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A Rotoesfera do buraco negro

A teoria da relatividade geral, desenvolvida por Einstein, previu a existência de trajectórias e fenómenos gravitacionais desconhecidos até então. Alguns deles, como por exemplo o facto da luz poder descrever trajectórias curvas e não apenas rectilíneas foram já observados. Outros, como o que vai ser aqui apresentado, não tiveram ainda essa possibilidade. Consideremos um objecto, por exemplo um satélite, em órbita circular em torno de um planeta. O movimento de translação do satélite leva à existência de uma força centrífuga dirigida para o exterior da trajectória, análoga à que se sente no interior de um automóvel numa curva. Como é sabido, a órbita tem de ser percorrida com uma certa velocidade, de modo a que a força centrífuga gerada compense a atracção gravítica que o planeta exerce sobre o satélite. Se a velocidade for menor do que essa, o satélite cai. Se for maior, escapa à atracção do planeta. Se, em vez de um planeta, considerarmos um buraco negro, a situação só é idêntica a esta se a órbita do satélite estiver a uma distância maior do que 4.4 ×m Km do centro do buraco negro (m é a massa do buraco negro em unidades de massa do Sol). Esta distância tem o significado especial de ser aquela onde a luz segue uma órbita circular e é conhecida por rotosfera. Para órbitas de raio menor do que esse valor, a relatividade geral prevê que aconteça uma situação diferente, que é a seguinte: se o satélite aumentar a sua velocidade de translação terá ainda maior tendência para cair no buraco negro. Para um buraco negro com uma massa, por exemplo, 5 vezes maior do que a massa do Sol, o raio da rotosfera é apenas de 22 km. Mas para um buraco negro gigante no centro de uma galáxia, que poderá ter uma massa de, por exemplo, 5 milhões de vezes a massa do Sol, a região onde esta nova situação ocorre tem já uma extensão de 22 milhões de quilómetros. Existem várias tentativas para identificar uma causa para este fenómeno contra-intuitivo e portanto inesperado. A partir do balanço entre a força gravítica e a força centrífuga podemos construír dois cenários possíveis: uma maneira é pensar que, sendo a força centrífuga uma força actuante para fora e crescente com a velocidade, a única solução é ser a força gravítica (actuante para dentro) que, nessa região, passe a aumentar rapidamente com a velocidade de modo a tornar-se muito mais atractiva e anular o efeito centrífugo. Esta solução traz um novo problema. Como é que a força gravítica que, como sabemos, depende apenas da massa dos dois corpos e da distância entre eles, pode variar com a velocidade? Para responder a esta questão podemos lembrar o conceito de massa efectiva introduzido pela teoria da relatividade restrita, segundo o qual a massa de um corpo que se move a alta velocidade aumenta. A velocidade do nosso satélite não tem necessariamente de ser muito elevada, mas como ele se move perto do buraco negro, numa região em que o campo gravítico é muito intenso, pode ocorrer um efeito relativista análogo a esse.

Outro cenário consiste em considerar que a força gravítica a que o satélite está sujeito ao longo da sua órbita é sempre constante. Neste caso a única maneira de compreender o fenómeno é considerar que é a força centrífuga que nessa região tem um comportamento diferente do habitual, nomeadamente, considerar que se torna atractiva. Assim, se a velocidade de translação do satélite aumentar, a força centrífuga aumenta o que ajuda a atracção. Esta solução traz também um novo problema. Será possível, tal como foi no caso anterior, arranjar uma explicação coerente que sustente esta mudança de comportamento? Para responder a esta questão comecemos por notar que se a força centrífuga muda de sentido, e portanto de sinal, entre as duas regiões, terá de se anular na fronteira entre elas, isto é, na rotosfera. Assim, este cenário admite que existe uma órbita circular onde a força centrífuga não actua. Consideremos então uma estação espacial em forma de anel, disposta ao longo da rotosfera. Um astronauta que se desloque ao longo desse corredor nunca deixa de ser avistado por outro que esteja parado num ponto do mesmo corredor, pois a imagem luminosa do primeiro acompanha a forma curva da estação. Assim, se eles tiverem sido transportados para o interior da estação sem a terem visto por fora, pensarão que estão num corredor rectilíneo e se andarem num veículo ao longo desse corredor acharão perfeitamente natural não sentirem nenhuma força centrífuga. A explicação coerente para a causa avançada pelo segundo cenário para o fenómeno em estudo é então a de que é natural que a força centrífuga possa mudar de sentido pois só assim é possível que o que se sente esteja de acordo com o que se vê. Isto tem implicações profundas pois obriga a alterar a própria definição de inércia. Assim, deixar-se-ia de afirmar que não surgem efeitos inerciais nas trajectórias rectilíneas percorridas com velocidade constante e passar-se-ia a dizer que não surgem efeitos inerciais nas trajectórias luminosas percorridas com velocidade constante. Em campos gravíticos fracos, como na Terra, as duas afirmações não se distinguem pois a luz segue trajectórias rectilíneas. Qual dos cenários será o correcto é uma questão que continua em aberto. Poderá ser resolvida através da medição experimental em separado das duas forças a que está sujeito o satélite, para assim verificar directamente se há ou não mudança no sentido da força centrífuga. Este problema serve também para ilustrar como a procura de uma causa física mais fundamental para uma determinada previsão teórica pode conduzir a novas descobertas ou hipóteses.

Dr. Ismael Tereno

Centro de Física Nuclear da Univ. Lisboa



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