A radiação cósmica de fundo de micro-ondas (Cosmic Microwave Background Radiation - CMBR) constitui uma das mais poderosas ferramentas em cosmologia. A sua descoberta em 1965, por Penzias e Wilson, e a detecção de pequeníssimas flutuações de temperatura (anisotropias) pelo satélite COBE em 1992, representam duas das mais importantes descobertas científicas do século e dois dos mais fortes argumentos a favor da teoria do Big Bang. A CMBR é uma radiação remanescente do Big Bang que preenche todo o espaço e que banha a Terra proveniente de todas as direcções. Os fotões que a constituem são os mais "antigos" que se podem observar, pois resultaram do desacoplamento entre matéria e radiação que se deu no Universo primitivo, possível apenas quando este já se tinha expandido e arrefecido o suficiente (até aí as condições permitiam interacções muito fortes entre a matéria e a radiação e a matéria constituía uma barreira intransponível para os fotões). Esta radiação propaga-se livre pelo espaço há já 99,997% da idade do Universo e nela estão "impressas" informações preciosas acerca da origem e características do Universo.
As anisotropias observadas pelo COBE (ver O Observatório de Fevereiro de 1999) são um reflexo directo da existência de flutuações de densidade no Universo primordial. Estas flutuações são muito pequenas mas constituem as sementes que deram origem a todas as estruturas (estrelas, galáxias, enxames de galáxias) que podemos observar hoje. As observações da CMBR fornecem informação sobre a chamada última superfície de dispersão, isto é, revelam a densidade da matéria no Universo quando a radiação interactuou com ela pela última vez (o Universo tinha então apenas 300 mil anos).
Do ponto de vista teórico, as anisotropias da radiação de fundo apresentam um espectro (designado espectro de potência angular) muito sensível aos parâmetros cosmológicos fundamentais (ver O Observatório de Janeiro 1999). A determinação rigorosa deste espectro permitirá conhecer estes parâmetros com uma precisão sem precedentes através da identificação do melhor modelo cosmológico que descreve o Universo. Se tal vier a acontecer poderemos responder às seguintes questões:
- Qual é a idade do Universo?
- Quais são os constituintes materiais do Universo e qual é a sua percentagem relativa?
- Quão rápida é a expansão actual do Universo? Irá ele expandir-se para sempre ou virá a colapsar no futuro?
As observações efectuadas pelo COBE não permitem, por si só, responder a estas perguntas pois a sua baixa resolução angular (aproximadamente 7 graus) permitiu apenas obter uma "normalização" da amplitude numa pequena região do espectro de potência angular. A determinação rigorosa dos parâmetros cosmológicos exige o conhecimento deste espectro numa vasta extensão de escalas angulares. Para isso estão já planeadas experiências capazes de alcançar resoluções muito superiores ao COBE. No final deste ano, a NASA lançará o MAP, que poderá atingir uma resolução de 13 minutos de arco. Mais tarde, em 2007, será a vez da Agência Espacial Europeia (ESA) efectuar o lançamento do PLANCK, que atingirá os 5 minutos de arco de resolução. No próximo número discutiremos detalhadamente estas duas missões. Para já, apresentamos uma imagem que ilustra a enorme melhoria em resolução entre o COBE e as novas missões. A comparação é feita através da simulação da observação da CMBR pelo COBE (painel superior) e pelo PLANCK (painel inferior). Flutuações a uma escala muito menor são agora observáveis, o que permitirá recolher informações preciosas sobre a origem e evolução do Universo.
Fig. Simulação da observação da CMBR pelo COBE (mapa superior) e pelo PLANCK (mapa inferior) (figura da autoria de Gorski & Hivon, adaptada de Bond et al, Computing in Science and Engineering, Março/Abril 1999)JMA &Dr. António Silva