Página - 1* Eclipse total do Sol de 29 de Março de 2006 2* Usar a Ciência para tornar o país melhor
* Agenda
3* Ao encontro de Vénus
* Um buraco negro... binário
4 5* Estrelas de neutrões 6* Para Observar em Maio
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
* Astro Sudoku
7* O Céu de Maio
* Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
(Versão do Boletim em PDF)

O Sol sob vigilância:
observação das manchas solares

Atenção

A observação do Sol pode ser muito perigosa para a visão, se não for efectuada com as devidas precauções. Tenha este aviso presente ao ler o texto que se segue. Na secção "Observar em segurança" são indicados métodos seguros de observação solar.


A observação das manchas solares é uma actividade relativamente simples, que, realizada de forma sistemática, pode dar conteúdo a aliciantes projectos escolares.

As manchas solares são regiões da fotosfera que apresentam uma aparência escura, por se encontrarem a temperaturas inferiores às que vigoram nas regiões envolventes (Fig. 1). A fotosfera é a camada mais baixa da atmosfera solar (as camadas sobrejacentes são a cromosfera e a coroa, que só podem ser observadas com equipamentos muito específicos). É da fotosfera que provém a maior parte da luz solar que os nossos olhos detectam (antes de serem desenvolvidos instrumentos apropriados, só se podia observar a cromosfera e a coroa durante os eclipses totais do Sol).


Fig. 1 - Manchas solares

As manchas solares não são estruturas permanentes. Aparecem geralmente em grupos, as suas dimensões são variáveis (tipicamente, atingem dimensões máximas da ordem de algumas dezenas de milhares de quilómetros), e podem durar de apenas algumas horas até vários meses. Apresentam uma zona central escura, a umbra, rodeada por uma região mais clara, a penumbra. A temperatura típica da fotosfera é de cerca de 6000º C, enquanto que, numa mancha, a temperatura da umbra ronda os 4500ºC, e a da penumbra os 5200ºC. A umbra emite apenas 30% da luz que é emitida por uma região da fotosfera não afectada por manchas. Apesar de se apresentarem como zonas escuras, as manchas continuam a ser muito quentes, pelos padrões de temperatura a que estamos acostumados na vida quotidiana. São aquelas diferenças que explicam a sua aparência.

O número de manchas varia periodicamente, em ciclos com duração aproximada de 11 anos. Esta variação está associada a um ciclo de inversão da polaridade magnética do Sol, que tem a duração de 22 anos; o padrão magnético solar repete-se após dois ciclos de manchas. Estas estão associadas a campos magnéticos de alta intensidade. Por vezes ocorrem tempestades solares que se caracterizam pela libertação de grandes quantidades de radiação e partículas. Ao interagirem com o campo magnético terrestre, estas partículas levam à ocorrência de auroras boreais, e induzem perturbações na operacionalidade dos satélites, nas telecomunicações e na distribuição de energia eléctrica. Estes fenómenos são designados por tempestades magnéticas. A última grande tempestade magnética verificou-se em 1989, quando eram visíveis manchas solares de avultadas dimensões. O mais recente pico de actividade solar teve lugar em 2000-2001. Presentemente, estamos num período de actividade mínima, mas prevê-se que as manchas do novo ciclo comecem a surgir no final deste ano ou em 2007. Estudos recentes sugerem que este novo ciclo será mais forte do que aquele que agora termina.

Note-se que os ciclos solares não são isentos de irregularidades. O estudo dos registos históricos levou Walter Maunder (1851-1928) a concluir que entre 1645 e 1715 não foram observadas manchas. Este período é hoje designado por mínimo de Maunder. Coincidiu com um período de temperaturas médias mais baixas e Invernos rigorosos, designado por Pequena Era Glaciar. Um tema de investigação fascinante consiste precisamente nas relações entre a actividade solar e as alterações climáticas na Terra.

É frequente ler-se e ouvir-se que foi Galileu Galilei (1564-1642) que descobriu as manchas solares, o que é historicamente incorrecto. A mais antiga (ainda que apenas plausível) descrição de manchas solares data de cerca de 800 a. C., e foi efectuada por astrólogos chineses. O monge inglês John of Worcester deixou-nos um desenho de duas manchas solares alegadamente observadas em 8 de Dezembro de 1128. Este é o mais antigo registo pictórico de manchas solares de que se tem conhecimento. A sua observação antes da era do telescópio (este instrumento apareceu cerca de 1608) nada tem de extraordinário. Por vezes, as manchas atingem dimensões tais que se tornam visíveis à vista desarmada (aconteceu, por exemplo, em 1989), sobretudo se houver nevoeiro ou neblina, e se o Sol se encontrar próximo do horizonte.

Mas faça-se a devida justiça a Galileu. Em 1612, o cientista italiano serviu-se dos seus telescópios para observar as manchas solares (ainda que seja dúbio ter sido ele o primeiro a fazê-lo). Registou sistematicamente posição das manchas, o que o levou a descobrir que o Sol descreve um movimento de rotação, completando um ciclo em cerca de 4 semanas. Implicitamente, ficou demonstrado que as manchas estavam efectivamente associadas ao Sol, o que constituía objecto de discussão. Longe de ser trivial para a época, esta associação desafiava a concepção cosmológica aristotélica, segundo a qual os objectos celestes seriam perfeitos e imutáveis (v. O Observatório de Março de 2005).

Em 1843, Heinrich Schawbbe (1789-1875) descobriu o já referido ciclo de 11 anos. Em 1859, Richard Carrington (1826-1875) demonstrou que o Sol descreve um movimento de rotação diferencial, isto é, que não gira como se fosse um corpo rígido, verificando-se que as regiões equatoriais giram mais rapidamente do que as regiões polares. Em 1908, George E. Hale (1868-1938) estabeleceu a associação entre manchas solares e campos magnéticos de alta intensidade. Em 1960, Horace Babcock (1912-2003) propôs um modelo baseado na rotação diferencial e na convecção da fotosfera, para explicar o ciclo magnético solar de 22 anos.

Em 1995 foi lançada a sonda SOHO (Solar and Heliospheric Observatory), operada conjuntamente pelas agências espaciais europeia (ESA) e norte-americana (NASA). Graças à SOHO tem sido possível fazer uma monitorização intensiva da actividade solar. Imagens actualizadas (em diferentes comprimentos de onda) podem ser vistas diariamente no sítio http:// sohowww.nascom.nasa.gov.

Observar em segurança


Fig. 2 - Solarscope

O solarscope é o instrumento didáctico de observação solar por excelência (Fig. 2). De baixo custo, seguro fácil de utilizar, permite que várias pessoas possam, simultaneamente, observar uma imagem projectada do Sol. Há modelos especialmente dirigidos às escolas, que são acompanhados de um caderno de actividades didácticas e de alguns acessórios, entre os quais um ecrã especial para registar as manchas. Se se usar um telescópio, o método mais seguro é o da projecção (Fig. 3), que consiste em projectar a imagem solar num ecrã, à semelhança do que acontece num solarscope. Também neste caso se pode colocar uma folha sobre o ecrã e desenhar as estruturas solares. No caso de telescópios com aberturas superiores a 50 mm, deve-se ter o cuidado de reduzir a abertura por meio de um diafragma, de modo a evitar o sobreaquecimento dos componentes ópticos. Para saber mais sobre observação solar segura, para fins educativos, consulte http://www.oal.ul.pt/vt2004 (secção "Segurança") e http://solarcenter. stanford.edu/observe (páginas em inglês).


Fig. 3 - Observação do Sol pelo método de projecção

Ao registar as observações, dever-se-á prestar atenção à quantidade, distribuição/localização e aspecto/dimensões das manchas, bem como à orientação espacial da imagem solar. Uma actividade interessante (exequível mesmo com alunos do ensino básico, mas de preferência numa época de grande actividade solar) consiste em estudar a rotação solar, com base em registos sucessivos das posições das manchas. Uma outra possível actividade, esta mais adequada a alunos do ensino secundário, consiste em comparar os registos das manchas com imagens da coroa solar em raios X, obtidas nas mesmas datas (as imagens em raios X podem ser descarregadas do sítio da SOHO), e averiguar a existência de correlações entre manchas e zonas de actividade solar. Também se poderá incentivar os alunos a pesquisar notícias sobre tempestades magnéticas. A realização destes trabalhos em rede, envolvendo diferentes escolas, será ainda mais estimulante. Os trabalhos efectuados podem ser comunicados à equipa da SOHO (através do sítio já referido) e eventualmente reportados nas suas páginas (v. secção "Outreach spotlight"). Para os professores que gostariam de realizar actividades sobre o Sol, mas que não dispõem das condições necessárias para efectuar observações sistemáticas com os alunos, é de salientar que no sítio da SOHO são sugeridas outras actividades didácticas, com base em imagens recolhidas pela própria sonda.

Pedro Raposo
OAL
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