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A Medição do Cosmos - I

Epílogo das Cosmogonias Primordiais

Os modelos clássicos do Mundo em todas as culturas limitavam-se a descrever os céus e os seus deuses em poses e acções que justificassem os movimentos celestes observados diária e anualmente. As estrelas celestes eram morada da pluralidade de deuses e suas relações entre si e com os humanos. Personificam a própria mitologia da criação e estampam-se na esfera das Estrelas Fixas, a uma distância nunca determinada e muito menos tentada medir. De todas essas cosmogonias, o ocidente actual herda a babilónica (600 a.C.), que é adaptada por gregos e outros povos da orla mediterrânea. Nesta cosmogonia, o movimento dos planetas era descrito pelos arcos diurnos ou anuais que executavam sem qualquer noção de idade ou espaço tridimensional.

Passam-se séculos e os trabalhos de Aristarcos de Samos (séc. III a.C.), Eratóstenes de Alexandria, Hiparco (séc. II a.C.) em Rodes e de Ptolomeu em Alexandria, usando a paralaxe lunar ou os diâmetros relativos do Sol e da Lua observados em eclipses, calculam razões das distâncias e diâmetros entre Sol-Terra-Lua. No ano 140 d.C., Ptolomeu publica no "Almagesto" séculos de observações e de sabedoria babilónica, associando-lhe a filosofia de Aristóteles (séc. IV a.C.). À falta de medições para os planetas visíveis a olho nu, concebe um modelo em que estas "estrelas errantes" revolvem em torno da Terra, a uma distância tanto maior quanto maior é o tempo demorado a completar uma volta pelos céus. Este conceito é revolucionário pois mostra que nem todas as estrelas pertenciam ao mesmo estrato celeste: a esfera das estrelas fixas onde habitam os deuses perfeitos e imutáveis, fica para além dos planetas. Só no planeta imperfeito da Terra, onde os movimento são forçados e não naturais, é que se podem medir distâncias. Os céus permanecem intangíveis durante 14 séculos.

O Renascimento e o Mundo Esférico

Em 1543, o polaco Nicolau Copérnico publica "As Revoluções das Orbes Celestes" onde propõe um sistema heliocêntrico e inicia a exposição com a seguinte afirmação: "O universo é esférico...". Esta nova geometria permitiu-lhe medir as distâncias dos planetas ao Sol (quando a Terra, o planeta e o Sol ficam em quadratura) tomando a distância Terra-Sol como unitária: a Unidade Astronómica (UA). Esta nova disposição permite-lhe determinar e usar os períodos de revolução siderais dos planetas, contrariamente ao modelo ptolomaico (com epiciclos e deferentes) onde apenas os ângulos relativos das posições planetárias podiam ser comparadas. O planeta mais longínquo então conhecido (a olho nú), Saturno, fica a 9 UA (9,54 hoje) e tem um período orbital de 30 anos (29,46 hoje). O Mundo tem dimensões!

Seguindo a tradição observacional de Hiparco que elabora o primeiro catálogo de estrelas e descobre a precessão dos equinócios, o dinamarquês Tycho Brahe (1446-1601) desenvolve nova instrumentação para observação visual (utilizando, inclusivé, o nónio de Pedro Nunes) e estabelece novos catálogos de posições estelares e planetárias com uma precisão nunca antes conseguida: a do minuto de arco. O seu discípulo Johannes Kepler (1571-1630) continua o trabalho e usando a valiosíssima informação descobre que as órbitas planetárias são elípticas. Fala da "Harmonia do Mundo" (1619) quando explicita a lei harmónica dos períodos e das distâncias planetárias, ajudando ao retrocesso do geocentrismo.

Galileu Galilei (1564-1642) constrói em Pádua um pequeno telescópio (1609) que o ajuda a ver coisas nunca vistas nos corpos celestes e nos céus. Vê as fases de Vénus, descobre miríades de estrelas que os olhos nus não alcançam, descobre as quatro luas de Júpiter e como deambulam em torno deste, observa as manchas solares e a sua rotação, etc. Isto aparece no "Mensageiro Sideral" de 1610 e num estudo sobre o Sol em 1613. Estuda os movimentos dos projécteis e sistematiza as leis da inércia e o método científico. Publica finalmente o "Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo" (1632) onde rebate a física aristotélica e fundamenta de vez o heliocentrismo. A Terra move-se (!) e abandona o centro do Mundo. Contudo, nem Galileu, nem Kepler, nem Halley conseguem ter uma explicação para a dinâmica dos movimentos e órbitas, e muito menos uma explicação cabal da sua interligação com as forças responsáveis, o que só é conseguido pelo génio de Isaac Newton que os apresenta nos "Principia" em 1687, e revoluciona a Física. Galileu e Newton mostram ao Mundo que os planetas são feitos da mesma matéria que a Terra e a Lua pois estão sujeitos às mesmas forças. A gravidade é Universal.

Os dados estão lançados e as mentes inquiridoras procuram nas estrelas fixas o reflexo do movimento terrestre em torno do Sol. Estarão longe demais? Serão mesmo fixas? São feitas de quê? Uma estrela próxima de nós deveria apresentar uma mudança de posição em relação às mais distantes (quando a Terra se desloca de um lado ao outro do sol), tal como as coisas próximas parecem mover-se em relação às montanhas longínquas, quando viajamos de automóvel. Já Brahe e Kepler tentaram medir a distância às estrelas mas a falta de sucesso mantém a crença da existência de uma esfera de estrelas fixas, para além do sistema solar, sem se saber a que distância. As dimensões e forma do Cosmos adormecem durante mais um século.

Um Cosmos Lenticular e Estruturado

Com o aperfeiçoamento dos instrumentos de observação, James Bradley (1693-1762) mostra em 1720 que o movimento aparente anual da estrela Draconis reflecte o movimento de translação da Terra em torno do Sol, pelo método de paralaxe numa estrela dupla (duas estrelas na mesma linha de visão mas uma muito mais próxima que a outra). William Herschel (1738-1822) nos finais do século XVIII, com o seu Grande Telescópio de 40 pés de distância focal e 4 pés de diâmetro no espelho primário (metálico), faz uma busca sistemática de estrelas duplas (notadas por Galileu) e convence-se que uma boa parte delas serão verdadeiros sistemas binários. Confirma ainda o que Galileu Galilei tinha descoberto: essa zona esbranquiçada no céu está polvilhada de estrelas e pequenas estruturas nebulosas. Em 1768 já conhecia cerca de 68 nebulosas. Em 1781, Charles Messier publica o seu famoso catálogo de 103 objectos difusos (nebulosas, galáxias e enxames globulares de estrelas) e discutia-se se estes estariam entre as estrelas ou para lá destas. A descoberta da enorme densidade de estrelas na banda central da Via Láctea revela uma distribuição não uniforme das estrelas.

Em meados do século XVIII, Immanuel Kant sugere que a Via Láctea tem uma estrutura (distribuição de estrelas) em disco na qual o Sol está imerso. As descobertas das nebulosas por parte de Messier e Herschel apoiam a teoria dos Universos Ilha do filósofo Kant. Herschel convence-se que algumas nebulosas serão sistemas de estrelas que poderão ser observadas individualmente, com um telescópio mais potente. Há outras porém, tal como a nebulosa de Orion e as nebulosas planetárias, que não são de natureza estelar mas antes de "um fluido luminoso de natureza totalmente desconhecida para nós".

A contagem sistemática de estrelas feita por Herschel em todas as zonas do céu leva-o a afirmar que o Sol estará no centro de uma estrutura tipo elíptica, em que o raio maior é 5 vezes a sua espessura. Para isso admite que as estrelas terão brilhos intrínsecos parecidos. O Cosmos não é esférico! Mas o que é o Cosmos: essas nebulosas pertencem-lhe ou ficam para além dele? Durante a sua vida cataloga cerca de 2500 nebulosas, e repara que há concentração destas (mais de 1/3) na constelação da Virgem. Isto leva Herschel a admitir que existe um sistema estelar (a galáxia) que parece estar na periferia deste super-grupo mais vasto centrado na Virgem. Esta é a primeira indicação de aglomeração de galáxias no universo. A ideia por aqui morre, mesmo depois do seu filho John Herschel estudar o hemisfério austral, na Cidade do Cabo, e publicar o conhecido Catálogo Geral em 1864.

Na próxima edição daremos conta de outros desenvolvimentos ocorridos durante o séc. XIX e as primeiras décadas do séc. XX.

Prof. Doutor Rui Jorge Agostinho
Centro de Astronomia e Astrofísica
da Universidade de Lisboa (CAAUL)
Departamento de Física da FCUL



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