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O Elo Perdido entre Novas e Supernovas (II)

Durante bastante tempo a origem exacta dos objectos referidos no número anterior permaneceu um mistério, até o satélite alemão ROSAT (Röntgen Satellite), lançado a 1 de Junho de 1990, ter detectado supersoft X-ray sources (S.S.S.'s) nas Nuvens de Magalhães. Mas nem aí se sonhou o como estas fontes iriam unificar numa só teoria o que se sabia sobre novas, supernovas e binários com anãs brancas! De facto, e num resumo do que já foi dito, as duas primeiras correspondem afinal a fases diferentes da vida de uma S.S.S.. Dependendo essencialmente da quantidade de massa por unidade de tempo que a anã branca acreta da companheira, a S.S.S. poderá ter ou não o comportamento de uma nova. Assim, para uma taxa de acreção de massa inferior a 3 milésimas de massas terrestres anuais, o hidrogénio é adquirido de uma forma muito lenta e permanece num estado passivo durante milhares de anos. Eis que então, a partir de uma dada massa crítica, a sua fusão se começa a dar abruptamente na base dessa camada gasosa. A explosão termonuclear será finalmente visível como uma nova.

Para uma taxa de acreção ligeiramente superior, a fusão torna-se cíclica mas não explosiva. Os ciclos vão-se tornando cada vez mais longos, até que para um dado valor do escoamento de massa se atinge a fusão constante. Anãs brancas com massas iguais às do Sol atingem esse estado para um valor limite cerca de dez vezes superior ao anterior. Em simulações efectuadas por Ken'ichi Nomoto, foi prevista para tal fonte exactamente a mesma emissão de raios-X "supermoles" que é observada numa S.S.S.'s típica! Já para taxas de acreção de massa próximas das 12 centésimas de massas terrestres anuais, a emissão de energia do sistema pode alternar entre os raios-X e a luz visível. A fonte conhecida pelo nome de RXJ0513.9-6951 (na Grande Nuvem de Magalhães) tem precisamente este comportamento: pode emitir raios-X "supermoles" durante um mês; e depois intercalar com emissões na zona do visível do espectro durante vários meses. Observam-se ainda 2 jactos de matéria a fluir a grandes velocidades, em direcções opostas e perpendiculares à orientação dum disco de gás que entretanto se formou em torno da anã. Essas velocidades terão forçosamente de atingir valores próximos da velocidade de escape para a superfície da estrela. Logo, como são estimadas em qualquer coisa como 6000 km/s, confirma-se a ideia de que as S.S.S.'s são constituídas por anãs brancas. No final da sua vida, poderá por outro lado explodir em supernova do tipo Ia.

Outras fontes importantes de raios-X "supermoles" são as designadas por binários simbióticos. Nestes, a companheira da anã branca é uma gigante vermelha e elas orbitam a grande distância uma da outra.

Imagem artística de um binário simbiótico.

A missão do ROSAT (liderada por Joachim Trümper do Max-Planck Institute for Extra-terrestrial Physics) consistia à partida em fazer o primeiro levantamento completo de fontes emissoras de raios-X "não duros", ao contrário do que os outros satélites haviam feito até então (excepção feita ao Observatório Einstein da NASA). As suas observações permitiram compreender as S.S.S.'s, classificá-las como uma nova classe de fontes e até como possíveis progenitoras de supernovas do tipo Ia. Algumas S.S.S.'s tais como CAL 83 e CAL 87 tinham sido já detectadas, mas eram confundidas com fontes emissoras de raios-X "duros" dada a reduzida sensibilidade dos primeiros detectores de raios-X para energias mais fracas nesta gama de frequências.

Outras fortes razões que excluem a possibilidade das tais estrelas densas e quentes acretoras de matéria que constituem estas fontes serem estrelas de neutrões ou buracos negros, consistem no seguinte: (i) As fontes emissoras de raios-X "supermoles" são mais frias que qualquer sistema conhecido constituído por um buraco negro. (ii) Medindo a temperatura e a luminosidade de cada uma destas fontes (e considerando-as esféricas) é possível chegar a um valor para os seus raios; valor esse que irá corresponder ao esperado para uma anã branca (entre os 5000 e os 10000 Km).

Existe afinal um elo entre novas, supernovas Ia e S.S.S.. Objectos que em tempos se consideraram completamente distintos aparecem agora perfeitamente relacionados numa história com princípio, meio e algo a que não sei se me atrevo a chamar fim. A beleza deste universo reside na simplicidade da lógica com que ele por vezes nos explica fenómenos aparentemente complexos. Penso que ele merece que se confie mais vezes nessa simplicidade.

Dr. João Emanuel Dias

Observatório Astronómico de Lisboa



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