Durante milhares de anos a Astronomia, uma ciência que existe desde que o homem primeiro olhou para o céu e se questionou sobre o Cosmos, limitou-se a estudar o Universo usando a radiação visível. Porém, nas últimas décadas assistimos a uma expansão quase explosiva da Astronomia a novas "janelas" de observação, a novas regiões do espectro electromagnético, graças a uma autêntica revolução tecnológica não poucas vezes motivada pela própria vontade de conhecer o Universo. Neste número, vamos falar de uma "janela" bastante recente para a Astronomia, a região do espectro electromagnético situada entre os ultravioleta e os raios-X: o ultravioleta longínquo (UVL). As observações astronómicas nos UVL são um daqueles muitos casos, como o automóvel ou o avião, de impossibilidades que deixaram de o ser. Até à década de 50, quando o conhecimento sobre o meio interestelar era ainda escasso, acreditou-se que o espaço entre as estrelas era ocupado por um gás relativamente denso (1 átomo por cm) e frio formado essencialmente por hidrogénio atómico. O conhecimento de física atómica na época era já suficiente para indicar que um tal gás constitui uma barreira praticamente impenetrável para fotões com comprimentos de onda menores que 912 Å, numa região que inclui o UVL e que se estende praticamente até aos raios-X. Estes fotões são absorvidos pelo hidrogénio atómico, originando as transições Lyman deste elemento. Seria, portanto, completamente impossível a observação astronómica nestes comprimentos de onda, mesmo até à estrela mais próxima. Contudo, nas décadas de 50 e 60 uma imagem muito diferente do meio interestelar começou a ser revelada. Observações rádio reveladoras da distribuição do hidrogénio atómico na Galáxia, começaram a indicar que as regiões densas e frias do meio interestelar, tão opacas para o UVL, estão concentradas apenas em certas zonas, em nuvens interestelares, e que o resto do espaço entre as estrelas é ocupado por um gás muito mais quente (mais de um milhão de graus) e menos denso, onde uma grande parte do hidrogénio está ionizado (não absorvendo portanto os UVL). Tal indicava que o meio interestelar seria, pelo menos segundo certas direcções, transparente para o UVL. Na década de 70, alguns telescópios concebidos para observações nesta região do espectro foram testados, a bordo de missões como as Apollo-Soyuz (a atmosfera da Terra, essa sim, é opaca para esta radiação). Antes de 1990, apenas cerca de 20 objectos emissores de UVL eram conhecidos, mas a irregularidade do meio interestelar e, com ela, a possibilidade da Astronomia usar estes comprimentos de onda, tinha sido estabelecida. O ROSAT, como referimos no número anterior, estava equipado para efectuar observações numa pequena parte do UVL, mas só em Junho de 1992 foi lançado o primeiro telescópio concebido especificamente para observações nesta região do espectro: o EUVE (Extreme Ultraviolet Explorer). As observações nos UVL revelam fontes extremamente quentes - tipicamente 100000 graus. Exemplos de fontes detectadas pelo EUVE são estrelas com "atmosferas" muito densas e quentes (o análogo da coroa solar), remanescentes de supernova e anãs brancas, o núcleo de uma gigante vermelha posto a descoberto após as camadas exteriores da estrela terem sido ejectadas, no fim da sua vida (o Sol terminará assim os seus dias). Apesar das anãs brancas já não produzirem energia, herdaram uma temperatura altíssima da sua progenitora e, mesmo após arrefecerem durante milhares de anos, as anãs brancas são ainda suficientemente quentes para emitirem abundantemente no UVL. Curiosamente, o meio interestelar revelou ser tão irregular que em muitas regiões do céu, onde a nossa linha de visão não atravessa massas densas de gás na Galáxia, é possível observar a emissão de UVL a partir dos centros de galáxias activas, onde se crê que enormes quantidades de gás se encontram em queda para um buraco negro massivo. De facto, o meio interestelar possui uma estrutura muito intrigante. As observações permitiram determinar que o gás que ocupa o espaço entre as estrelas está estruturado em "bolhas", e dentro destas bolhas as nuvens de material denso e frio opaco aos UVL são muito raras. O Sol encontra-se no interior de uma destas bolhas, com cerca de 100 parsecs de diâmetro. Uma possível explicação para a formação destas estruturas está nas explosões de supernovas, que "dissipariam" o meio envolvente. Existe já uma candidata para a origem da bolha local, a cerca de 60 parsecs, e que terá sucedido há uns 300000 anos. Novas pesquisas ditarão o futuro desta interessante teoria...
JMA