do Universo em geral. Com a excepçãodo Sol, onde a "datação" é feita a partir da análise dos meteoritos mais antigos, a idade de uma estrela é uma grandeza nãoacessível à observaçãodirecta. No entanto, e tal como já foi dito, nos enxames globulares podem ser observadas estrelas em fases de evoluçãomuito diferentes. Em particular, algumas destas fases sãoexcelentes indicadores da idade do enxame. Sãoos casos das fases evolutivas correspondentes ao "turn-off" (fase intermédia entre a combustãodo hidrogénio e do hélio) e ao "horizontal-branch" (fase avançada da vida da estrela, onde estrelas de diferente temperatura de superfície apresentam praticamente a mesma luminosidade). Assim, e com o auxílio de modelos teóricos de evoluçãoestelar, é possível determinar a idade das estrelas que ocupam as fases de evoluçãoem cima descritas, e portanto determinar a idade do enxame. Os resultados mais recentes indicam que os enxames globulares mais "novos" terãoaproximadamente 9 mil milhõesde anos e os mais antigos 13 mil milhõesde anos. Comparativamente, a idade do Sol é de 4,5 mil milhões de anos. Uma das consequências directas da determinaçãoda idade dos enxames globulares diz respeito à idade do Universo. De facto, os enxames globulares mais antigos apresentam idades cujos valores sãodos mais elevados entre as determinaçõesde idade de objectos celestes que se fizeram até à data. Assim, a idade destes enxames representa um limite inferior para a idade do Universo. Eis um resultado cujo alcance vai muito para além da simples (?) determinaçãoda idade do enxame. Existe ainda um outro aspecto de muito interesse relacionado com o estudo dos enxames globulares e que diz respeito à determinaçãoda idade. É mais ou menos consensual que as estrelas que apresentam valores baixos de metalicidade (abundância de elementos químicos outros que hidrogénio e hélio) serãoestrelas antigas e vice-versa. Este facto é traduzido na relaçãometalicidade-idade. Esta poder-se-á compreender à luz das teorias que apontam no sentido de que os elementos químicos que constituem a metalicidade estelar nãoteriam sido formados no Big-Bang, mas só mais tarde no seio das estrelas, em especial as de grande massa. Sabendo que a metalicidade de uma dada estrela, e ao contrário da idade, é uma grandeza normalmente acessível pela observaçãoda radiaçãoestelar, o correcto conhecimento de uma relaçãometalicidade-idade seria de grande utilidade, uma vez que a idade ficaria automaticamente determinada pelo simples conhecimento da metalicidade. Assim, a esta argumentaçãode carácter teórico impõem-se uma confirmaçãopela observação. Os enxames globulares encontram-se em posiçãoparticularmente privilegiada para tal teste à teoria, uma vez que sãoconhecidos enxames de metalicidades muito diferentes: desde valores que vãode 500 vezes menos a metalicidade observada no Sol, até metade do valor solar. Assim, associando para cada enxame a metalicidade observada com a correspondente idade é possível construir a referida relaçãometalicidade-idade. No entanto os mais recentes resultados apontam no sentido de afirmar que esta relaçãodeve ser um pouco mais complicada do que a teoria poderia fazer prever. Das razõesque têm sido apontadas para este facto, salientamos uma das mais interessantes e que está demonstrada observacionalmente: foram observadas estrelas dentro de um mesmo enxame, com significativas diferenç as de metalicidade. A explicaçãodeste facto é um dos muitos desafios que se colocam aos especialistas nesta área. Além disso, convém referir que existem algumas limitaçõesem se utilizar unicamente os enxames globulares como "relógio": em primeiro lugar estes sãoclaramente objectos mais antigos do que o Sol. Para atingir objectos mais novos terãoque ser utilizados outros métodos, em particular o que se refere ao estudo dos enxames abertos, aglomerados de estrelas jovens; em segundo lugar para enxames globulares a determinaçãocorrecta da distância torna-se muito dificil, o que afecta directamente a determinaçãoda idade. Muito esforço do ponto de vista das observaçõeshá ainda a fazer no campo da determinaçãode distância.

No entanto e em forma de conclusãopoderemos reafirmar a enorme utilidade do estudo dos enxames globulares para servirem de memória do Universo, em particular no que diz respeito aos primeiros 4 ou 5 milhares de milhõesde anos depois do Big-Bang.

Doutor João Fernandes FCUL

Observatório Astronómico da Univ. de Coimbra



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