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Go forward to A Medição do Cosmos - IV

Dois máximos no ciclo solar?

A "superfície" do Sol (a fotosfera) apresenta uma série de manchas de grandes dimensões (com superfícies comparáveis à da Terra). A presença destas "manchas solares" é conhecida há muito tempo: em 1610, ao observar o Sol com o seu telescópio, Galileu Galilei fez as primeiras observações das manchas solares de que há registo na Europa (atenção: jamais observe o Sol sem filtros adequados!).
Fig.1 A fotosfera solar, observada no dia 21 de Maio de 2000, pela experiência MDI a bordo da sonda espacial SOHO. A SOHO é uma missão conjunta da ESA e da NASA.
Sabemos hoje que as manchas solares são zonas da fotosfera com campos magnéticos muito intensos, que são escuras porque são ligeiramente mais frias que a fotosfera circundante. O número de manchas solares é assim uma indicação da actividade magnética solar. As manchas solares são um indicador importante porque possuímos registos do seu número durante quase quatro séculos.

Os dados obtidos ao longo deste tempo mostram que o número de manchas visíveis na superfície do Sol aumenta e diminui num ciclo de aproximadamente 11 anos. A cada 11 anos a actividade magnética do Sol atinge o seu auge. Nessas alturas, todos os dias, há grandes aumentos de brilho, próximo das manchas solares, detectáveis sobretudo nos comprimentos de onda "invisíveis" (por exemplo nos raios-X e ultravioleta): são as chamadas fulgurações. Grandes nuvens de gás electrificado, com milhares de milhões de toneladas, as expulsões de matéria coronal, são lançadas do Sol todos os dias durante estes períodos muito activos, a velocidades de milhões de km por hora, e propagando-se para além das órbitas dos planetas.

Fig.1 Ocupando todo o canto superior esquerdo da imagem podemos ver uma expulsão de matéria coronal, observada pela experiência LASCO a bordo da sonda espacial SOHO. O círculo a branco no centro da imagem marca a posição do Sol, que se encontra tapado por um disco ocultador.
Este período turbulento é aquilo a que se chama máximo solar. A imagem abaixo mostra médias mensais do número de manchas para o ciclo de actividade solar actual. Como podemos ver o número de manchas solares sobe de forma acentuada até aproximadamente meados de 2000. A partir daí o número de manchas solares reduziu-se lentamente e o Sol permaneceu relativamente sossegado durante períodos de alguns meses. Tudo indicava que o máximo solar tinha passado. No entanto, à medida que 2002 progride, a actividade O Sol encontra-se de novo "infestado" de manchas solares e as fulgurações e expulsões de matéria coronal são frequentes de novo. O ciclo solar actual parece encontrar-se num segundo máximo de actividade.

A existência de um segundo máximo de actividade para o ciclo actual é mais visível quando se utiliza, como indicador de actividade solar, as emissões rádio provenientes de gás muito quente, aprisionado em arcos magnéticos que existem na vizinhança das manchas solares. Na banda de comprimentos de onda rádio o Sol é ainda mais activo agora do que o era em 2000.

Na verdade a existência de um possível segundo máximo no ciclo de actividade solar não é propriamente algo de totalmente inesperado. De facto, trata-se do terceiro ciclo solar consecutivo com estas características. Os dois ciclos solares anteriores também se caracterizavam por conter dois máximos de actividade separados por cerca de 18 meses.
Fig.1 Números de manchas solares para os dois ciclos anteriores.
Ninguém sabe qual é exactamente a causa deste comportamento. Sabe-se no entanto que a causa desta variabilidade se encontra nos cerca de 200000 km abaixo da fotosfera solar que formam a chamada zona convectiva. Esta região, correspondente a cerca de um terço do diâmetro solar, encontra-se a "ferver" de uma forma semelhante ao que se passa numa panela de água muito quente. Bolhas de matéria com dimensões da ordem do milhar de km sobem da base da zona convectiva até à fotosfera, onde "rebentam" e libertam energia (produzido por reacções nucleares no centro do Sol). Abaixo da zona convectiva encontra-se a chamada zona radiativa, mais calma, e onde a energia é transportado, não pelo movimento de grandes bolhas de matéria, mas sim por absorção e emissão de fotões.

Os cientistas fizeram no últimos anos importantes descobertas sobre o interior do Sol, usando uma técnica chamada heliosismologia, que usa os "tremores do Sol" da mesma forma que se usam as ondas sísmicas para estudar o interior do nosso planeta. Descobriu-se que há mudanças abruptas nas velocidades de rotação na fronteira entre as regiões convectiva e radiativa. O interior do Sol é tão quente que a matéria se encontra sob a forma de um gás electrificado, e os movimentos relativos entre as camadas de gás na fronteira entre as duas regiões, originam correntes eléctricas que geram campos magnéticos. O campo magnético do sol é assim gerado na base da zona convectiva, por um processo chamado dínamo solar, cuja compreensão tem avançado de forma significativa nos últimos anos, embora os detalhes da teoria permaneçam um mistério.

No ano passado os heliosismólogos verificaram ainda que as correntes de gás na base da zona convectiva aumentam e reduzem a velocidade a cada 16 meses (aproximadamente o tempo entre os máximos consecutivos no ciclo solar). Talvez os dois fenómenos estejam ligados, infelizmente o nosso conhecimento do dínamo solar é ainda demasiado incipiente para avançar com certezas.

Para além do grande interesse científico, a actividade solar tem um impacto directo sobre as actividades humanas pois afecta sistemas tecnológicos na Terra e no espaço. Como exemplo, durante o "primeiro máximo" do presente ciclo solar, uma fulguração intensa, acompanhada por uma expulsão de matéria coronal muito rápida, ocorreu no dia 14 de Julho de 2000. Associados a esses fenómenos solares ocorreram uma série de perturbações na Terra e no ambiente espacial na vizinhança da Terra: auroras boreais espectaculares, pequenos cortes nas linhas de distribuição eléctrica e alguns satélites temporariamente incapacitados.

Doutor Dalmiro Maia
Obs. Astr. Professor Manuel de Barros, FCUP



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