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A Medição do Cosmos - III

Um Novo Universo em Expansão Armado com o excelente telescópio de 2,5m do Monte Wilson, Hubble segue as peugadas de Vesto Slipher que até 1925 tinha sistematicamente obtido espectros de 40 "nebulosas espirais" com o telescópio de 60 cm do Observatório de Lowell, no Arizona. Os espectros pareciam todos deslocados para o vermelho sem haver uma resposta cabal para isso. Hubble determina distâncias para estas galáxias e a qualidade de imagem permite-lhe não ter dúvidas e quantificar bem os resultados: as galáxias (em todas as direcções) estão em recessão em relação à Via Láctea, com uma velocidade que é proporcional à sua distância, resultado que publica em 1929. Conclui-se que o Universo, como um todo, está em expansão. A Teoria da Relatividade Geral publicada em 1916 por Albert Einstein, assume um papel fundamental e a noção de Cosmos passa a ser a de um Universo dinâmico. Os modelos de Aleksandr Friedman (1922) e George Lemaître (1927), muito mais realistas que as primeiras soluções de Einstein e de Sitter, podem explicar um Universo em expansão. Esta descoberta é tão fundamental que a própria Lei de Hubble (tão isotrópica) servirá no futuro para estimar distâncias às galáxias mais distantes. Claro que há fortes problemas de calibrações, mas estes serão resolvidos no quartel final do século XX.

Uma das consequências mais imediatas da expansão do Universo é a noção de um começo de tudo, ou seja, o Universo tem uma idade. Já não é apenas a idade obtida por via geológica para a Terra no século XIX, na ordem dos vários milhares de milhões de anos, é o próprio Universo que tem uma idade. Havia uma velha contenda entre o tempo de vida do Sol obtido pelos físicos Lord Kelvin e Helmholtz, muito em voga no início do séc. XX, mas que estava em flagrante contraste com a idade geológica da Terra. Kelvin e Helmholtz deduzem que se o brilho de uma estrela for obtido pelo calor libertado na sua contracção gravitacional, então o Sol não durará mais do que 16 milhões de anos, cerca de 100 vezes menos que a idade deduzida pelo declínio radioactivo geológico. Ora, o inverso do valor da constante de Hubble (que se estimava ser de 540 km/s/Mpc) repunha a idade do Universo em bom acordo com esta última, lavando assim a honra da Física perante a Geologia. Porém, medições ainda contemporâneas da Geologia aumentam a idade da Terra para 4,3×109 anos criando um novo problema.

Fundamentos de uma Nova Via Láctea A descoberta das nebulosas de emissão por W. Huggins no final do século anterior, e os trabalhos de J. Hartmann em 1904 sobre riscas de Ca II, mostram sem dúvidas que há matéria gasosa interestelar. Em 1927 J. Oort estuda os efeitos da dispersão da luz por poeira, no seguimento de outros astrónomos, e em 1930 R. Trumpler compara os brilhos intrínsecos dos enxames globulares da Galáxia concluindo que as suas distâncias (usando o diagrama H-R) não são consistentes. Inversamente, mostra que dependendo da distância a que estão, as cores das suas estrelas tendem a ficar avermelhadas, e estima um factor de obscurecimento de 0,7 mag/kpc. Nesse ano Bart Bok vai para Harvard estudar as nebulosas escuras e os processos de formação de estrelas. O efeito das poeiras é cada vez melhor conhecido e permite começar a corrigir os resultados de Kapteyn, de Shapley e da lei de Hubble, entre outros.

O estudo de estrelas cefeidas e das velocidades das estrelas leva B. Lindblad em finais dos anos 20 a descobrir a dinâmica de rotação da Via Láctea, calculando-lhe uma velocidade de 250 km/s (220 km/s hoje). Em 1928 J. Oort desenvolve a estrutura de rotação diferencial da Galáxia, explicando também a existência de estrelas de alta velocidade: as do halo Galáctico.

O problema da longevidade das estrelas ficará resolvido quando R. Atkinson e F. Houtermans em 1929 sugerem que reacções termonucleares poderão ser a fonte energética estelar preponderante. Em 1938 Hans Bethe descreve o ciclo p-p e von Weizsächer e Bethe independentemente descobrem o ciclo CNO. O aparecimento de modelos de interiores de estrelas nos anos 40 em diante, com a física das secções eficazes nucleares e dos processos de transporte de energia, em paralelo com o novo poder de cálculo computacional, constituem uma ferramenta capaz de entender a evolução estelar.

Percebem-se bem as estrelas azuis e as vermelhas, anãs e gigantes, e a estrutura de braços na Via Láctea emerge nos trabalhos subsequentes por W. Baade. Em 1944 Baade, num trabalho seminal, sistematiza o conhecimento em duas populações de estrelas na Galáxia: I) as estrelas jovens do disco da Galáxia, com órbitas circulares e de composição química complexa, e II) as velhas estrelas do halo Galáctico, pobres em composição química, com elevadas velocidades e órbitas excêntricas. É este entendimento e o refinar das técnicas de observação, que permitirá ir calibrando os parâmetros astronómicos e grandezas fundamentais (composição química, dinâmica, luminosidade e idade) de um modo cada vez mais auto-consistente.

Novas Distâncias e o Universo Invisível Nas décadas seguintes somos levados a calibrar distâncias com indicadores primários: paralaxe trigonométrica, paralaxe estatística, estrelas variáveis RR Lira e Cefeidas, e supernovas tipo I. A paralaxe é fundamental, pois a sua distância não depende de suposições sobre as condições astrofísicas do objecto. Contudo, não se consegue ir mais longe do que os 50 pc (mesmo com o satélite Hiparco de 1988). As variáveis (gigantes) RR Lira, de luminosidade bem conhecida, permitem medir distâncias às galáxias do grupo local até às centenas de kpc. As cefeidas levam-nos até ao início dos pequenos grupos vizinhos, a poucos Mpc.

A estruturação do cosmos indicada por Herschel e nunca abertamente apoiada por Hubble (pessoa de grande prestígio científico) leva a um atraso nestes estudos. Nos anos 50 o catálogo de Humason, Mayall e Sandage contém velocidades e distâncias para 800 galáxias. Em meados dos anos 60, de Vaucouleurs publica o Reference Catalogue com mais de 1500 galáxias. O desenvolvimento de intensificadores de imagem, tubos reticon e CCD's em substituição das placas fotográficas permitem um aumento de produtividade e de qualidade nos dados obtidos. São também construídos os telescópios na classe dos 4m no Chile, Hawai, Austrália, o de 5m no Monte Palomar, e as câmaras de Schmidt que permitem estudar as grandes distribuições de galáxias no Universo.

A introdução da rádio-astronomia no segundo quartel do século XX permite descortinar a estrutura espiral da nossa galáxia (entre outras) e estudar a radiação cósmica de fundo (RCF). Em 1964 A. Penzias e R. Wilson detectam um ruído de fundo isotrópico nas antenas de telecomunicações, ruído esse que se virá a identificar com a radiação de um corpo negro a 2,726 K (satélite COBE, 1992). Ou seja, a expansão do Cosmos após o Big-Bang deixa uma radiação de fundo que vai arrefecendo consoante o Universo expande: é a relíquia dos primeiros instantes do espaço/tempo do Cosmos. O estudo desta radiação hoje permite ver nela as sementes dos grandes momentos do Universo: a formação das galáxias e das grandes estruturas, em pequenas flutuações de intensidade na ordem do milionésimo. A teoria do Big-Bang torna-se a mais consistente com os estudos da expansão, da nucleosíntese e da RCF.

Para ir mais longe, criam-se indicadores secundários, i.e., procuram-se objectos de magnitude absoluta calibrada e intrinsecamente super-brilhantes, para se poderem observar a distâncias das dezenas de Mpc. Vão surgindo como ferramenta de trabalho os enxames globulares de estrelas que nos levam às dezenas de Mpc. Em 1977 Brent Tully e Richard Fisher descobrem uma correlação entre a largura da risca de 21 cm (no rádio) do hidrogénio neutro e a magnitude absoluta azul das galáxias espirais. A relação de Tully-Fisher, como fica conhecida, relaciona o facto da velocidade de rotação de uma galáxia espiral (obtida na largura da risca de 21 cm por efeito Doppler) ser proporcional à massa da galáxia. Quanto maior a massa, maior também a velocidade de rotação permitida. A massa é medida indirectamente através da quantidade de estrelas azuis que se formam nos seus braços (brilho emitido). A sua extensão ao infra-vermelho (com os novos detectores) permitiu evitar os problemas do avermelhamento da luz. A calibração da relação permite medir galáxias quase à centena de Mpc, i.e., no supergrupo da Cabeleira de Berenice e de Abel 1367.

A utilização de supernovas representa outro marco na calibração de distâncias. As supernovas do tipo II são explosões de estrelas jovens de elevada massa (acima de 10 massas solares) e por isso acontecem numa gama de brilhos possíveis. Por outro lado, as supernovas do tipo Ia sucedem em estrelas anãs brancas (compostas por carbono e oxigénio) que, ao receberem massa de uma estrela companheira num sistema binário, ultrapassam o limite de Chandrasekhar (1,4 massas solares) e explodem por ignição do carbono. Esta massa limite garante uma explosão de brilho bem determinado, dependendo um pouco da composição química relativa. As supernovas têm sido usadas para atingir as muitas centenas de Mpc.

Veremos no próximo número como a investigação progrediu nos últimos anos, e qual o estado do conhecimento no limiar do terceiro milénio.

Prof. Doutor Rui Jorge Agostinho
Centro de Astronomia e Astrofísica
da Universidade de Lisboa (CAAUL)
Departamento de Física da FCUL



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