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O Nascimento do Vento Solar
Variações no campo magnético terrestre foram observadas pela primeira vez no Séc. XIX.
Tais tempestades geomagnéticas eram muitas vezes observadas 1 ou 2 dias após
a ocorrência de grandes explosões solares ( "flares" ) e a
ligação entre estes dois fenómenos foi cimentada com a descoberta de uma periodicidade de 11 anos
em ambos, periodicidade essa igualmente característica do chamada ciclo de manchas solares.
As relações entre o Sol e a Terra, abordadas extensivamente durante a primeira metade deste sé
culo, forneceram evidência para a presençade material solar no espaçointer-planetário.
O termo "radiação corpuscular solar" passou então a estar associado à génese
tanto das auroras boreais, como da actividade geomagnética e mesmo da modulação na emissão de
raios cósmicos. No entanto, tais emissões de electrões eram geralmente consideradas
como temporárias.
Duas evidências observacionais da presençade uma emissão contínua de gás
inter-planetário foram propostas na década de 50. Primeiro, descobriu-se que a luz zodíacal
é fortemente polarizada. Argumentando que tal
polarização não poderia ser produzida por grãos de poeira, Behr e Siedentopf (1953) sugeriram que
parte dessa luz zodíacal seria produzida por dispersão por electrões.
Segundo, foi descoberto que a cauda iónica de cometas (orientada sempre no sentido contrário do Sol)
sofria numerosas acelerações.
Biermann (1953) sugeriu que tal era devido
à interacção com um fluxo inter-planetário de iões
emitidos continuamente a partir do Sol, com velocidades entre e .
Uma das primeiras tentativas de modelar a extensão da corona solar pelo espaçointerplanetário
é devida a Chapman (1957). Embora reconhecendo a corona como uma entidade dinâmica, Chapman
tomou-a, para efeitos de modelação como sendo uma camada estática, com simetria esférica.
Posteriormente, num trabalho fundamental, Parker (1958) argumentou que um modelo estático como o
acima descrito teria como consequência uma pressão do gás
ordens de grandeza superior à pressão do meio interstelar. Assim, motivado
pelas recentes sugestões de Biermann, Parker propôs uma
expansão contínua da corona para o espaçointer-planetário - o vento
solar. Retendo apenas aproximações muito simples (simetria esférica, expansão
hidrodinâmica) este modelo não só resolveu o problema da pressão inter-planetária como
avançou com uma estimativa para a velocidade do vento da ordem das centenas dos kmps à ó
rbita terrestre. No mesmo trabalho, Parker investigou o efeito que tal emissão
de gás teria sobre a forma do campo magnético solar, tendo concluído que as linhas
de campo traçavam uma espiral de Arquimedes (ver diagrama).
O diagrama mostra a geometria das linhas do campo magnético solar -- a espiral de
Arquimedes (diagrama de um trabalho de Parker)
As ideias de Parker foram largamente
contestadas na altura, tendo sido confirmadas por observações levadas a cabo pelas
sondas Lunik III e Venus I (1959) e finalmente pela Mariner 2 (1962).
Desde o lançamento da sonda Ulysses, em 1990, o nosso conhecimento sobre o vento solar tem vindo
a aumentar, sendo agora claro que a sua estrutura está longe de ter simetria esférica.
É também agora claro que o vento solar se divide em duas componentes: o
vento rápido, mais uniforme, com velocidades que atinjem os e
proveniente dos buracos coronais polares (regiões de baixa densidade, extendendo-se a partir dos
dois pólos do Sol)
e o vento lento, com cerca de , mais irregular, proveniente de
estruturas mais próximas do equador solar. O vento solar é igualmente modelado pelo ciclo solar.
Embora haja necessidade de recorrer a modelos cada vez mais sofisticados, o trabalho pioneiro de
Parker lançou as ideias fundamentais sobre as quais assenta ainda hoje a modelação de ventos
estaccionários tanto para o Sol como para outros objectos. O seu
contributo, embora ajudado por observações existentes na altura, é um exemplo de como
um formulacão teórica que mantém apenas as ideias fundamentais dentro da complexidade de um
determinado sistema, é capaz de reproduzir muitas das características observacionais do mesmo.
Doutor João Lima
Centro de Astrofísica e Dept. Matemática Aplicada da Faculdade Ciências, Universidade do Porto