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Crepúsculos e outras Questões Astronómicas em Pedro Nunes

Em 1542 era publicado em Lisboa, por um matemático praticamente desconhecido do público europeu, um livro intitulado De crepusculis liber unus. O autor desta obra era Pedro Nunes (1502-1578), e este trabalho representou a sua primeira incursão em problemas de astronomia teórica, assunto a que voltaria em ocasiões posteriores.

O De crepusculis já foi considerado a obra-prima de Pedro Nunes, e, de facto, quer o próprio autor quer os seus contemporâneos, tiveram o livro na mais alta consideração. No De crepusculis, o matemático português ataca um problema conhecido - o da duração dos crepúsculos - com um rigor e uma generalidade até então nunca empregues no estudo desta questão. Prosseguindo de maneira tipicamente euclidiana, Nunes resolve a maior parte dos problemas relativos à duração dos crepúsculos - especialmente a sua variação com a latitude e com o dia do ano, e ainda os seus extremos - num conjunto de proposições matemáticas rigorosamente demonstradas. O De crepusculis é assinalável a vários títulos. Para além dos resultados propriamente de astronomia teórica, contém ainda uma importante discussão de questões de óptica aplicada à astronomia, e também a proposta do famoso nónio.

O nónio, proposto por Pedro Nunes na sua obra De crepusculis, em 1542. Na palavras do próprio, um instrumento "muito apropriado às observações dos astros, e com o qual se possam determinar rigorosamente as respectivas alturas".

Mas as contribuições de Pedro Nunes para a astronomia teórica não se limitaram a este livro. Em 1566, nas suas Opera, publicadas em Basileia, inclui alguns trabalhos onde se abordam directamente outros problemas de astronomia. De entre estes trabalhos merece especial referência o seu extenso comentário às Theoricae novae planetarum de Georg Peurbach, que os historiadores consideram um dos mais importantes comentários ao texto de Peurbach. É também nas Opera que Nunes publica pela primeira vez as suas observações sobre o De revolutionibus (1543) de Copérnico - um conjunto de comentários de grande interesse que, pela sua data, fazem de Nunes um dos primeiros matemáticos europeus de alto nível a pronunciar-se sobre o novo sistema heliocêntrico. Nesta palestra apresentaremos estas contribuições de Pedro Nunes, inspeccionando em algum detalhe os seus argumentos e situando estes trabalhos no seu contexto histórico.

'Na presença do vosso muito esclarecido irmão o Infante D. Henrique, príncipe integérrimo, a quem a pureza de vida e o saber das letras exornam sobremaneira, e estrénuo defensor da vossa fé, ocorreu há pouco, Rei invictissimo, falar-se dos crepúsculos. Jamais êle desperdiça o tempo, aplicando-o constantemente em velar pela salvação das almas, em lidar com os melhores autores ou em ouvir a conversação dos letrados; não obstante, compraz-se de modo admirável com a teórica da Astronomia, isto é, da ciência que se ocupa do curso dos astros e da universal composição do céu, que não da crendice vã e já quási rejeitada que emite juízos sôbre a vida e a fortuna. [...]
Nos últimos dias teve a curiosidade de saber a extensão dos crepúsculos nos diferentes climas. Houve logo quem tentasse resolver o caso, e (visto não nos faltarem os Górgias Leontinos) asseverasse até ter encontrado a cabal solução. Vendo eu, entretanto, que apenas se respondia com coisas muito sabidas e gastas, e por ninguém, que eu saiba, até agora demonstradas, seduziu-me o intento de explicar claramente êste assunto mediante os princípios certíssimos e evidentissimos da matemática.'

Excerto da dedicatória de Pedro Nunes a D. João III, em De crepusculis.


Prof. Doutor Henrique Leitão
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa



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