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(Palestra do Mês)

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Princípios Antrópicos (continuação do número anterior)

Orfeu Bertolami orfeu@cosmos.ist.utl.pt

Finalmente Frank Tipler em 1982 sugere por sua vez uma versão teleológica (Princípio Antrópico Teleológico):
O processamento inteligente de informação deve emergir no Universo e quando este vier a existir ele nunca deve cessar.

Todas estas versões do Princípio Antrópico Fraco, princípio este que é apenas constatativo, visam estabelecer as hipóteses a partir das quais consequências podem ser extraídas e posteriormente observadas. Naturalmente, os Princípios Antrópicos não constituem uma teoria, e reflectem e operacionalizam a nossa ignorância dos factores últimos que deram origem ao Universo observável e à sua característica de ser compatível com a evolução da vida inteligente. Apesar do desconhecimento das condições iniciais, podemos contudo imaginar explicações para a extraordinária propriedade do Universo ser compatível com a vida. Como o conjunto de condições iniciais envolvidas é extremamente especial e improvável a partir da situação onde todas as leis da física e constantes fundamentais da natureza são possíveis, as hipóteses mais plausíveis assumem, por exemplo, que o Big-Bang deu origem a infinitos universos independentes uns dos outros e com leis físicas distintas, onde nalguns dentre estes as leis da física e constantes físicas são compatíveis com o aparecimento da vida.

Alternativamente, as leis da física e constantes da natureza poderiam, num único Universo, evoluir no sentido biológico e teleológico de modo a admitirem a vida em certas regiões. O físico John Wheeler propoe que esta variação das constantes fundamentais da natureza poderia ocorrer após o recolapso do Universo, o chamado "Big-Crunch", tal que o subsequente novo Big-Bang "reprocessaria" as leis da física; recentemente Lee Smolin sugeriu uma versão desta ideia onde não é necessário o recolapso de todo o Universo, uma vez que este reprocessamento pode ocorrer quando do colapso de estrelas e formaçãodos buracos negros. Claramente, estas propostas são algo inquietantes, pois parecem ser à primeira vista metafísicas e estão, de qualquer forma, longe do princípio de economia de entidades conceptuais que os físicos teóricos tanto preferem quando da construção de teorias.

A multiplicação de universos e a variação de quantidades que na física usual são constantes é para muitos um preço demasiado caro a pagar. Contudo, tais características podem na verdade emergir da física quântica, que em última instância rege os fenómenos microscópicos e que, quando do Big-Bang, foram dominantes também ao nível da gravitação (é costume referir esta fase como o período da gravidade quântica). De facto, nos cenários de unificação das interacções fundamentais da natureza mais avançados que englobam também a interacção gravitacional, logo após os primeiríssimos instantes depois do Big-Bang, o próprio espaço-tempo esteve sujeito a violentas flutuações e, neste processo, múltiplos pequenos universos foram então criados, outros tantos destruídos e alguns (como o nosso) expandiram-se vindo a admitir condições favoráveis ao aparecimento da vida. Assim, o facto do nosso Universo ter leis da física que admitem a vida é apenas o reflexo de um sem fim de "tentativas falhadas", isto é, universos estéreis e um outro grande número de universos com condições não de todo diferentes das que prevalecem no nosso Universo. É importante notar que a consistência das teorias físicas envolvidas exige que estes universos sejam independentes e mutuamente exclusivos. Estas hipóteses são todas plausíveis aos olhos dos físicos, porém, é necessário ainda atingir um melhor entendimento das implicações mais salientes de tais cenários de modo a poder-se estabelecer o conjunto de observações que os possam distinguir.

Possívelmente para os biólogos, a ideia de um Universo onde as leis da física, elas mesmas, evoluam pode ser mais atraente, mesmo porque foi neste âmbito que o bioquímico americano Lawrence Henderson discutiu pela primeira vez em 1913 a extraordinária dependência da vida nas propriedades físico-químicas da água. As suas ideias foram contudo rejeitadas pela maior parte dos biólogos que argumentavam que os organismos estão adaptados aos seus ambientes por seleção natural e não o contrário.

Naturalmente, estas discussões são apenas tentativas de se entender como o Universo se organiza e não interferem com a observação de que, por exemplo, a presença de água está, com grande probabilidade, associada com a potencial existência da vida. É precisamente este facto que reveste com especial interesse as observações da crosta gelada do satélite Europa também efectuadas pela sonda Galileu, precisamente porque sob esta crosta deve existir muito provavelmente água no estado líquido e talvez alguma forma de vida. As descobertas da sonda Galileu evidenciam também que a vida pode existir também em satélites de grandes planetas e não está exclusivamente associada aos planetas, estendendo assim de forma considerável as regiões às quais os planetólogos costumam chamar de "zona habitável"; estas compreendem um conjunto de condições favoráveis ao aparecimento da vida, tais como temperaturas no intervalo de 0oC a 120oC (a possibilidade de temperaturas tão elevadas como a indicada deve-se à relativamente recente descoberta das arqueobactérias), atmosfera estável e inicialmente redutora, tectonismo moderado, presença de campos magnéticos e, naturalmente, de água no estado líquido.

Prof. Dr. Orfeu Bertolami



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