Página - 1 - Galáxia NGC1300 2 - O importante papel dos professores
- Espaço Vazio
3 - Medindo a massa de uma estrela
- O centro negro da Galáxia
4 - Impactismo na História da Terra 5 6 - Para Observar em Março
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
  Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
- Visitas Guiadas ao OAL
- Próxima Palestra Pública no OAL
7- O Céu de Março
No céu tudo é perfeito?
Da Cosmologia aristotélica às origens da Astronomia Moderna

  Durante séculos, o mundo intelectual ocidental viveu submetido à cosmologia elaborada por Aristóteles (384-322 a.C.), caracterizada por uma firme divisão entre a denominada região sub-lunar e a região supra-lunar. Na primeira, a constituição de todos os seres e objectos era baseada em quatros elementos (terra, água, ar e fogo), a cada um dos quais correspondia um movimento natural (terra e água para baixo, ar e fogo para cima), mas nessa região também podiam ocorrer outros movimentos, ditos "violentos". Na região supra-lunar, pelo contrário, tudo era perfeito: os corpos celestes eram constituídos por um quinto elemento ("éter") típico e exclusivo dessa região e, associados a esferas cristalinas, descreviam movimentos circulares. Cometas e eventuais "estrelas novas" (supernovas, diríamos hoje) recaíam, juntamente com os meteoros, na categoria de fenómenos atmosféricos, pois era inaceitável que pudessem representar alterações à ordem vigente na região supra-lunar. A par desta cosmologia, no Almagesto, livro que reunia os trabalhos astronómicos de Ptolomeu (c.85-c.165), eram expostos complexos métodos geométricos que permitiam descrever os movimentos dos astros, com razoável precisão e em obediência ao princípio do movimento circular perfeito. Estas concepções cosmológicas e astronómicas, em que a Terra ocupa um lugar central no Cosmos, são globalmente referidas pelo termo "geocentrismo".
  O caminho para uma mudança radical na concepção do Cosmos começou a abrir-se, de forma gradual mas, podemos dizer, irreversível, no séc. XVI. Em 1543, foi publicada a obra De revolutionibus orbium celestium, do padre e matemático polaco Nicolau Copérnico (1473-1543). Propondo-se aperfeiçoar os métodos de cálculo ptolomaicos, Copérnico apresentou um novo modelo em que o Sol, e não a Terra, ocupava o centro do Cosmos. Apesar de ser amiúde referido como uma figura revolucionária na história da ciência, Copérnico terá sido mais um reformulador dos esquemas ptolomaicos do que propriamente um inovador, pelo menos do ponto de vista matemático. Mas, para além do mérito de lançar as fundações do heliocentrismo (isto é, de uma concepção cosmológica que atribui ao Sol uma posição central), foi capaz de elaborar um modelo de conjunto para o movimento dos planetas, ao contrário do que se verificava na astronomia ptolomaica, em que o movimento de cada astro era tratado separadamente. Nesse mesmo século, dois acontecimentos astronómicos vieram abalar a ideia de um céu perfeito e imutável, sobretudo devido à tenacidade do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601). Em Novembro de 1572, uma "estrela nova" apareceu na constelação da Cassiopeia. Tycho não tardou a dirigir a sua atenção para o fenómeno e, na sequência das observações que efectuou, demonstrou que a "estrela nova" se encontrava a grande distância, e não, por conseguinte, na região sub-lunar, como pretendiam os aristotélicos. Em 1577, Brahe pôde observar um cometa a partir do seu Uraniborg, um sofisticado observatório pré-telescópico, para cuja edificação o rei Frederick da Dinamarca cedera uma ilha e um generoso orçamento. Com base nas medições que efectuou, Brahe concluiu que o cometa também se encontrava para lá da região sub-lunar. Em 1604, uma outra "estrela nova" marcou presença nos céus, reforçando os argumentos dos que contestavam a imutabilidade celeste.
  Foi no séc. XVII que, verdadeiramente, a astronomia moderna estabeleceu as suas fundações, apetrechando-se com o recém-inventado telescópio e adquirindo sólidas bases matemáticas. Johannes Kepler (1571-1630), que foi discípulo de Tycho Brahe, estabeleceu as célebres três leis do movimento planetário que recebem o seu nome, cimentando a noção de que era possível desenvolver uma ciência física cuja abrangência se estenderia muito para além das fronteiras terrestres. Em 1609, Galileu Galilei (1564-1642), que figura na história universal como um dos mais intrépidos defensores do heliocentrismo, começou a realizar observações do céu, servindo-se de telescópios que ele próprio construía. As descobertas que efectuou foram decisivas: a Via Láctea, mancha de aspecto leitoso que atravessa o céu, trata-se de uma miríade de estrelas; Júpiter possui satélites; Vénus apresenta um ciclo de fases tal como a Lua; a superfície lunar não é lisa, mas sim caracterizada por um relevo acidentado; as manchas solares (das quais já existiam registos) estão efectivamente associadas ao astro, tendo, inclusivamente, a sua observação sistemática permitido a Galileu concluir que o Sol descreve um movimento de rotação. Se as descobertas referentes a Júpiter e Vénus forneceram uma forte base de argumentação em prol do heliocentrismo, as duas últimas, em particular, constituíram golpes certeiros na ideia da imutabilidade e perfeição dos céus. Assim se desmoronava a tradicional separação entre o terrestre e o celeste, entre o sub-lunar e o supra-lunar. Em 1687, foi publicada aquela que é a obra fundamental da física clássica: Philosophiae naturalis principia mathematica (vulgarmente referida, simplesmente, como Principia), da autoria de Isaac Newton (1643-1727). A aplicação da Teoria da Gravitação Universal e das leis do movimento estabelecidas por este notável cientista veio firmar as bases da mecânica celeste, que permitiu, entre muitas outras realizações, prever com precisão o retorno do cometa Halley, descobrir o planeta Neptuno, e calcular a massa de estrelas em sistemas binários (isto é, sistemas de duas estrelas fisicamente associadas). Este último aspecto, em particular, foi decisivo para fortalecer a noção de que a aplicabilidade da nova física ia muito além do próprio sistema solar, estendendo-se até ao universo sideral, isto é, ao domínio das estrelas distantes.
  Os séculos seguintes vieram alargar ainda mais as possibilidades de compreensão do infinitamente grande e do infinitamente pequeno - mas porque o espaço desta página é implacavelmente finito, oportunamente retomaremos o assunto.


Pedro Raposo
OAL
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