Robert H. Goddard
Às 4:43 da madrugada de 15 de Outubro de 1997 um imenso clarão iluminou o céu e a terra em Cabo Canaveral. Elevando-se com o gigantesco foguete Titan IV, entre uma nuvem de fumo e um ruído ensurdecedor, iam os olhares e as esperanças dos milhares de pessoas que assistiam ao lançamento da mais complexa missão espacial planetária de sempre: Cassini-Huygens.
A missão tem como destino final o sistema de Saturno, onde deverá chegar em Julho de 2004, com o duplo objectivo de fazer um estudo aprofundado daquele planeta e do sistema de satélites e anéis, e de desvendar alguns dos segredos que Titã, o maior satélite, encerra sob a sua espessa atmosfera.
Hoje, passado mais de um ano desde o lançamento, a nave, que tem o tamanho de um pequeno autocarro e 6 toneladas de peso, viaja pelo espaço interplanetário a 67000 km/h, a caminho de um encontro com a Terra que aumentará a sua velocidade usando como auxiliar a força da gravidade do nosso planeta. As manobras assistidas pela gravidade poupam o equivalente a 68 toneladas de combustível. Até agora os relatórios periódicos da sala de controle da missão dão todos os sistemas como operacionais.
O nome da missão é uma homenagem a dois astrónomos do século XVII: o franco-italiano Jean-Dominique de Cassini, que descobriu quatro satélites de Saturno, e o holandês Christiaan Huygens, que descobriu Titã. Huygens é o nome da sonda de entrada que será lançada sobre Titã. Cassini, é o módulo orbital que, com os seus 16 instrumentos, fará variadas observações de Saturno e transmitirá todos os resultados para a Terra.
A comunicação é feita através da grande antena de 4 metros de diâmetro, que cumpre também a curiosa função de proteger com a sua sombra os sensíveis detectores a bordo, que ficariam inutilizados caso o potente fluxo solar incidisse neles directamente durante a fase inicial da viagem para Saturno. Na Terra, a antena por onde passam todas as comunicações tem a impressionante dimensão de 70 metros de diâmetro.
Como Saturno fica aproximadamente a 1400 milhões de quilómetros da Terra, são precisas não só grandes antenas para permitir a comunicação eficaz com os sistemas automáticos da nave, mas também uma fonte de energia autónoma que garanta os 650 watts necessários para operar todos os sistemas. Isto parece pouco, pois é menos de quanto gasta uma torradeira. Contudo, àquela distância o fluxo solar é muito fraco, por isso não é possível utilizar energia solar pois seriam precisos painéis solares tão grandes como dois cortes de ténis! Optou-se então por fontes radioactivas. É por isso que a bordo de Cassini vão 33 kg de plutónio, que durante os 12 anos de duração da missão fornecerão continuamente a energia eléctrica indispensável. Esta carga provocou a maior contestação de sempre a uma missão espacial, porque alguns grupos de pessoas pouco informadas espalharam o medo de que, se algo corresse mal durante o lançamento ou mesmo à passagem pela Terra durante a manobra assistida por gravidade que ocorrerá em Agosto próximo, aquele material radioactivo poderia cair no nosso planeta ou espalhar-se na atmosfera na ocorrência de uma eventual explosão. Na realidade, o plutónio está no estado sólido, distribuído por placas de cerâmica que podem facilmente ser encontradas e removidas em caso de acidente, e em caso algum passará ao estado gasoso. Para maior segurança, está encerrado dentro de contentores herméticos à prova de queda e explosão.
Mas quais são os benefícios de uma missão espacial como esta? Em primeiro lugar, o progresso científico. Tudo o que não sabemos e ficaremos a saber, e todas as novas questões que serão levantadas e nos levarão a descobrir cada vez mais. Em segundo lugar, o progresso tecnológico que advém da concretização da missão. A complexidade dos problemas a resolver obriga os cientistas e engenheiros a melhorar muitos aspectos técnicos ou a inventar soluções técnicas completamente novas. Estas tecnologias têm variadas aplicações na Terra, em áreas como a saúde ou a indústria informática, e a prazo podem ter um impacto positivo nas vidas de milhões de pessoas. Um terceiro benefício é a cooperação internacional. Cassini-Huygens é o resultado do esforço concertado dos EUA, que construíram o módulo orbital, e dos países da ESA, a Agência Espacial Europeia, que construíram a sonda de Titã. Em conjunto, as pessoas e as indústrias destes países geraram um resultado superior ao que qualquer deles poderia obter isoladamente.
Nos próximos artigos procurarei explicar porque Titã é tão interessante, o que sabemos dele e o que poderemos descobrir com a missão Cassini-Huygens.
Se tiver acesso à rede, pode consultar na internet o local da missão Cassini-Huygens em www.jpl.nasa.gov/cassini (em inglês).
Dr. David Luz
Observatório Astronómico de Lisboa, FCUL