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Observar "chuvas de estrelas"

O que são as "chuva de estrelas"?

Na edição de Abril, estas páginas centrais foram dedicadas à colisão de objectos provenientes do Espaço com a Terra. Desta vez centramo-nos nos meteoros, ou, em linguagem popular, "estrelas cadentes". Recorde-se que se atribui a designação de meteoro ao rasto luminoso que se pode observar no céu quando um meteoróide (um corpo com dimensões entre 0.01 milímetros e 10 metros) se desintegra na atmosfera terrestre, tipicamente a cerca de 90 quilómetros de altitude.

Durante muito tempo, os meteoros foram considerados como fenómenos puramente atmosféricos, daí que ainda hoje se empregue o termo "meteorologia" para designar o estudo de tais fenómenos.

Em média, num ano típico (isto é, sem impactos de corpos de grandes dimensões), 75 mil toneladas de material proveniente do Espaço atingem a atmosfera terrestre, pelo que os meteoros ocorrem com bastante frequência (as taxas de meteoros esporádicos situam-se, tipicamente, entre 5 e 10 por hora). No entanto, há certas épocas do ano em que não só se observa um maior número de meteoros (até taxas de 100 por hora), como estes parecem ser provenientes de uma determinada região no céu. Trata-se dos enxames de meteoróides, ou, na linguagem popular, "chuvas de estrelas". Os meteoróides são essencialmente produtos da desintegração de cometas e asteróides, ainda que uma pequena percentagem possa ter origem inter-estelar. No caso de um enxame de meteoróides, todos os objectos são provenientes de um mesmo corpo, geralmente um cometa. Os meteoróides distribuem-se ao longo da trajectória do seu corpo de origem. Quando a Terra, no seu movimento anual em torno do Sol, cruza essa trajectória, muitas partículas entram na atmosfera terrestre, daí que, por essa altura, sejam eventualmente visíveis numerosos meteoros. Sublinhe-se "eventualmente", pois nem sempre uma "chuva de meteoróides" se traduz na espectacularidade que é, por vezes, anunciada na comunicação social (como aconteceu em Agosto de 1993 em Portugal, a propósito das Perseidas).

Fig. 1 - As Leónidas de 1998, numa imagem de todo o céu obtida no Observatório Modra (Eslováquia). Pode-se observar que os meteoros parecem ser provenientes de uma mesma região no céu.

No entanto, é certo que se têm verificado, episodicamente, "tempestades de meteoros". Tratam-se de "chuvas" de especial intensidade, com grande número de meteoros, que ocorrem poucas vezes por século e duram apenas algumas horas. Constituem bons exemplos as Leónidas de 1833, em relação às quais os cientistas constataram, pela primeira vez, que o ponto de origem dos traços luminosos parecia estar fixo em relação às estrelas. Com esta tempestade, que teve especial impacto nos EUA, inaugurou-se a ciência dos meteoros. Mais tarde, em 1867, o astrónomo italiano Giovanni Schiaparelli (1835-1910) desvendou a relação entre as Perseidas e o cometa Swift-Tuttle. Subsequentemente, foram estabelecidos os corpos de origem para muitos outros enxames. Em 1966, as Leónidas manifestaram-se com uma tempestade que atingiu a taxa horária de 200 mil meteoros, por um período de 40 minutos. Em Portugal, causou especial impressão uma tempestade de meteoros observada em 1933. Tratava-se das Dracónidas, que nesse ano produziram uma chuva espectacular, com o número médio de meteoros por hora a atingir os 20 mil. Estas tempestades devem-se à existência de feixes de meteoróides muito compactos e estão frequentemente associadas à passagem recente do cometa de origem. Foi o que suscitou, em 1993, a grande expectativa em torno das Perseidas - gorada, diga-se, pelo menos para o grande público - pois o cometa Swift-Tuttle passara no periélio em Dezembro de 1992. No entanto, como se viu, não só isto não garante a ocorrência de uma tempestade, como estas podem ocorrer quando o corpo de origem dos meteoróides se encontra muito afastado.

Os rastos luminosos que se podem observar no céu por altura de um enxame resultam da interacção dos meteoróides com a atmosfera terrestre, na qual penetram a velocidades da ordem de várias dezenas de quilómetros por segundo. A superfície do meteoróide começa por ser aquecida pelo impacto das moléculas da atmosfera. Quando a sua temperatura superficial atinge valores situados entre 2500 e 2900ºC, o meteoróide começa a perder massa. Este fenómeno pode dar-se mediante três processos distintos, ainda que, eventualmente, simultâneos: fusão, volatilização e fragmentação. O material que se liberta do meteoróide forma, juntamente com o ar, um invólucro gasoso que emite radiação. É esta a responsável pelo fenómeno visível a que se dá a designação de "meteoro" e que, tipicamente, tem uma duração compreendida entre 0.1 e 10 segundos (a duração média situa-se nos 0.3 segundos).

Os meteoróides de um enxame descrevem trajectórias paralelas (v. Fig 1), daí que, quando estas são traçadas numa carta celeste, se intersectem num ponto designado por radiante, do qual todos parecem ser provenientes. As chuvas de estrelas recebem o nome da constelação na qual se encontra o radiante. Por exemplo, as Perseidas têm o seu radiante na constelação de Perseu, enquanto o radiante das Leónidas se localiza, como imediatamente se depreende, na constelação do Leão.

Os meteoróides constituem amostras dos seus corpos de origem (cometas e asteróides) e são, por isso, "documentos" importantes para a história e evolução do Sistema Solar. A abordagem científica dos meteoróides visa a caracterização das suas dimensões, propriedades mecânicas e composição química, bem como a determinação da sua abundância e distribuição no Sistema Solar. A observação anual da actividade dos enxames de meteoróides fornece informação relativa à sua distribuição nas órbitas dos cometas e, por conseguinte, aos processos de ejecção de material a partir destes corpos.

Quadro 1 - Principais enxames de meteoróides. Para mais informações consultar www.oal.ul.pt (secção Almanaques Outros elementos).

Quando se dão as principais "chuvas de estrelas"?

No Quadro 1 (retirado da publicação do OAL "Dados Astronómicos para os Almanaques em Portugal em 2006", com versão on-line em www.oal.ul.pt), são apresentados os principais enxames de meteoróides. Os enxames com maior número médio de meteoros por hora têm o nome assinalado a negrito. De entre os enxames deste mês e do próximo, merecem destaque as Leónidas, que têm o seu máximo em 18 de Novembro.

Como observar e o que fazer com as observações?

Há alguns aspectos básicos que devem desde logo ser tidos em consideração. Em primeiro lugar, o local de observação. Este deve ser, tanto quanto possível, afastado dos grandes centros urbanos e livre de poluição luminosa. Observadores que se iniciam e procuram o estímulo de uma sessão observacional compensadora, devem escolher a data do máximo do enxame respectivo. Devido ao movimento da Terra, as melhores horas para efectuar a observação são as que precedem o amanhecer, já com a noite bem avançada. Recomenda-se atenção ao conforto - uma cadeira reclinável será uma boa opção. Igualmente deve-se prestar atenção à escolha dos agasalhos adequados, mesmo nos meses mais quentes, uma vez que as observações devem ser feitas antes do amanhecer. Um registo essencial para a elaboração de qualquer relatório observacional consiste nas horas a que se fazem as observações. Quem pretenda submeter as suas observações ou confrontá-las com as de observadores estrangeiros deve, preferencialmente, indicar as horas em Tempo Universal (em Portugal Continental, subtrai-se uma hora no período da hora de Verão; a hora de Inverno coincide com o TU). Também é útil o conhecimento das coordenadas geográficas (mesmo que aproximadas) do local de observação.

Uma actividade simples consiste em contar o número de meteoros por hora. Observadores com alguma experiência e conhecimento da posição das constelações e estrelas mais brilhantes podem munir-se de uma carta do céu e procurar traçar trajectórias de meteoros observados, de modo a conferir a posição do radiante, isto é, o ponto em que as trajectórias se intersectam.

Quem pretenda contribuir com os seus dados para programas observacionais mais avançados e amplos encontrará, no sítio da American Meteor Society (http://www.amsmeteors.org) vários formulários de observação e respectivas instruções.


O autor agradece os elementos fornecidos pela Dr.ª Alfredina do Campo.

Pedro Raposo
OAL
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