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E para além da Via-láctea?

O gosto de observar o céu e identificar estrelas levou-o a participar nas Olimpíadas da Física e, mais tarde, a optar pelo curso de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que concluiu com média de 19 valores. Continuou o seu percurso académico em Londres e é hoje investigador auxiliar do OAL. José Afonso investiga as galáxias mais distantes que podemos imaginar... e justifica dizendo que "uma pessoa por não saber o que está na casa ao lado, não fica sem curiosidade de saber o que é que está na rua a seguir".




  Qual é a sua área de investigação em Astronomia?

José Afonso, investigador auxiliar do OAL.
  Eu investigo galáxias para além da nossa própria Via-Láctea. No Universo há milhões de galáxias e eu estudo essas galáxias para ver como é que elas evoluem, como é que desde os tempos mais primordiais elas se formaram e como evoluíram. Uma das coisas mais interessantes são as galáxias "especiais", diferentes de todas as outras, quer seja por terem um buraco negro muito activo, quer por terem uma formação de estrelas muito elevada. Por exemplo, a Via-láctea, com milhões e milhões de estrelas, forma em média, uma estrela tipo Sol por ano. É uma taxa de formação normal, é uma galáxia estável. Mas, entre os milhões e milhões de galáxias no Universo, algumas têm uma formação de estrelas muito superior. Estamos a falar de centenas ou milhares de vezes a formação estelar na Via-Láctea. Pode ser um acontecimento catastrófico. Essas galáxias ficam muito brilhantes em certos comprimentos de onda. Das estrelas que são formadas, as de maior massa têm uma vida muito curta e explodem em supernovas, cujos remanescentes dão origem a emissão no rádio. A observação neste comprimento de onda é aliás uma das formas de detectar estas galáxias. A formação explosiva de estrelas está associada também com a existência de poeira, em quantidades muito elevadas. Estas galáxias podem pois ser invisíveis no óptico, completamente obscurecidas pela poeira existente. Daí usar o rádio e o infravermelho, que não são muito afectados pela poeira. O óptico e os raios-X são depois úteis para compreender o que se passa nestas galáxias, para detectar, por exemplo, se existem buracos negros. Basicamente o meu trabalho é identificar estas galáxias, ver como é que elas são a distâncias progressivamente maiores, e deduzir a partir daí como é que elas evoluíram. Numa única imagem do céu podemos ver galáxias como eram no início do Universo ou galáxias que estão tão próximas de nós que estou a vê-las como elas são, essencialmente, no presente.

  A esse propósito diz-se muitas vezes que um objecto observado agora no céu poderá já não existir. Pode explicar melhor este fenómeno?
  Isso tem que ver com a velocidade de propagação da luz. Embora a nós nos pareça que a luz viaja a uma velocidade infinita, isso não acontece. Por exemplo, o Sol é observado na Terra como ele era há oito minutos, pois a luz que saiu do Sol demorou esse tempo a chegar até nós. Em rigor, eu poderia dizer que o Sol pode já não existir - só daqui a oito minutos eu o saberia. No caso das galáxias, as distâncias são tão grandes que estamos a falar de milhões de anos, ou em milhares de milhões de anos. As galáxias mais distantes conhecidas hoje são observadas como eram há doze mil milhões de anos, isto é, a luz demorou doze mil milhões de anos a chegar ao meu telescópio. Estou portanto a vê-las nos primórdios do Universo.

  Com base no seu trabalho é possível determinar quantos anos tem o Universo?
  A partir das observações temos uma ideia, um limite inferior, ou seja, o Universo tem pelo menos doze mil milhões de anos, porque eu observo objectos que se encontram a doze mil milhões de anos-luz. Depois há outras observações, da radiação cósmica de fundo, originada em eventos que se passaram ainda antes da formação das primeiras galáxias, e que deixaram uma radiação fóssil no Universo que hoje em dia conseguimos estudar. Não é a minha área de estudo, mas isso situa-se ainda mais para além das primeiras galáxias. Esse é o limite máximo das observações.

  Qual é a galáxia mais remota que se conhece?

Estudar como as galáxias evoluem inclui comparar exemplos a diferentes distâncias. Aqui, observações com o Hubble revelam características do par em colisão NGC 4038/39, a 63 milhões de anos-luz (imagem principal), e dos pares ATCDFSJ033244, a 3 mil milhões de anos-luz (À direita, na parte superior) e ATCDFSJ033237, a 5 mil milhões de anos-luz (À direita, na parte inferior). Créditos: Brad Whitmore (STScI), NASA, José Afonso (OAL) e o projecto GOODS.
  A galáxia mais distante de que se tem conhecimento encontra-se a mais de 12 mil milhões de anos-luz, ou seja, estamos a observá-la como ela era há mais de 12 mil milhões de anos. E pensamos que o Universo tem 13,7 mil milhões de anos. Portanto, essa galáxia existe pouco mais de mil milhões de anos após o Big Bang, o que é impressionante. O Universo tem quase 14 mil milhões de anos e nós estamos a observar estruturas já formadas mil milhões de anos após a sua origem. O início do Universo deve ter sido, de facto, muito rico, com acontecimentos muito rápidos cujo conhecimento é o desafio da próxima década. É para isso que estão a ser construídos os grandes telescópios, para ver exactamente estes primeiros mil milhões de anos onde se formaram as primeiras galáxias e estrelas.

  Que instrumentos de observação utiliza na sua investigação?
  Eu tenho estado muito envolvido em observações no rádio exactamente por causa da formação de estrelas estar relacionada com a existência de poeira, e portanto, ser de difícil observação no óptico. Utilizo também telescópios de infravermelhos, por exemplo, o Spitzer, em órbita do Sol, próximo da Terra. Também uso o Hubble, que está em órbita terrestre, o VLT e os restantes telescópios do ESO. Usamos ainda telescópios de raios-X, nomeadamente o Chandra e o XMM, em órbita terrestre. Utilizo vários meios porque é preciso olhar para o céu, detectar as galáxias interessantes, e depois estudá-las em todos os comprimentos de onda possíveis, para termos um conhecimento mais completo.

  Há alguma galáxia, já estudada que tenha características muito parecidas com a nossa Via-Láctea, que tenha um Sistema Solar parecido com o nosso?
  Isso hoje em dia é impossível de dizer. O que se faz actualmente é detectar planetas em torno de outras estrelas, na nossa galáxia mas na vizinhança do Sol. As capacidades técnicas ainda só permitem estudar essas estrelas mais próximas. Em galáxias distantes não conseguimos sequer identificar as estrelas individuais, observamos apenas a totalidade da luz que elas emitem. Por isso é impossível ver se têm planetas ou não.

  Na sua área de investigação qual foi a descoberta mais extraordinária recentemente?
  Posso citar uma pelo grau de interesse que teve, relacionada com estas questões de galáxias com formação de estrelas explosiva. Conseguimos detectar uma galáxia muito vermelha relativamente próxima de nós, mais ou menos a cinco mil milhões de anos-luz (ainda assim observada como era quando o Universo tinha pouco mais de metade da sua idade actual). Conseguimos estudá-la com algum detalhe e constatámos que ela tinha uma formação explosiva de estrelas, quase duas mil vezes superior à da Via-Láctea, o que se deve provavelmente a uma colisão com uma galáxia vizinha (e isto é frequente entre galáxias!). Mas para além disso, possuía também um buraco negro muito activo e também envolto em poeira. A partir de um estudo em vários comprimentos de onda, conseguimos quantificar a formação estelar, a quantidade de poeira que possui e ainda identificar o buraco negro activo. O passo seguinte, e que estamos a fazer do ponto de vista dos raios-X é separar estas duas contribuições. O que é que nesta galáxia é assim tão extraordinário devido ao buraco negro central ou devido à formação de estrelas que pensamos rodear este buraco negro? Esta é uma das galáxias vermelhas mais bem conhecidas actualmente, e sabe-se hoje que existem muitas no Universo.

  Uma vez que ainda se sabe "tão pouco" sobre o nosso Sistema Solar, que importância pode ter o estudo dessas galáxias tão distantes?
  Essa questão coloca-se a vários níveis: também conhecemos pouco a Terra, os oceanos, para quê olhar para o céu? Todas estas coisas têm associadas algo que é universal e que é a vontade de conhecer. Uma pessoa por não saber o que está na casa ao lado, não fica sem curiosidade de saber o que é que está na rua a seguir. Por isso conhecer outras estrelas, outras galáxias ou saber sobre o início do Universo, faz parte dessa sede de conhecimento própria do ser humano. Mas existem benefícios muito práticos nestes estudos sobre galáxias. Estou a referir-me a coisas que se constroem para atingir esse conhecimento, desde telescópios a CCDs. Por exemplo, instrumentos e técnicas desenvolvidas para o telescópio espacial Hubble, no sentido de observar o Universo, estão a ser utilizadas para rastreio de cancros. Isto é possível porque o objectivo é o mesmo, formar imagens muito precisas para estudar objectos que podem ter um brilho muito ténue, sejam eles galáxias ou células de uma pessoa. Uma técnica desenvolvida para a Astronomia pode pois trazer ganhos para áreas como a saúde.

  Que trabalho de investigação tem actualmente entre mãos?
   Existe um projecto, o Great Observatories Origins Deep Survey, que procura usar os telescópios mais poderosos para observar certas zonas do céu em todos os comprimentos de onda, para compreender a evolução das galáxias mais distantes. Eu estou a observar um destes campos no rádio. Já observámos numa das frequências de rádio e estamos agora a observar noutra e a relacionar o que se observa no rádio com o que se observou no óptico e no infravermelho e com o que se está a observar nos raios-X e no infravermelho longínquo. Quanto a resultados, estão a começar a aparecer... temos galáxias que só são detectadas no rádio. Não existem no óptico, não existem no infravermelho e não existem nos raios-X. Então o que é que elas são? Há várias hipóteses... podem ser destas galáxias com formação explosiva de estrelas, mas de alguma forma, muito fracas no óptico, por terem muita poeira, mas aí poderíamos observá-las no infravermelho... não podem ter também um buraco negro muito activo porque não são observadas nos raios-X. É muito esquisito... talvez estejam a uma distância tão grande que óptico, infravermelhos e raios-X não cheguem cá - mas então porque as observamos no rádio? Muitas destas fontes só serão identificáveis quando aparecerem novos telescópios, mais potentes do que os que existem hoje...

  Como editor do boletim, qual é o principal papel deste meio de comunicação?
  O objectivo principal do boletim é divulgar aquilo que se faz em termos de Astronomia, em Portugal junto das escolas e dos estudantes. Quando era mais novo não existia e não havia muitos conhecimentos sobre o que é que se podia fazer em Portugal em Astronomia. O boletim veio colmatar essa lacuna. Pode também ajudar os professores a leccionarem tópicos relacionados com Astronomia e suscitar a curiosidade dos alunos de aprender mais sobre física ou matemática.


Eugénia Carvalho
OAL
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