Tal como aconteceu com o estudo do interior da Terra, a Hélio-Sismologia
tornou-se também numa das áreas da astronomia solar que é hoje
essencial no estudo da estrutura e evolução estelar. Tal como foi
possível obter informação detalhada das diferentes camadas
que compõem o interior da Terra, é também hoje possível, com a
observação dos modos próprios (ver Figura 1) de oscilação no
Sol, medir
propriedades e quantidades no interior do Sol, até então escondidas
de nós.
As primeiras observações tiveram lugar no início
dos anos 60, no Observatório do Monte Wilson (EUA), por Leighton e
colaboradores, tendo estes medido pequenas variações da
superfície do Sol, que oscilava (subia e descia) de uma
forma periódica. Observações posteriores confirmaram a existência
de um espectro que correspondia ao sinal característico de
oscilações, cujo período era tipicamente de cerca de 5 minutos.
Rapidamente foram desenvolvidas as ferramentas teóricas de base que
permitiram compreender as observações e, mais importante ainda,
iniciar o estudo do interior do Sol a partir destas - surgia assim a
Hélio-Sismologia. A rápida melhoria dos dados observacionais foi
acompanhada
por um desenvolvimento das técnicas que nos permitiram testar os nossos
modelos do interior solar, comparando-os em grande detalhe com o próprio
Sol.
Fig. Representação de um dos modos de oscilação do Sol em que as zonas a vermelho representam zonas do Sol em contracção, enquanto que zonas a azul indicam regiões em expansão. Após cerca de 5 minutos (período de oscilação) o aspecto da figura inverte-se, trocando as cores.Visto corresponderem a variações de muito pequena amplitude na superfície, a detecção dos períodos das diferentes ondas requer uma observação prolongada para medirmos com elevada precisão as suas características. Tal significa que as técnicas de observação evoluíram no sentido de maximizar o tempo de exposição. Inicialmente começou por se utilizar um detector colocado no pólo sul terrestre - onde foi pela primeira vez possível observar continuamente as variações da superfície do Sol ao longo de quase um mês. O passo seguinte foi dado com o estabelecimento de redes de observação, que permitem ter um detector apontado ao Sol continuamente, através da combinação de diferentes locais de observação espalhados em longitude (ver por exemplo o GONG - http://helios.tuc.noao.edu/). Finalmente, com o lançamento da sonda SOHO (ESA/NASA), com três dectectores dedicados à Hélio-Sismologia (ver pág. 3 desta edição e http://sohowww.estec.esa.nl/) foi possível obter as características, com enorme precisão, de vários componentes matemáticos que descrevem a oscilação. Desta forma é hoje possível testar aspectos extremamente detalhados (com grande precisão) da forma como descrevemos o funcionamento do Sol. Devido às condições do gás no seu inteiror, o Sol é hoje para nós um laboratório de física de plasmas que seria impossível construir na Terra. Esta é uma das razões porque a Hélio-Sismologia se tornou numa das áreas com mais impacto no estudo da estrutura e evolução das estrelas em geral.
Fig. Montagem de uma imagem da sonda SOHO (ESA/NASA) sobre uma imagem do Sol. Esta sonda, com três detectores para sismologia solar além de vários outros, encontra-se entre a Terra e o Sol, de forma a que a força gravítica total a que está sujeita seja aproximadamente nula.Entre os resultados que foram mais marcantes para o Sol podemos referir, a título de exemplo, a resolução do problema dos neutrinos solares, sob o ponto de vista da Astronomia. Foi ainda possível avançar em aspectos como a "equação de estado" - que descreve a interacção entre o gás e a radiação -, a rotação no interior (essencial para se compreender a actividade da nossa estrela), o envelope convectivo (região mais exterior, onde o transporte de energia é feito por convecção do gás, isto é, por movimentos ascendentes e descendentes do material), etc. O Sol é importante, pois permite-nos testar com um elevado grau de exigência aspectos dos nossos modelos que são cruciais para representar o comportamento de todas as outras estrelas que estudamos que, estando mais distantes, são mais dificilmente observáveis. Assim, ao melhorarmos a forma como descrevemos o Sol estamos simultaneamente a melhorar a forma como modelamos as outras estrelas, levando a avanços significativos no estudo da nossa galáxia e mesmo na área da cosmologia, que depende tão crucialmente do conhecimento de aspectos como as idades das estrelas - que são o elemento fundamental no Universo visível.
Vários problemas relacionados com o funcionamento do Sol aguardam ainda resolução. Entre eles, são de destacar todos os aspectos relacionados com a sua zona mais exterior, cujo funcionamento está na base da actividade do Sol (variação temporal da intensidade e número de diversos fenómenos associados ao campo magnético). Neste aspecto, o estudo sísmico do Sol ao longo de vários anos vai-nos permitir descrever as alterações que o Sol sofre, esperando-se assim compreender que processos físicos estão por trás do comportamento observado.
Mas uma das áreas que está neste momento em franca expansão, resultado directo do grande sucesso que teve a Hélio-Sismologia nos últimos 20 anos, é a sismologia de outras estrelas. Embora estejamos sempre limitados pela dificuldade intransponível que é a distância na observação de outras estrelas, é no entanto possível utilizarmos também as variações periódicas da luminosidade destas, para aprendermos mais sobre elas. Ao dispormos de observações sísmicas para diferentes estrelas estamos de facto a olhar para diferentes laboratórios tendo assim uma visão muito mais alargada das condições de validade que os nossos modelos tentam reproduzir. Várias missões estão já previstas envolvendo o lançamento de satélites/sondas que tentarão observar estrelas similares ao Sol (mas com massas diferentes) por longos períodos, de forma a medirmos as suas oscilações. Entre elas, temos o COROT (França), o MONS (Dinamarca) e o MOST (Canadá). Há também propostas submetidas à ESA para o planeamento de futuras missões dedicadas ao estudo sísmico de outras estrelas que não o Sol. Estas missões permitem-nos esperar, para um futuro não muito distante, importantes avanços na modelação de estrelas, resolvendo alguns dos problemas que ao fim de quase um século continuam a intrigar-nos. Com a participação de Portugal na ESA, e em outros projectos de Sismologia Estelar, esperamos fazer parte deste processo que nos levará até mais perto do "coração das estrelas".
Doutor Mário João P.F.G. Monteiro
Centro de Astrofísica e Faculdade de Ciências, Universidade do Porto