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Sistemas Múltiplos.

Duas estrelas "unidas" pela sua gravidade mútua e revolucionando em torno uma da outra chamam-se estrelas duplas.

Quando se fala de estrelas duplas, muitas vezes inclui-se neste grupo as chamadas duplas ópticas que não constituem sistemas físicos uma vez que o seu alinhamento é mera coincidência: na verdade, são estrelas que se encontram a distâncias bastante diferentes mas que, por efeitos de projecção, parecem estar muito próximas uma da outra. O exemplo mais conhecido é o de Mizar e Alcor ( Zeta Ursae Majoris e 80 Ursae Majoris). Enquanto Mizar se encontra a 78 anos-luz de nós, Alcor está a uma distância de 81 anos-luz, pelo que não é possivel que estejam gravitacionalmente ligadas entre si.

As estrelas gravitacionalmente ligadas chamam-se duplas físicas ou binários, sendo este último termo também utilizado para identificar sistemas triplos ou de ordem superior.

Se ambas as estrelas forem visíveis, podemos delinear o seu movimento orbital através da sua observação ao longo de um período muito extenso de tempo, que nos permitirá inferir a inclinação da órbita relativamente à nossa perspectiva de observação, bem como a duração do período orbital (P).

Com estes dados, tendo uma medida concreta da separação entre as duas estrelas (a) podemos inferir a massa total do sistema (M1+M2) usando a versão revista por Newton da 3a Lei de Kepler (onde G é a constante gravitacional)

P2 = 4pi2 G(M1 + M2) a3
Calculada a massa do sistema é possível, sabendo a distância ao centro de massa de cada um dos componentes, medida pelo semieixo maior, calcular a massa individual de cada um deles pois tem-se (ver Figura 1)
M1r1 = M2r2 com r1+r2 = a
Os sistemas binários em que é possível observar as duas estrelas componentes do sistema chamam-se binários visuais. O primeiro binário visual a ser descoberto com telescópio foi o sistema de Mizar em 1650, por Giovanni Riccioli. O sistema de Mizar revela-se ainda mais complexo quando se analisam os espectros da radiação emitida pelos dois componentes do sistema.

Fig.1 Centro de massa de um sistema binário. Ambas as estrelas (M1 e M2) se movem em órbitas elípticas em torno do centro de massa. A estrela de maior massa é a que tem a órbita de menor raio (por efeito da gravidade).
De facto, verifica-se que as riscas espectrais características associadas aos constituintes químicos existentes na fotosfera das estrelas surgem, nos dois componentes do binário visual de Mizar, simultânemente desviadas para o vermelho e para o azul. A explicação, com base no efeito Doppler, indicia que uma parte do componente se está a aproximar do observador enquanto outra se está a afastar. Caso a explicação fosse a rotação da estrela, as características do espectro observado seriam diferentes. Mas, deste modo, a única explicação é que cada componente seja afinal constituído por duas estrelas muito próximas que orbitam em torno uma da outra. Ou seja, o sistema de Mizar é, afinal, constituído por 4 estrelas! Sistemas binários tão próximos que apenas conseguem ser identificados pelo efeito Doppler no espectro dos seus componentes chamam-se duplas espectroscópicas. Note-se que as duplas espectroscópicas não podem ser identificadas como tal quando atingem os pontos mais próximo e mais afastado do observador, nem quando toda a órbita se encontra num plano perpendicular à linha de observação do observador.

Um outro tipo de sistema binário identificável pelos efeitos que um dos componentes do sistema provoca sobre o outro são os binários astrométricos, em que se observa o movimento oscilatório, em torno do centro de massa, do componente de maiores dimensões, o que indicia a presença de um segundo componente. Um sistema duplo descoberto desta forma foi Sirius, um sistema estelar que, depois do Sol, é o de maior brilho aparente visto da Terra, cuja cintilação multicolor quando próxima do horizonte já encantou por certo todos aqueles que olham o céu nocturno de Inverno com regularidade. Até 1862, quando foi observada visual-Alvin Clarke, o brilho da componente principal, Sirius A, era demasiado grande quando comparado com a sua companheira Sirius B para que esta pudesse ser resolvida pelos telescópios. No entanto as oscilações provocadas pela companheira mais pequena na componente principal permitiam inferir a sua existência (Figura 2).

Fig.2 Dupla astrométrica. A figura mostra o movimento das duas componentes do sistema Sirius em torno do centro de massa acompanhadas do seu movimento de translação. Mesmo que a secundária não fosse visível, a sua presença seria detectada pelo bambolear da primária. Esta técnica tem actualmente sido bastante utilizada para detectar planetas extra-solares (cortesia de Zeilik, Gregory & Smith 1992,Introductory Astronomy & Astrophysics,3rd Ed., Saunders HBJ).
Um último tipo de binário é detectável pela variação de brilho do sistema a intervalos regulares. Isto acontece quando o plano da órbita é paralelo ao plano de visão, pelo que vemos em cada órbita dos componentes do binário duas diminuições de brilho: uma quando o secundário passa em frente do primário e outra quando o primário passa em frente do secundário. Este tipo de estrelas duplas é designado por binário de eclipse. O binário de eclipse mais conhecido é Algol (Beta Persei), conhecido desde a antiguidade pela sua variabilidade com um período de 2 dias, 20 horas, 48 minutos e 56 segundos. A Figura 3 apresenta a curva de variabilidade da estrela YY Sagittarii: a magnitude cresce significativamente quando uma estrela oculta a sua companheira (lembrar que maior magnitude equivale a menor brilho do sistema).

Fig.3 A curva de luz de YY Sagittari, uma binária de eclipse. Os dados de diversas órbitas foram compilados na forma de um gráfico em função da fase orbital (cortesia de Lacy, C.H.S. 1993, AJ, 105,637).
A grande mancha de Setembro de 2000 é cerca de três vezes menor em área que a maior mancha vista durante o século XX, a grande mancha de Abril de 1947.

Sabe-se hoje que a maioria das estrelas vizinhas do Sol são binárias. De facto, estrelas individuais como o Sol parecem ser a excepção e não a regra. A razão porque as estrelas da sequência principal (ver "O Observatório" vol.6, no1, págs.4/5) parecem preferir a multiplicidade ainda não é clara e tão pouco se sabe em que altura da formação estelar se dá a formação do sistema múltiplo. A crescente resolução das técnicas de observação actuais permite a observação de binários sucessivamente mais jovens e simultaneamente mais próximos, que sugerem para já um mecanismo de fragmentação na sequência da formação conjunta de ambos os componentes. No entanto, não estão ainda excluídos outros mecanismos de formação como, por exemplo, o de captura de uma estrela pela outra, embora este mecanismo não seja apropriado para explicar a enorme quantidade de sistemas binários existentes. Espera-se que as novas gerações de telescópios e radiotelescópios venham a proporcionar os dados que indiquem de forma clara um mecanismo de formação para estes sistemas.

Para observar no céu nocturno com o auxílio de um par de binóculos (ampliação de 10 ×) e de uma carta celeste temos as duplas visuais Epsilon Lyrae (a `dupla dupla' em que os dois componentes principais de desdobram em dois componentes secundários com o auxílio de um pequeno telescópio usando uma grande ampliação), Alfa Capricornii e Albireo (Beta Cygnii). Com telescópios podem observar-se muitas outras. Chamamos a atenção, por ser conhecida de todos, para a Estrela Polar (Alfa Ursa Minoris), cuja componente mais ténue se desvenda aos nossos olhos em telescópios com aberturas superiores a 20 cm.

Dr. Alexandre Costa
Observatório Astronómico de Lisboa



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