Em 1783 John Mitchel publica um artigo onde, baseado na teoria Newtoniana, propõe a possibilidade do campo gravitacional de um corpo ser tão intenso que a própria luz seria aprisionada. A sua publicação só foi descoberta em 1970. Até então pensava-se que a primeira menção acerca de tão exótico objecto surgira num trabalho de Pierre Simon Laplace de 1796, que propunha a mesma ideia também baseado na Teoria Newtoniana. Curiosamente, na segunda edição do seu livro, Laplace retirou a nota onde propunha a existência de tais objectos. No âmbito da TRG, a ideia surge pela primeira vez quando em 1916 Karl Schwarzschild encontra a primeira solução exacta das equações de Einstein. Essa solução descreve a região de vácuo externa a um objecto esfericamente simétrico. Estudando a sua solução, verifica-se que um objecto que possui um raio r = 2GM/c (M = massa do objecto), comporta-se como uma prisão de raios luminosos, um Buraco Negro. Este raio é conhecido como raio de Schwarzschild ou Horizonte de Eventos.
Este detalhe foi considerado por Einstein e pelo próprio Schwarzschild, como sendo uma aberração matemática. Schwarzschild morreu menos de um ano depois da publicação do seu trabalho; não sobreviveu para saber a importância que a sua solução teria para a consolidação da TRG. A obra sobreviveu largamente ao autor. Bem, mas é assim que a ciência caminha, com a audácia e coragem de poucos, a intuição de alguns e o suor e afinco de muitos. O nome Buraco Negro só surge em 1967, inventado por John Wheeler. Também é de sua autoria um teorema que diz que, ao contrário dos seres humanos que podem ser distinguidos por exemplo pela cor do seu cabelo, dois BN nao têm qualquer característica que os distinga um do outro. Eles são na verdade um dos objectos mais simples de todo o Universo, pois podem ser completamente caracterizados pela sua carga, massa e momento angular. O enunciado do seu teorema diz: "Os Buracos Negros não têm cabelos".
Os Buracos Negros têm como principal característica serem uma região do espaço-tempo de onde nada, nem mesmo a luz pode escapar. Não sendo emissores de energia luminosa a sua presença só pode ser detectada a partir da interacção do campo gravitacional intenso por eles criado e o meio circundante.
Os BN existem em dois grandes grupos, os estelares e os galácticos. Neste artigo falo das observações dos BN estelares. Estes objectos encontram-se em geral em sistemas binários em que uma das componentes é um objecto compacto e a outra uma estrela de tipo espectral conhecido.
A figura mostra um sistema binário composto por um BN e uma estrela de tipo conhecidoCom o lançamento em 1970 do satélite Uhuru, uma nova e importante era iniciou-se. Este satélite tinha por objectivo detectar fontes de Raios-X (RX). E assim, foi descoberto o primeiro candidato a BN Estelar, Cisne X-1. Trata-se de um sistema binário em que um objecto compacto "arranca" gás de uma estrela, a companheira visível. Surge então um disco de acreção em torno do objecto compacto, formando um remoinho. Esse gás move-se com uma grande velocidade. Perto do BN ele é tão quente que vai emitir RX.
Por enquanto, estes objectos só são detectados quando entram numa fase transiente, ou seja numa fase em que, por razões ainda não completamente compreendidas, são fortes emissores de RX.
Existem vários factores que nos dão indicações de que um determinado objecto é um candidato a BN. Entre esses, o mais importante é a massa. Se o valor for superior a 3 vezes a massa do Sol, então trata-se claramente de um candidato a BN.
O problema é que nem sempre é possível determiná-la. Para uma boa determinação da massa das componentes do sistema é necessário, entre outras informações, sabermos o período orbital, a velocidade radial orbital e a inclinação. Neste momento só conhecemos a massa de cerca de uma dezena de candidatos a BN estelares, o que torna difícil um tratamento estatístico adequado dos resultados. Porquê o termo "candidato"? Bem, o que acontece é que a comunidade científica ainda não acredita que as provas existentes sejam suficientes para podermos afirmar com certeza que tais objectos compactos são realmente BN. Uma prova importante seria a comprovação da existência de um horizonte de eventos. Em 1997 Ramesh Narayan e seus colaboradores afirmaram ter encontrado fortes indícios observacionais de que tal facto tinha ocorrido. O modelo por eles utilizado é um modelo chamado ADAF (Fluxo de Acreção Dominado por Advecção), que permite explicar o complicado espectro de tais objectos e permite ainda distinguir entre BN e Estrelas de Neutrões. Neste modelo, a energia libertada pelo material em queda, a partir de um determinado raio, deixa de ser irradiada. Assim muito pouca radiação emerge do fluxo em queda antes de ele colidir com a superfície de uma Estrela de Neutrões ou ser "engolida" pelo horizonte de um BN e é justamente aí que surge a diferença fundamental. A consequência observável deste modelo é que uma estrela de neutrões terá uma luminosidade muito maior. Contudo sendo uma afirmação baseada em dados experimentais a quantidade de informação existente ainda não está isenta de dúvidas. É necessário que haja ainda mais observações. É necessário que haja mais candidatos para que os erros estatísticos das medições sejam diminuidos. A procura de tais candidatos, utilizando novas técnicas, é um trabalho que está sendo levado a cabo por mim com a colaboração alguns membros do Grupo de Astronomia e Astrofísica de Lisboa. Esperamos até meados do próximo ano ter encontrado pelo menos uma dúzia de novos candidatos.
O perfeito conhecimento da verdadeira essência de tão exóticos objectos ainda está longe de ser alcançado, mas o caminha percorrido já é longo. O fascínio existente é o combustível mais do que suficiente para que centenas de astrónomos passem anos a fio a procura de um objecto que não se vê!
Alguém viu um BN por aí???Dra. Rosa Doran
Observatório Astronómico de Lisboa