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O Enigma da Matéria Escura

Nos últimos 25 anos tem-se assistido ao nascimento de um novo paradigma em Astronomia, segundo o qual pelo menos 90 por cento do Universo é constituído por um tipo de matéria, denominada matéria escura, ácerca da qual ainda pouco sabemos. Tal como o nome indica, a característica principal desta forma de matéria é o não emitir radiação em qualquer parte do espectro electromagnético.

A possibilidade de existir matéria escura foi pela primeira vez tida em consideração há cerca de 60 anos, quando Fritz Zwicky através da distribuição das velocidades das galáxias em vários enxames chegou à conclusão de que nestes conjuntos de galáxias tinha que estar presente mais massa do que seria de esperar tendo em conta apenas a matéria associada às estrelas existentes nas galáxias. No entanto, esta observação permaneceu ignorada durante quase 40 anos. Só no ínicio dos anos 70 é que se descobriu que a matéria escura não só se encontra em longínquas aglomerações de galáxias, mas também marca presença no interior da nossa galáxia. As velocidades das estrelas na Galáxia reflectem a quantidade de massa nela existente - quanto maior forem mais massa terá de estar presente. Quando os cálculos são efectuados chega-se à conclusão que a massa total da Galáxia é cerca de 10 vezes superior à massa do material que nela conseguimos observar nas diferentes regiões do espectro electromagnético, desde o rádio até aos raios X. Esta matéria escura parece preencher toda a Galáxia, formando como que um halo aproximadamente esférico no centro do qual ela se encontra. Através da determinação das velocidades das estrelas em outras galáxias chega-se invariavelmente ao mesmo resultado - cerca de 90 por cento da sua massa, por vezes até mais, encontra-se sob a forma de matéria escura. Por intermédio das velocidades das galáxias na nossa região do Universo chegou-se à conclusão que mesmo o aparentemente espaço vazio entre as galáxias é preenchido por matéria escura, podendo esta eventualmente representar mais de 99 por cento da massa existente no Universo.

Mas afinal o que pode ser esta matéria ? Existem duas possibilidades: matéria normal, ou seja protões, neutrões e electrões, mas que faz parte de objectos que emitem pouca ou nenhuma radiação, tal como estrelas muito pouco luminosas ou buracos negros; partículas elementares ainda desconhecidas da Física que não interagem com a luz - não a absorbem, emitem ou reflectem. Ambas estas hipóteses são testáveis. Se a primeira possibilidade for correcta, então esses objectos escuros deverão ser detectáveis através do chamado efeito de lente gravitacional. Este efeito, previsto na Teoria da Relatividade Geral de Einstein, resulta no aumento do brilho de uma estrela quando um qualquer objecto se interpõe entre o observador e essa estrela - a massa gravitacional do objecto actua como lente, focando os raios luminosos provenientes da estrela. A probabilidade do efeito de lente gravitacional ocorrer para uma qualquer estrela na Galáxia é muito reduzida. Por esta razão, as várias experiências hoje em funcionamento, iniciadas há pouco mais de 5 anos, seguem continuamente o brilho de milhões de estrelas. Neste momento o efeito de lente já foi detectado cerca de duas dezenas de vezes. A conclusão preliminar é de que cerca de metade da matéria escura na Galáxia poderá ser constituída ou por estrelas muito antigas de fraca luminosidade, denominadas anãs brancas, ou por objectos resultantes da explosão de estrelas massivas (supernovas), isto é, estrelas de neutrões ou buracos negros.

No caso da possibilidade da matéria escura ser constituída por partículas elementares ainda desconhecidas da Física, até agora todas as experiências construídas para as detectar têm dado resultados negativos ou de pouca confiança. A maior parte destas experiências baseiam-se no pressuposto de que se estas partículas existem, então ao atravessarem estruturas cristalinas vão-nas perturbar, levando à emissão de radiação. Através de detectores acoplados a cristais seria assim possível detectar as partículas de matéria escura. Em geral, estas experiências estão localizadas no fundo de minas abandonadas de modo a reduzir ao mínimo a possibilidade dos cristais serem perturbados por partículas normais resultantes da radioactividade natural no ambiente ou da interacção dos raios cósmicos com a atmosfera. No entanto, apesar de nenhuma partícula exótica constituinte da matéria escura ter sido ainda detectada, a sua existência é muito provável, pois uma combinação de resultados teóricos e observacionais permitem-nos afirmar que, quase de certeza, a quantidade de matéria normal formada pouco depois do início do Universo terá sido bastante inferior à quantidade de matéria escura que sabemos existir. A existência de partículas potenciais candidatas a formarem a maior parte da matéria escura é prevista por várias teorias. Aquela que parece reunir o favoritismo da maioria dos investigadores tem o nome de Supersimetria. Segundo esta teoria, cada uma das partículas habituais possui uma partícula associada, de certo modo complementar. Apenas a que tem menor massa de entre estas partículas complementares é estável, o que quer dizer que todas as outras eventualmente se transformarão nela com o decorrer do tempo. Esta partícula complementar de menor massa é assim o mais sério candidato a constituir a maior parte da matéria escura existente no Universo.

O enigma da matéria escura tem permanecido como um dos mais importantes problemas na Astronomia no último quarto de século. Nunca estivemos tão perto de o resolver. Novas experiências e instrumentação permitem-nos ter esperança de que tal aconteça nos próximos anos.

Doutor Pedro Viana Centro de Astrofísica da Universidade do Porto



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