Página - 1- Galáxia espiral NGC7424 2- Editorial: Qual é a verdadeira situação da Ciência em Portugal?
- Quantos braços tem a Via Láctea?
3- Sistemas planetários em formação
- Galáxia bebé revelada perto da Via-Láctea
4 5- Universo On-Line:
  No Rasto de Albert Einstein
6- Para Observar em Janeiro
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
  Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
- Visitas Guiadas ao OAL
- Próxima Palestra Pública no OAL
7- O Céu de Janeiro

"O País não pode desperdiçar esses jovens!"

Ramôa Ribeiro, "Docteur d'État" pela Universidade de Poitiers (França), é Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) desde 2002, um cargo que "gosta de ocupar", uma vez que tem "realizado coisas importantes pela Ciência", com o apoio da comunidade científica.
Em breve vão avançar os concursos para as Escolas no âmbito do Ciência Viva. Na sua opinião, a divulgação científica é fundamental para haver mais jovens despertos para a Ciência, futuros candidatos às Faculdades de Física, Matemática e Engenharias.




  De acordo com estudos recentemente publicados, apesar do crescente número de recursos humanos especializados em Investigação, Portugal continua a ser o país menos inovador e mais subdesenvolvido da União Europeia, quer em Ciência, quer em Tecnologia. Face a estas conclusões, o que é que na sua opinião, ainda falta fazer em Portugal para atingir níveis mais elevados de desenvolvimento científico e tecnológico?

Ramôa Ribeiro, Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia
  Portugal foi o país da União Europeia que nos últimos anos mais aumentou em percentagem o número de doutores, o que significa que partimos para o desenvolvimento científico muito tarde, com um número muito reduzido de doutores em relação ao que se verificava nos outros países. Foi em 1990 que Portugal deu um grande salto em frente no sentido do desenvolvimento da sua actividade científica, com o programa CIÊNCIA, através do qual, pela primeira vez, se financiou um grande número de bolsas de mestrado, doutoramento e pós-doutoramento. Actualmente, gastam-se cerca de 100 milhões de euros por ano em formação avançada dos recursos humanos qualificados, financiando quatro mil bolseiros individuais e outros tantos ligados a projectos ou unidades de I&D. Podemos afirmar que Portugal não tem doutores a mais, embora haja uma preocupação legítima com o futuro dos doutores. As bolsas são fundamentais, mas de facto, bolseiro não é uma profissão. Para além disso, acho que há uma concepção um pouco errada de que quem faz um doutoramento vai necessariamente fazer investigação toda a vida, o que não é verdade. Quem faz um doutoramento vai ter uma preparação que lhe vai permitir executar funções em empregos variados, com muito mais bases do que se não tivesse o doutoramento. Por exemplo, é cada vez mais habitual ver jovens doutorados em Matemática ou Física a trabalhar na Bolsa de Nova Iorque. Um doutorado em Matemática ou em Física tem uma formação e uma capacidade de síntese e abstracção superior a outros doutores. Sei também que na Bolsa de Londres estão a admitir doutores em Física. É importante que muitos jovens doutores continuem a fazer investigação, mas também em qualquer parte do mundo há doutores desempenhando inúmeras funções, nas empresas ou na administração pública. Naturalmente a nossa cultura empresarial e científica mudará muito quando tivermos pessoas mais qualificadas em vários lugares da sociedade portuguesa, nomeadamente em empresas.

  Foi com esse objectivo que criou recentemente as Bolsas de doutoramento em meio Empresarial?
  Foi sobretudo porque muitos empresários diziam não aceitar os doutores porque eram formados em meio académico. Então surgiu a ideia de formar doutores em meio empresarial, porque aí o empresário já não pode dizer que "este doutor não me serve porque foi formado em meio académico", uma vez que ele foi formado na própria empresa. A empresa paga metade da bolsa, por isso será de esperar que se investiu no jovem queira algum retorno, admitindo-o, por exemplo, nos quadros da empresa. Mas este tipo de bolsas não pode ser aplicado a qualquer área. Por exemplo, há doutoramentos em áreas mais fundamentais, como a Astronomia e outras ciências básicas, que sendo investigação de ponta é importante desenvolver em Portugal, mesmo que não tenham aplicação imediata no tecido empresarial.

  Um pós-doutorado em Portugal tem uma área de emprego muito limitada. O que é que está a ser feito actualmente para aumentar a integração de recursos especializados em Investigação quer em empresas, quer em instituições de modo a contribuírem para o desenvolvimento tecnológico do país?
  Actualmente, por mais brilhante que se seja, é difícil conseguir entrar para uma Faculdade, uma vez que não abrem vagas para a carreira docente. A Holanda tem um programa que se chama "Caça aos Talentos", pois consideram que não podem perder os jovens talentos, atribuindo-lhes contratos de longa duração, com projectos associados. Em Portugal, também não podemos perder os nossos jovens talentosos, pelo que gostaria de implementar esse programa de "Caça aos Talentos", através de contratos por cinco anos, assegurando alguma estabilidade, que para além disso incluiria também uma verba para fazer investigação. Recentemente, num concurso promovido pela European Science Foundation, o EURYI Award, foi premiada uma jovem talentosa investigadora portuguesa, a Doutora Maria Mota. Com esse prémio ela conseguiu um financiamento de 1 milhão de euros durante 5 anos, que lhe permitirá avançar com o projecto de investigação com o qual concorreu. Exemplos destes são pontuais, naturalmente, mas penso que é com iniciativas deste tipo que podemos mudar um pouco o estado actual do emprego dos jovens investigadores.
  Por outro lado, também considero fundamental que as universidades portuguesas possam abrir vagas para jovens brilhantes que saíram para o estrangeiro para obter formação avançada e que querem voltar. É importante também a alteração do estatuto de carreira de docente. É preciso renovar o corpo universitário, abrir mais lugares para os que são mais capazes. Por outro lado, tem de haver uma grande alteração na cultura empresarial e na cultura da sociedade. Isto porque um jovem que é doutorado pode fazer um lugar muitíssimo bom em funções muito variadas e não forçosamente em investigação. Por isso, a UE traçou como meta em 2010 um investimento de 3% do PIB em Ciência, dos quais 2% deverá ser assegurado pelas empresas e 1% pelo Estado. Em Portugal temos actualmente 0,9% de investimento em Ciência, 0,7 % investido pelo Estado e 0,2% pelas empresas. O Estado já não está muito longe da sua meta de investimento, mas estamos muito, muito longe em relação à parte empresarial. Sucede que este estado de coisas não se muda de um momento para o outro, mas sim de forma progressiva e todos temos um papel fundamental nessa mudança. Esta faz-se com mais doutores não só a fazer investigação, mas colocados em diferentes lugares da sociedade portuguesa, para poderem alterar, com urgência, esta cultura e esta mentalidade.

  Para isso vai ser necessário modificar também a mentalidade empresarial, incentivando ao mérito, e na realidade empresarial não é isso que acontece, porquê?
  Depende. Há empresas que já apostam no mérito e atribuem prémios por mérito. Outras abrem anualmente concursos para a melhor tese de doutoramento em Engenharia Química e Engenharia Biotecnológica. Isto mostra haver já empresas a apostar em jovens doutores. Penso que é com iniciativas deste tipo que podemos alterar a cultura empresarial. Não é fácil, mas também é importante alterar a própria cultura académica. É necessário que o professor saiba que o doutorado não deve optar por uma área muito específica, porque senão depois do doutoramento a sua visão da Ciência será centralizada numa área em exclusivo. Por isso as faculdades estão a apostar cada vez mais nos programas doutorais, em que, para além do doutoramento, o jovem candidato tem de obter formação em várias disciplinas, uma formação generalizada, para que as empresas depois não argumentem que "este jovem sabe muito sobre a molécula A, mas não sabe nada sobre a molécula B". Estamos no bom caminho porque se já há 60 bolsas de doutoramento em meio empresarial, isto significa que já houve 60 empresas que mostraram apetência para financiar 60 bolsas com jovens que se vão doutorar na empresa. Isso é um sinal positivo, embora insuficiente.

  Nem todas as áreas científicas podem ser integradas no meio empresarial, a Astronomia e a Astrofísica, por exemplo.
  Eu percebo que há áreas que são mais difíceis de introduzir no meio empresarial, como é o caso da Astronomia, o que se compreende bem. Mas, naturalmente, para essas áreas de investigação dita fundamental, deve ser o Estado a assumir os encargos com a formação. É importante haver uma investigação de qualidade, tanto básica como aplicada. Por exemplo, a "Internet" resultou da investigação básica na área da Física. É importante também que se saiba que a Física é uma área do conhecimento fundamental, por isso vamos comemorar no próximo ano, o Ano Internacional da Física. Vamos aproveitar este ano de 2005 para despertar em mais jovens vocação para a Física. Este é outro problema que temos a nível nacional, visto que há poucos jovens com apetência pela formação superior em Matemática e Física.

  Na sua opinião, porque é que há poucos jovens a quererem estudar Física?
  Acho que isso tem que ver com o ensino da Matemática e da Física. Por um lado, penso que a Física não será frequentemente bem ensinada, visto que o ensino é pouco experimental, o que faz com que os jovens não ganhem gosto pela Física. Actualmente só 3000 jovens a nível nacional fazem Física com nota superior a 10 valores no 12.º ano. É, de facto, um valor muito baixo. Daí querermos aproveitar o próximo Ano Internacional da Física, para levar a cabo diversas iniciativas, tentando mudar esta falta de vocações para a Física, que é fundamental para o progresso das tecnologias e das engenharias.

  E nas Universidades, o que é que está ser feito, em termos de investigação? Será que as Universidades já se aperceberam que face à diminuição do n.º de alunos, a alternativa pode ser a investigação, de modo a evitar o despedimento de professores?
  Não é possível que as universidades mantenham o actual estado de coisas, em que os docentes mais novos de muitos departamentos têm cerca de 40 anos. Alguma coisa tem de ser mudada neste contexto. Penso que é preciso apostar na contratação de pessoas mais jovens. Sendo possível, era importante implementar carreiras de investigação, que praticamente não existem nas universidades. Embora isso não seja a solução para todos os problemas, é uma porta que se pode abrir pelo menos para alguns jovens de maior qualidade. A sociedade portuguesa não pode perder os jovens geniais, pois sem eles o futuro do País não será tão brilhante como queremos.

  Que futuro podemos esperar para a Astronomia em Portugal? Acha possível a criação de um Instituto público de Astronomia em Portugal?
  Penso que Portugal é capaz de não ter, por enquanto, dimensão suficiente para isso. Por enquanto devemos continuar a apostar em particular nos Centros que pertencem às três Universidades mais importantes que fazem Astronomia, como é o caso de Lisboa, Porto e Coimbra. Os próximos anos devem ser mais para consolidar esses Centros do que propriamente para criar uma grande estrutura, eventualmente muito pesada do ponto de vista financeiro. Por outro lado também é possível que se venha a verificar uma abertura de lugares de carreira. O Observatório tem uma carreira de investigação com muito poucos lugares, e a aposta deve ser mais por aí do que propriamente criar uma estrutura com as características de instituto público. Não me parece que haja ainda condições para que ela se possa desenvolver desde já.

  Perante essa falta de uma carreira de investigação nas Faculdades, Portugal corre o risco de ver sair muitos investigadores para o estrangeiro?
  É bom que alguns investigadores vão para fora. Acho que é importante que Portugal tenha bons investigadores em Centros estrangeiros. De facto, não me parece mal que haja investigadores que vão para o estrangeiro, até porque actualmente a Europa é uma Europa global e há uma grande mobilidade entre os diversos países. Mas, naturalmente, é bom que a grande maioria fique cá. Há um importante investimento feito na sua formação, por isso seria bom que em Portugal se fossem criando condições para que desenvolvam aqui investigação de qualidade. O país não pode desperdiçar esses jovens!


Eugénia Carvalho
OAL
© 2005 - Observatório Astronómico de Lisboa