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(Palestra do Mês)

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Enxames Globulares

Nuno Miguel Santos
nuno@astro.c.fc.ul.pt

A teoria cosmológica mais aceite diz-nos que o Universo teve origem numa "explosão", usualmente chamada de Big Bang. De início tinhamos um Universo homogéneo. No entanto, a dada altura apareceram pequenas variações de densidade que, por acção da gravidade, foram dando origem a regiões mais densas, originando as galáxias hoje observadas.

A forma como se formaram as galáxias não é completamente conhecida. Em particular, os detalhes do processo continuam um mistério, havendo, por exemplo, discussão sobre quanto tempo terá demorado a nossa Galáxia (a Via Láctea) a formar-se, ou se esta se formou essencialmente a partir de uma ou mais nuvens de gás, que se foram agregando gravitacionalmente.

Uma chave para a resolução destes mistérios está nos enxames globulares. Um enxame globular é um conjunto extremamente compacto e esfericamente simétrico de estrelas. Alguns chegam a ter cerca de 1 milhão de estrelas, num raio de poucos anos-luz. Encontram-se distribuidos de forma esférica em torno do centro da Via Láctea, extendendo-se até aos limites desta, e terão sido dos primeiros habitantes da Galáxia. Assim, o conhecimento das idades destes objectos, tal como o intervalo de tempo que demoraram a formar-se e as composições químicas das suas estrelas ajudam-nos a desvendar alguns dos mistérios da formação da Galáxia. Por outro lado, o conhecimento da idade destes dará igualmente um limite inferior para a idade do Universo, permitindo aos cosmólogos confirmar (ou não) os modelos cosmológicos actualmente aceites.

Como podemos então determinar a idade dos enxames globulares? Na fase "adulta", uma estrela queima hidrogénio no seu centro, transformando-o gradualmente em hélio, naquela que é a fase mais longa e estável da sua vida. Quando este combustível termina (na zona do seu núcleo), a estrela deixa de ser estável: contrai-se, e a temperatura no núcleo aumenta até que neste se inicia a combustão do Hélio (o que só sucede para estrelas com massa superior a cerca de 0,1 vezes a massa do Sol). Nessa altura a estrela muda o seu brilho e a sua cor. Deste modo, estudando o brilho intrínseco, a cor e a composição química de uma estrela, é possivel atribuir-lhe uma idade. Não é fácil, porém, medir estas grandezas com o rigor desejado, muito em particular devido à medição da distância a que a estrela se encontra, e às simplificações que os modelos de evolução estelar utilizam. Usando Enxames Globulares este problema é minimizado, já que estes constituem conjuntos de estrelas nascidas todas da mesma nuvem gasosa inicial, o que implica uma mesma idade e composição química. Além disso encontram-se todas à mesma distância. A única diferença entre as estrelas de um enxame é a massa: teremos num enxame globular estrelas com um grande leque de massas, de um ao outro extremo da escala, e em que as estrelas de maior massa evoluem mais rapidamente que as menos massivas.

Ora, à luz dos modelos, a diferença entre os brilhos absolutos das estrelas em diferentes fases da sua evolução(que é equivalente à diferença entre os brilhos observados, visto que as estrelas de um dado enxame se encontram todas à mesma distância), é um bom indicador da idade. Assim, o problema da medição do brilho intrínseco (ou magnitude absoluta) de uma estrela, que implica o conhecimento da distância, deixa de se colocar, o que permite escapar ao grande problema das medições de distâncias em astrofísica. É no entanto necessário comparar as observações com os modelos teóricos. Ou seja, se observamos uma dada distribuição de estrelas num enxame, para estimar a sua idade temos de comparar com os modelos, que nos dizem, para uma dada idade, quais as populações relativas de estrelas que podemos encontrar. Embora este procedimento resolva grande parte dos problemas, é importante frisar que existem outros que retiram a precisão desejada às nossas estimativas. Em particular, a falta de precisão dos modelos de evolução estelar, que têm inúmeras dificuldades em prever as características de algumas estrelas para certas fases da sua vida, condiciona a determinação das idades dos enxames globulares.

Enfrentando estas dificuldades, os astrónomos têm conseguido fazer estimativas para as idades destes objectos. Os resultados mais recentes parecem indicar que o conjunto de enxames globulares da Via Láctea se formou há cerca de 11,5 mil milhões de anos. Existe no entanto uma dispersão nas idades, sugerindo que a sua formação se deu durante um intervalo de pelo menos 2 mil milhões de anos. Por outro lado, verifica-se existir uma correlação entre a idade dos enxames e a sua composição química, no sentido em que as estrelas dos enxames mais recentes têm uma maior percentagem de elementos pesados. Verifica-se ainda que não existe nenhuma relação entre a idade e a distância ao centro da galáxia. Tais dados mostram que o colapso ter-se-à dado de uma forma lenta, o que vem de encontro aos modelos mais aceites, que advogam que, à medida que a nossa galáxia se formava, foi "absorvendo" outras pequenas galáxias e nuvens de gás. Esse é, por exemplo, o caso das Nuvens de Magalhães, que se pensa estarem aos poucos a ser absorvidas pela Via Láctea. Além disso, este valor para a idade dos Enxames Globulares implica, para a constante de Hubble, um valor Ho 67 km s-1 Mpc-1 o que está de acordo com o modelo preferido dos cosmólogos de um Universo "aberto".

Oaspecto do enxame globular M3.

Nuno M. Santos



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