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OS MELHORES OBSERVATÓRIOS DO MUNDO

O ESO: I - LA SILLA

  O estudo moderno do Universo requer as melhores condições de observação. Ao longo das últimas décadas, tal levou à procura dos locais ideais para a instalação de poderosos observatórios. A exigência de zonas livres de poluição electromagnética (como é o caso da luz das grandes cidades) e com condições atmosféricas indicadas resulta frequen-temente na escolha de locais inóspitos e remotos: algo que o astrónomo tem de suportar (e, talvez, apreciar) para obter os melhores dados astronómicos. Um dos países com melhores condições para a observação astro-nómica é o Chile. O clima desértico que caracteriza o norte do país oferece condições óptimas para a localização de telescópios e muitos observatórios inter-nacionais estão ali loca-lizados. O Observatório Europeu do Sul (ESO - do qual Portugal é membro) é um deles, possuindo dois pólos: Paranal, onde se situa o Very Large Telescope (que descreveremos num próximo número) e La Silla.
  La Silla situa-se na extremidade sul do deserto do Atacama, o local mais seco do mundo (se não contarmos o Polo Sul, onde a muita água existente está sob a forma de gelo). A 2400 metros acima do nível do mar, foi o local escolhido na década de 60 para a construção de um observatório europeu moderno no ainda inexplorado (em termos astronómicos) hemisfério sul, com melhores condições climatéricas e de observação do que outros locais estudados no Chile e na África do Sul. Bélgica, França, Alemanha, Países-Baixos e Suécia, os países fundadores do ESO, iniciavam assim a construção do que viria a ser um dos melhores observatórios do mundo na viragem para o século XXI.
  Chegar a La Silla a partir da Europa, requer algum tempo (e paciência). Após um voo de cerca de 12 horas até Santiago do Chile, frequentemente envolvendo uma paragem no Brasil ou na Argentina, há ainda que suportar um voo curto de uma hora até à pequena cidade de La Serena, uma cidade costeira a cerca de 100 km de La Silla. O resto de percurso é efectuado de carro, ascendendo o início da cordilheira dos Andes, passando do clima húmido de La Serena ao deserto que rodeia La Silla. Deserto que, como tantos outros, contém uma quantidade impressionante de vida. Dependendo do Inverno (se foi seco ou muito seco), na Primavera podemos mesmo assistir a um espectáculo breve de flores irrompendo do solo árido. Condores, águias, viscachas (um roedor da família das chinchilas) e pequenas raposas são presenças frequentes no observatório, para além de perigosos escorpiões, aranhas e vinchucas (insectos sugadores de sangue que, embora raramente, podem transportar o parasita responsável pela doença de Chagas... riscos da profissão).

O Observatório Astronómico de La Silla, no inóspito deserto do Atacama, alberga alguns dos melhores telescópios do mundo.
  Os telescópios de La Silla encontram-se ao longo de uma estrada de 2 km. Desde o restaurante e hotel (que mesmo os astrónomos não conseguem dispensar), construídos de forma a não deixarem escapar qualquer luz que prejudique a tão valiosa escuridão do deserto, podemos passar pelos pequenos telescópios (de 0.5 a 1.5 m, que, por razões financeiras, não são actualmente operados pelo ESO, tendo sido adquiridos por países e instituições diversas), pelo 2.2 (instalado em 1984), o New Technology Telescope (de 3.5 m, em operação desde 1989, que serviu de teste para as novas tecnologias de óptica adaptativa que viriam a ser utilizadas mais tarde no VLT), o grande telescópio de 3.6 m no ponto mais alto da montanha (1976) e, no final da estrada, encontramos o SEST, o telescópio de milímetro que está de partida de La Silla, após 16 anos de observações. Até há bem pouco tempo cada um destes telescópios era comandado a partir de salas de controlo dentro dos respectivos edifícios. Recentemente, para optimizar o uso, foi construído o RITZ (Remote Integrated Telescope Zentrum - o "Z" é propositado), perto do NTT, de onde são agora comandados o 2.2, o NTT e o 3.6 m.
  Como em qualquer observatório óptico, a vida nocturna de La Silla é muito agitada. O jantar acontece antes do pôr do Sol, pois assim que a nossa estrela desaparece do céu convém iniciar todas as calibrações, para a noite ser de pura ciência. As horas de escuridão que se seguem são passadas a comandar os telescópios para a estrela A ou a galáxia B, tentando planear cada passo com antecedência (o tempo é verdadeiramente precioso). Quem tem um programa apropriado, com integrações de dezenas de minutos, ou um colaborador, pode ausentar-se para a refeição da meia noite: só precisa de guiar um dos carros atribuídos ao telescópio que está a usar até ao restaurante, à luz das estrelas (os acidentes são muito raros...). E à luz das estrelas significa exactamente isso. De La Silla consegue-se perceber a localização das luzes de La Serena, que causam um brilho difuso e (ainda) fraco no horizonte, uns pontos luminosos débeis na estrada Pan-Americana... e nada mais. Raramente se está mais longe da civilização.

A profusão de petróglifos perto de La Silla.
  O início do dia marca o início do descanso - excepto para os observadores de milímetro no SEST, que podem continuar a observar mesmo com o Sol acima do horizonte. Para esses, o descanso terá de esperar pelo observador seguinte...
  Como em qualquer outro observatório astronómico (óptico), as horas de luz são essencialmente das equipas de manutenção dos telescópios: instalação de novos instrumentos, testes, resolução dos problemas verificados durante a noite, são tarefas diurnas. O astrónomo que sofra de insónias pode usar a biblioteca, trabalhar na sala de computadores, ou aproveitar para visitar uma curiosidade de La Silla: os petróglifos. Em redor de La Silla os terrenos são ricos em figuras gravadas nas rochas - e não nos referimos a inscrições de interesse duvidoso por parte de astrónomos afectados por permanências extensas em La Silla, mas sim a registos de povos antigos que habitaram esta zona. O vale situado para além do telescópio de 3.6 m e do SEST, a um breve par de horas de caminhada difícil a partir de La Silla, é particularmente rico - cada rocha que a vista identifica apresenta algum tipo de inscrição, desde silhuetas humanas e de animais até figuras geométricas como espirais. O estudo destas gravuras é muito superficial, mas pensa-se que terão tido origem em povos que habitavam perto dos rios (agora secos) que terão existido em redor de La Silla até ao primeiro milénio da nossa era.

Descoberta de dois planetas gigantes em torno da estrela HD82943, a partir da influência gravitacional daqueles sobre a velocidade radial desta. Cortesia Nuno Santos e equipa do Observatório de Genebra.

  Portugal é, desde 2001, membro de pleno direito do ESO, tendo acesso ao Observatório de La Silla. Tal como nos outros observatórios internacionais, a atribuição de tempo de observação faz-se através da apreciação da qualidade científica, por outros astrónomos, de uma proposta apresentada. Ou seja, o sempre escasso tempo de observação disponível é concedido aos projectos científicos mais relevantes e promissores. Os investigadores do OAL contam com a fracção principal do tempo português conseguido em La Silla usando, por exemplo, o NTT para o estudo de galáxias no Universo primitivo, o 3.6 m para a caracterização de buracos negros activos, o SEST para o estudo da formação estelar na Galáxia ou o telescópio suíço Euler, de 1.2 m de diâmetro, para detectar planetas extra-solares. O diagrama nesta página mostra exactamente um dos resultados mais recentes nas pesquisas neste último domínio. A figura mostra a evolução da velocidade radial (isto é, na direcção da linha de visão) da estrela HD82943. A variação periódica observada revela a presença de dois novos planetas gigantes a orbitar este "sol". Esta detecção só foi possível graças à grande precisão das medidas de velocidade (pontos vermelhos na figura), obtidas com o espectrógrafo CORALIE, no telescópio suíço Euler. Este espectrógrafo, que permite medir a velocidade de uma estrela com uma precisão de cerca de 3 m/s (o equivalente a medir o deslocamento de uma pessoa a correr à distância de HD82943) já permitiu descobrir mais de 50 novos mundos. A partir deste mês de Setembro, um novo instrumento (o HARPS), acoplado ao grande telescópio de 3.6 m, vai estar também em funcionamento. A incrível precisão que poderá então ser alcançada (menos de 1 m/s) vai permitir aumentar incrivelmente o número de exoplanetas conhecidos.

José Afonso
CAAUL/OAL