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1* A Nebulosa Rho Ophiuchi, um espectáculo de luz e cor
2* O valor do Observatório Astronómico de Lisboa * Agenda 3* Pequenas estrelas também podem ter planetas? * Matéria (quase) invisível 4 5* A futura geração de telescópios terrestres - Overwhelmingly Large Telescope 6* Para Observar em Setembro VISIBILIDADE DOS PLANETAS Alguns Fenómenos Astronómicos Fases da Lua * Astro Sudoku 7* O Céu de Setembro * Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas (Versão do Boletim em PDF) |
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Instrumentos com História O grande refractor equatorial e o círculo meridiano do OAL O Grande Refractor Equatorial
Entre a comunidade do OAL designado, simplesmente, por Grande Equatorial (devido, obviamente, às suas dimensões e à sua montagem de tipo equatorial), este instrumento foi fabricado em 1864, pela firma A & G. Repsold, de Hamburgo. A objectiva, com 38,2 cm de diâmetro, foi feita por Georg Mërz (1793-1867), de Munique (Mërz foi discípulo e sucessor de Fraunhofer), tendo custado 9 contos de réis, quase um terço da soma originalmente atribuída por D. Pedro V para a construção do Observatório (30 contos de réis). A distância focal é de 6,82m.
Consultado nos finais dos anos 50 do século XIX, acerca da fundação de um observatório astronómico em Lisboa, Wilhelm Struve (1793-1894), director do Observatório de Poulkova (Rússia), sugeriu que, entre os instrumentos a adquirir, constasse um grande telescópio equatorial, que serviria para estudar as nebulosas e as paralaxes relativas das estrelas. A instalação do instrumento no OAL foi tardia; por volta de 1869 já todos os principais instrumentos se encontravam, de um modo geral, instalados e prontos a funcionar, mas o Grande Equatorial e a torre girante que o envolve só foram instalados entre 1872 e 1876. A torre girante foi desenhada por Frederico Augusto Oom (1830-1890), que viria a ser o primeiro director do OAL. Foi também fabricada na Alemanha, tendo sido instalada por operários alemães que se deslocaram a Portugal para o efeito. Sendo constituída por placas de ferro, que perfazem duas paredes entre as quais circula o ar, o seu peso é estimado em cerca de 40 toneladas. Devido à escassez de pessoal científico e à progressiva falta de fundos de que o observatório iria padecer, o Grande Equatorial permaneceu praticamente em desuso durante as primeiras décadas da laboração do OAL. Uma das utilizações pontuais que lhe eram dadas consistia na observação de eclipses. Por exemplo, de um relatório publicado no periódico Astronomische Nachrichten, sabemos que o astrónomo Frederico Tomás Oom (1864-1930), filho de Frederico Augusto Oom, utilizou este telescópio na observação do eclipse anular-total de 17 de Abril de 1912. De modo a evitar o sobreaquecimento dos seus componentes, a abertura era reduzida a 15,8 cm. Existem fotografias onde se pode ver Frederico T. Oom usando este instrumento na observação solar pelo método de projecção. O astrónomo Manuel Soares de Melo e Simas (1868-1934) veio a revitalizar este instrumento, dando-lhe, a partir de 1911, uma utilização sistemática, mas diversificada nos objectos de estudo. Simas utilizou o Equatorial para observar manchas solares, ocultações de estrelas pela Lua, os planetas Marte e Júpiter, cometas, etc. O cálculo das órbitas de cometas era, aliás, uma das actividades astronómicas da sua predilecção, à qual já se dedicava enquanto oficial de artilharia/astrónomo amador. Em 1923, aproveitou a observação da ocultação de uma estrela por Júpiter, para testar o desvio dos raios luminosos previsto pela teoria da relatividade geral. A observação, efectuada com o Grande Equatorial, foi inconclusiva, pois outros efeitos em acção provocavam desvios no mesmo sentido. Não é por isso que este empreendimento empírico de Simas, figura que teve um papel importante na recepção da relatividade em Portugal, deixa de ser assinalável. O Grande Equatorial foi posteriormente utilizado em programas sistemáticos de observação de ocultações de estrelas pela Lua. Estas observações, efectuadas no âmbito de campanhas internacionais, tinham como principal finalidade a determinação do Tempo das Efemérides (TE), estabelecido em 1952 e redefinido em 1955 pela União Astronómica Internacional. Na sua segunda formulação, o TE tinha como unidade o ano trópico (equinócio a equinócio) em 1900,0. Definia-se o segundo como uma fracção desse ano. Pretendia-se, deste modo, evitar as irregularidades que afectavam as escalas de tempo dependentes da rotação da terra, como acontecia com o Tempo Universal (TU), nas suas sucessivas formulações. O TE era usado nos cálculos da mecânica celeste, mas era necessário conhecer o seu desfasamento relativamente ao TU. A determinação do TE baseava-se na longitude solar, ou seja, no movimento do Sol ao longo da eclíptica. Uma vez que a Lua se move em longitude 13 vezes mais depressa que o Sol, e porque a observação solar é difícil de efectuar, optava-se por fazer observações de ocultações de estrelas pela Lua, de modo a determinar com exactidão a sua posição na esfera celeste. No entanto, este tipo de trabalho observacional, que implicava demorados cálculos de redução, perdeu a importância quando, em 1967, o segundo atómico passou a constituir a unidade de tempo, substituindo a unidade até então em vigor, que era o segundo das efemérides. Prosseguiram, no entanto, as observações de ocultações, pois estas ainda eram úteis na determinação dos perfis lunares e no estudo da órbita do nosso satélite. Nos anos 70, projectou-se nova revitalização do instrumento, desta vez no âmbito da observação de estrelas duplas, mas tal não se chegou a concretizar. O Círculo Meridiano
Este foi, indubitavelmente, o instrumento mais importante na actividade observacional desenvolvida no OAL. Igualmente construído pelas casas A. & G. Repsold e Mërz, em 1864, foi objecto de um estudo e beneficiação aprofundados, por parte de César Augusto de Campos Rodrigues.
Um círculo meridiano é um telescópio associado a um círculo vertical graduado, que, colocado no meridiano (direcção Norte-Sul), permite efectuar a determinação das coordenadas equatoriais dos objectos celestes: ascensão recta e declinação. O círculo meridiano era, por conseguinte, o instrumento essencial de qualquer observatório astrométrico, isto é, que se dedicasse à determinação rigorosa de posições e distâncias de objectos astronómicos. Este instrumento permitia também determinar a hora (sendo conhecida a ascensão recta dos objectos observados) e a latitude (sendo conhecida a declinação dos objectos observados). O círculo meridiano do OAL possui uma objectiva com 135 mm de diâmetro, e distância focal de 1,955 m. Não cabe aqui uma descrição exaustiva de todos os componentes do instrumento e do respectivo aparato, nem a explanação da quantificação e controlo dos vários erros que afectam as observações com ele efectuadas (até porque in loco, no decurso de uma visita ao Observatório, esta explanação será certamente muito mais elucidativa). Para quem se queira iniciar nesta temática, propomos a leitura do artigo (em francês) de F. Puel, "L'instrument méridien de l'Observatoire de Besançon", disponível online em http://www.obs-besancon.fr/IMG/pdf/Meridien.pdf. Entre 1884 e 1886, Campos Rodrigues levou a cabo uma série de observações sistemáticas da Estrela Polar. Com estas observações, o astrónomo pretendia determinar a latitude do Observatório, reavaliar o conhecimento das coordenadas desta estrela e calcular a sua distância, caso a precisão das observações o permitissem (à distância a que, segundo a astrometria contemporânea, se encontra a Polar, 390 anos-luz, seria tecnicamente inviável a concretização deste objectivo, nas condições em que Rodrigues trabalhava). No entanto, a falta de pessoal comprometeu a redução das observações, isto é, o tratamento matemático dos dados observacionais brutos, e também forçou Rodrigues a desviar-se, temporariamente, para trabalhos de outra índole. Em 1892, John Eastman (1836-1913), do Observatório Naval de Washington, lançou um apelo à comunidade astronómica internacional, no sentido de se efectuarem observações posicionais do planeta Marte, que estaria em oposição favorável (a uma distância da Terra relativamente curta) em Agosto daquele ano. O objectivo desta campanha consistia em proceder a uma nova determinação da distância média Terra-Sol. O OAL respondeu ao apelo, tendo Campos Rodrigues e Frederico T. Oom efectuado várias observações que foram reunidas num volume intitulado "Observations méridiennes de la planète Mars pendant l'opposition de 1892", publicado em 1895 e distribuído por observatórios de todo o mundo. As observações receberam apreciações muito positivas por parte de astrónomos estrangeiros. É de referir que, tendo os astrónomos portugueses procedido à determinação do diâmetro equatorial de Marte, o valor que obtiveram era significativamente próximo do valor actualmente estabelecido (6794 km). Foi, no entanto, em 1900-1901, no âmbito da campanha de observação do asteróide Eros, que se efectuaram os melhores trabalhos que despontam no historial deste instrumento. A campanha de Eros tinha o mesmo objectivo que o programa de observação de Marte anteriormente referido. O OAL contribuiu não com observações do asteróide, mas sim com observações de estrelas de referência, a única tarefa que estava ao alcance das suas possibilidades. Fê-lo com grande eficiência, ao ponto de a precisão das observações motivarem a atribuição do Prémio Valz (da Academia das Ciências de Paris) a Campos Rodrigues, em 1904 (ver O Observatório de Setembro de 2004). O círculo meridiano permaneceu em funcionamento até aos anos 60 do século XX, altura em que a poluição luminosa e a turbulência associadas à expansão da malha urbana lisboeta comprometeram definitivamente a sua utilidade. Tal como acontece com os principais instrumentos históricos do OAL, pode ser apreciado na sua instalação original, em bom estado de conservação.
Pedro Raposo
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