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Galáxias Poeirentas

Ao olharmos para o céu nocturno, longe das luzes citadinas, podemos observar uma miríade de estrelas, especialmente na direcção do plano da Galáxia, a Via-Láctea. Se olharmos com atenção notamos que há zonas curiosamente desprovidas de qualquer fonte luminosa, ilhas de escuridão no meio de um mar de luz. Estamos na presença de nuvens de poeira que se interpõem na nossa linha de visão, impedindo que vejamos o que fica para além. A nossa tão familiar poeira é relativamente comum na Galáxia, e isso é evidente com um olhar atento para a Via-Láctea.

Quão importante é a poeira no Universo? Será a poeira uma presença constante em todas as galáxias? A observação de galáxias próximas sugere que assim seja. E existirão galáxias tão ricas em poeira que sejam invisíveis no óptico? Se sim, como terá sido afectada a nossa visão do Universo, até hoje baseada essencialmente nas observações de telescópios ópticos?

Para estudarmos a presença de poeira no Universo, devemos compreender as suas propriedades. Em primeiro lugar, os grãos de poeira dispersam e absorvem radiação cujo comprimento de onda é comparável ao seu próprio tamanho. Sabemos hoje que a maioria dos grãos de poeira interestelar possui um tamanho na ordem dos 100-200 nanometros, pelo que o ultravioleta e o azul são os comprimentos de onda mais extintos, sendo o vermelho e infravermelho progressivamente menos afectados. Esta extinção diferencial traduz-se num avermelhamento nos objectos observados. Além disso, ao absorver radiação, a poeira aquece a dezenas de graus Kelvin e, consequentemente, "brilha" no infravermelho longínquo (em casos extremos as temperaturas podem atingir as centenas de graus Kelvin e a emissão dá-se no infravermelho médio). Fala-se em "processamento" da radiação absorvida, que é re-emitida a comprimentos de onda maiores.

Tudo isto sugere-nos uma técnica para detectar galáxias muito ricas em poeira: procurar galáxias muito vermelhas e muito brilhantes no infravermelho. Uma das maiores descobertas do satélite IRAS (Infrared Astronomical Satellite), lançado em 1983, foi precisamente a identificação de uma classe de galáxias "ultraluminosas" no infravermelho. Estudos efectuados no últimos anos têm mostrado que muitas destas galáxias apresentam uma formação de estrelas muito intensa (são galáxias de starburst(1)), possivelmente despoletada por uma colisão com outra galáxia num passado recente. Esta formação intensa de estrelas dá-se em regiões muito ricas em poeira e, portanto, a galáxia pode simultaneamente parecer normal no óptico e mostrar toda a sua intensa actividade apenas no infraver! ! melho, devido à emissão da poeira. Uma das características mais importantes destas galáxias é que elas têm necessariamente de evoluir muito rapidamente, já que não podem suster uma formação tão elevada de estrelas durante muito tempo.

E o que se passou no Universo antigo? Terão existido também galáxias semelhantes a estas? A distâncias muito elevadas, esta emissão da poeira no infravermelho 60-200microns é observada no sub-milímetro (devido ao efeito Doppler resultante da expansão do Universo). Observações nestes comprimentos de onda revelam de facto a existência de uma população de galáxias extremamente fracas ou até mesmo invisíveis no óptico. Tal dificulta o seu estudo, mas crê-se estarmos na presença de galáxias observadas na sua juventude (pois parecem estar muito distantes) e que estão a atravessar uma formação de estrelas intensa.

As questões que se põem neste momento incidem sobre o número destas galáxias no Universo e o seu papel na evolução galáctica. Serão elas as responsáveis pela maior parte da formação estelar na história do Universo? Não é o que a visão no óptico nos indica mas, como sabemos agora, esta visão pode estar seriamente incompleta. Por outro lado, os acontecimentos extremos nestas galáxias representam certamente fases determinantes na sua evolução. Sob certas condições é possível que estas galáxias, tendo esgotado a maior parte do gás que dispunham para formar estrelas, se transformem em galáxias elípticas. E talvez esta formação estelar violenta que observamos acabe por dispersar a poeira e ponha a descoberto, numa fase pós-starburst um buraco negro supermassiço, um quasar. Talvez estes "monstros" empoeirados cuja existência desconheciamos até há bem pouco tempo sejam a chave para a compreensão do nascimento e e! ! volução das galáxias e, consequentemente, mais um elemento na compreensão deste Universo bem mais estranho que a ficção.

(1) A Via-Láctea forma algumas estrelas por ano. Nas galáxias de starburst a formação de estrelas é centenas de vezes mais intensa.


Dr. José Afonso
Imperial College/CAAUL



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