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* Analisando os fósseis... de grupos de galáxias
4 5* Astronomia Forense - A justiça dos astros 6* Para Observar em Junho
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
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7* O Céu de Junho
* Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
(Versão do Boletim em PDF)

"Ainda não se descobriu um planeta como a Terra"

Nuno Santos confessa que desde sempre teve a "pancada" de gostar de "coisas que estavam um bocadinho mais distantes" e daí a uma carreira académica em Astronomia foi um pequeno passo. Concluído o Mestrado, rumou até Genebra, na Suíça, onde se doutorou na área de planetas extra-solares.
Desde 1998 que integra a equipa de Michel Mayor e Didier Queloz, os responsáveis pela descoberta de metade dos 180 planetas extra-solares encontrados até ao momento fora do nosso Sistema Solar.
Actualmente a trabalhar no Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa (CAAUL), gostaria de aí formar um grupo de investigação na sua área. Devido à actual situação da Ciência em Portugal, para Nuno Santos o futuro é uma incógnita, daí que não refute a hipótese de regressar ao estrangeiro, caso a sua situação profissional não se decida.


 

Como é que se processa a descoberta de planetas, fora do Sistema Solar?


Nuno Santos, investigador no CAAUL.

A técnica que se usa mais no Observatório de Genebra e na qual eu estou mais envolvido, é a técnica das velocidades radiais. Esta técnica consiste em medir o efeito gravitacional que o planeta tem na estrela, ou seja, quando uma estrela tem um planeta, não vai ser o planeta a orbitar a estrela, nem a estrela a orbitar o planeta. Na verdade, eles andam os dois em torno de um ponto intermédio, que se chama "centro de massa". Este está entre os dois, mas mais perto da estrela, porque esta tem mais massa, logo, pelas leis da Física, qualquer corpo que tenha massa atrai outro corpo. Se uma estrela tiver um planeta, ela vai rodar em torno desse ponto intermédio. Se nós formos capazes de medir a velocidade com precisão suficiente, podemos ver que essa estrela, ora se afasta de nós, ora se aproxima. Significa que a sua velocidade varia de forma periódica e o que nós fazemos é medir a velocidade das estrelas. Como? Apontamos um telescópio a uma estrela, obtemos um espectro da mesma e vemos se o espectro está mais azul ou mais vermelho do que deveria estar, isso devido ao efeito de Doppler. Segundo esta teoria, se um objecto se está a afastar de nós a luz fica mais vermelha, quando se aproxima fica mais azul.


Mas dessa forma, não obtêm nenhuma imagem desse planeta?

Não, não é possível ainda observar directamente nenhum desses planetas...


Segundo notícias recentes foi descoberto um planeta semelhante à Terra. Se ainda não se consegue observar esse planeta, como é que se pode concluir que este é semelhante à Terra?


Medidas da velocidade radial da estrela Gl581 em função da fase orbital. A variação periódica observada na velocidade é induzida pela presença de um planeta com apenas 17 vezes a massa da Terra (aproximadamente a massa de Neptuno). Cortesia de Xavier Bonfils (CAAUL).

Porque nós sabemos a massa do planeta (nalguns casos), ou pelo menos temos alguma ideia sobre a massa do planeta. Hoje já se descobriram planetas que têm 5 a 10 vezes a massa da Terra. São planetas muito pequenos, porque até há bem pouco tempo só se tinham descoberto planetas gigantes, como Júpiter. E Júpiter tem cerca de 300 vezes a massa da Terra. No caso dos planetas mais pequenos, podemos dizer que têm uma massa 10 vezes maior do que a Terra, mas que estão muito perto da estrela, não estão tão longe da estrela como a Terra está do Sol. Estão muito perto, porque a técnica permite detectar mais facilmente esses planetas. Mas não sabemos mais nada sobre o planeta...


Como são "baptizados" esses novos planetas, quem lhes dá um nome e com base em quê?

Os planetas estão todos na nossa galáxia, quase todos estão em estrelas na vizinhança do Sol. São tudo planetas à volta de estrelas muito perto de nós. A opção é não dar nenhum nome particular, porque nós não vemos o planeta, a única coisa que vemos é a estrela, e portanto, o que faz sentido é dizer que é o planeta que anda à volta da estrela X. E as estrelas têm nome, números de catálogo. Normalmente é o catálogo de Henry Drapper, vulgarmente conhecido por HD. O que se faz depois é dar ao primeiro planeta que se descobre em torno de uma estrela o número da estrela com a letra "b". O segundo será um "c", e por aí sucessivamente. Por exemplo, o primeiro planeta descoberto em torno da estrela HD82943 é o HD82943b.


Havendo ainda tanto por descobrir sobre o nosso Sistema Solar (e ainda recentemente foi descoberto um "suposto" novo planeta, Sedna), que interesse há em descobrir planetas fora do nosso Sistema Solar?

Eu diria que uma coisa não impede a outra. Descobrir outros planetas ajuda-nos a compreender como é que o nosso próprio Sistema Solar se formou. Até 1995 só conhecíamos o nosso Sistema Solar. Havia teorias que explicavam como é que se tinha formado. A partir do momento em que se descobriram outros, chegou-se à conclusão que as teorias não estavam completas, teríamos que juntar outras coisas para conseguir explicar como é que se formam os planetas. Estas descobertas ajudaram-nos a compreender como é que o nosso próprio Sistema Solar se formou. Quantos mais exemplos tivermos, melhor compreenderemos como é que os planetas, os sistemas planetários se formam. Depois há uma segunda razão, pois nós queremos saber se existem outros sistemas planetários ou se nós somos o único. O objectivo final é saber se existe Vida nesses outros planetas, mas sendo o fim de toda a investigação, ainda estamos um "bocadinho" longe desse objectivo, porque ainda não se descobriu um planeta como a Terra, que possa ter Vida. E não vai ser fácil. A tecnologia disponível ainda não o permite...


Qual o principal desafio da sua investigação?

O desafio é descobrir planetas cada vez mais pequenos, parecidos com a Terra.



Ilustração de um planeta gigante extra-solar a orbitar a estrela HD209458. Cortesia de Greg Bacon (STScI/AVL).

Actualmente está a trabalhar em quê?

Estou a estudar uma série de estrelas que têm planetas que as transitam, ou seja, que passam à frente das estrelas. Desta forma conseguiu-se medir a diminuição de brilho quando um planeta passa à frente. Isto permitiu determinar com grande precisão o raio, a massa e a densidade do planeta. Permite dar um passo à frente no estudo do próprio planeta. Para além disso, tenho trabalhado também no estudo das estrelas em si, em particular, estudo as propriedades químicas das estrelas e as suas idades.


Estamos ainda a "anos-luz" de conseguir uma imagem de algum desses planetas?

Não, não estamos assim tão longe. Há vários projectos para isso, alguns deles para os próximos anos, inclusive com instrumentos actuais. São instrumentos que permitem obter imagens com grande, grande resolução, com grande nitidez. Tudo isto para dizer que estamos no bom caminho, daqui a uns anos, já vamos ter qualquer coisa.


Em termos de investigação, a Astronomia ainda é muito recente em Portugal. A descoberta de planetas extra-solares tem-se desenvolvido no nosso país?

Neste momento em Portugal, a trabalhar neste campo de investigação existem 3 pessoas. Em Portugal a Astronomia é uma área recente, não há pessoas suficientes e por isso falta gente para que as coisas se possam desenvolver mais.


Na sua opinião, qual o principal problema da Astronomia portuguesa?

Actualmente há todas as condições físicas, tanto no CAAUL, como noutros centros em Portugal, há condições materiais, mas falta gente e sem gente não se consegue fazer ciência de ponta e o país perde competitividade a nível internacional.



Se há condições, porque é que muitos jovens "fogem" da Ciência?

Não é por culpa da Astronomia, de certeza, já que a Astronomia é uma área que chama muitos jovens. Basta ir a uma escola secundária dar uma palestra e vê-se a quantidade de jovens fascinados pela Astronomia e que perguntam o que fazer para serem astrónomos. A Astronomia tem essa virtude. Há muitos doutorados em Astronomia por esse mundo fora, alguns deles portugueses, mas não lhes dão condições para eles quererem vir, ou seja perspectivas de uma carreira. Não é preciso que lhes dêem uma posição permanente, acabado o doutoramento, mas que lhes dêem um contrato como em tantos outros países da Europa, não tendo que ser uma bolsa. Sendo um contrato é outra estabilidade. Algo que permita à pessoa planear a sua vida e desenvolver um bom trabalho, com estabilidade, durante os anos de contrato.


Desse modo, como vê o futuro dos astrónomos em Portugal?

É difícil de dizer, tudo depende. Há muita gente no estrangeiro com doutoramento concluído há pouco tempo e tudo isso foi pago por Portugal. Essas pessoas agora ou estão em Portugal com bolsas ou ficaram no estrangeiro em pós-doutoramentos. E eu penso que se não for feita alguma coisa, com alguma rapidez, muitas vão ficar no estrangeiro ou vão deixar a Ciência, em particular, a Astronomia. Significa que todo o investimento que o Estado português fez para formar essas pessoas vai ser deitado fora. O futuro vai depender da resolução desse problema: vamos continuar a dar só bolsas, ou arranjamos maneira de criar perspectivas, ou contratos individuais de trabalho, ou qualquer coisa que não seja temporário e que permita alguma estabilidade para desenvolver um trabalho sério e com continuidade, sem estar dependente de uma renovação da bolsa todos os anos, correndo o risco de ter de se ir embora.


Pondera regressar para Genebra, caso isso não se concretize?

Sim, provavelmente sairei de Portugal...


Onde gostaria de estar nos próximos 10 anos?

Do ponto de vista profissional, gostaria de estar em Portugal e de pertencer a uma equipa de investigação na área de planetas extra-solares, participando de forma activa em projectos internacionais, quer de construção de instrumentos, telescópios, mas com alguma estabilidade para se poder trabalhar e desenvolver um óptimo trabalho.


De que forma a investigação em planetas extra-solares pode ajudar a desenvolver essa construção de instrumentos?

A área dos planetas extra-solares é das investigações que neste momento mais "chama" recursos. Porque de um modo geral, as pessoas querem saber se existem mais planetas, se existe Vida e por isso há muito dinheiro que vem para esta área (mas não necessariamente em Portugal). Há muitos projectos de instrumentos e de satélites que vão ser dedicados à procura e estudo de planetas extra-solares.


E há a possibilidade de Portugal vir a participar nesses projectos?

Sim, há todas as possibilidades... basta que haja gente e que haja dinheiro para podermos participar. Se houver empresas dispostas a patrocinar esses projectos, então, ainda melhor. Do ponto de vista puramente científico, precisamos de pessoas. Já descobriu muitos planetas fora do Sistema Solar.


Já descobriu muitos planetas fora do Sistema Solar. O que é que gostava de descobrir no nosso Sistema Solar, mais precisamente na Terra?

Gostava de descobrir um governo que tomasse consistentemente medidas de longo prazo, para todo o país.

Eugénia Carvalho
OAL
© 2006 - Observatório Astronómico de Lisboa