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"Investir em Recursos Humanos"

O Director do Observatório Astronómico de Lisboa, Prof. João Lin Yun, deu-nos a conhecer as suas preocupações e
projectos para esta instituição centenária. A actual falta de condições à permanência de Doutorados em Portugal,
parece ser uma das principais dificuldades.


- Descreva-nos o seu percurso profissional até hoje.
JLY - Fiz uma licenciatura em Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, depois fiz o Mestrado também na Faculdade de Ciências, não existia ainda em Astronomia e Astrofísica, por isso foi um mestrado em Física. A seguir fui fazer o meu doutoramento para a Universidade de Boston, EUA, um doutoramento em Astronomia e Física. A especialização foi em Formação de Estrelas e estudo do Meio Inter-estelar, a origem das novas estrelas, uma área dentro da Astronomia Galáctica. Após o doutoramento, regressei e agora sou professor associado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

- Tendo em conta a gestão que é necessário fazer, quais foram as principais dificuldades que encontrou quando chegou ao Observatório Astronómico de Lisboa (OAL)?
JLY - O OAL é uma instituição já centenária, vai fazer os 150 anos em 2011. As principais dificuldades para fazer com que o OAL cumpra as suas funções sociais, educativas, culturais e científicas, estão relacionadas com os recursos humanos. Aí a principal dificuldade é não poder alargar os parcos recursos humanos do OAL. Em todas as funções que o OAL tem e que nós estamos a desempenhar, creio, com grande sucesso e grande impacto junto da comunidade, há um excesso de trabalho que recai sobre as pessoas que estão envolvidas. Infelizmente, na situação actual a alternativa seria encerrar várias dessas actividades.

- Entre as várias funções do OAL, a investigação é uma delas. Qual a situação da investigação científica realizada no OAL?
JLY - Apesar do atraso em Portugal no desenvolvimento da Astronomia, nós orgulhamo-nos de ter as áreas de maior importância, representadas aqui no OAL. Temos um excelente trabalho na procura e descoberta de planetas em volta de outras estrelas (planetas extra-solares), na procura da primeira luz do Universo, ou seja, a formação e evolução de galáxias, e o estudo de galáxias activas, núcleos galácticos activos. Temos também trabalho sobre o Sistema Solar, em particular sobre a procura e estudo de objectos transneptunianos, do qual Plutão é um caso, mas há muitos mais, milhares, de pequenos restos do Sistema Solar e que têm uma importância muito grande para tentarmos perceber como é que o sistema solar se formou. Há também estudos de formação de estrelas, que é uma das áreas mais activas da Astronomia Galáctica e o estudo de buracos negros e de cosmologia. São áreas em grande "efervescência".

- Esse trabalho de investigação também é divulgado para o público?
JLY - O papel do OAL ao nível da divulgação da Ciência tem sido importantíssimo. A Astronomia é por si uma área da ciência que se presta muito a isso e em vários países é utilizada como uma forma de atrair estudantes para a ciência ou para simplesmente fazer com que os estudantes se reconciliem com a ciência. Nós temos uma série de iniciativas: as palestras mensais para o grande público e que são muito apreciadas. Temos o boletim mensal que enviamos para quase todas as escolas básicas e secundárias, é também distribuído para outros organismos, alguns órgãos de comunicação social, associações de estudantes, universidades. É um boletim de notícias de Astronomia em língua portuguesa, algo único no panorama português. Temos um serviço de notícias electrónicas, as Astronovas, que são enviadas para milhares de pessoas que se inscrevem e que passam a receber cerca de três notícias por mês de Astronomia, em português. Há um serviço de apoio às Escolas com palestras e esclarecimento de dúvidas. Temos um serviço de esclarecimento de dúvidas a jornalistas, porque muitas vezes aparecem notícias de Astronomia que os próprios jornalistas não entendem ou que as relatam de uma forma pouco precisa. Nós damos apoio nesse sentido. Neste momento decorre também o Astrocosmos, um concurso para as Escolas Secundárias. Os estudantes preparam trabalhos no domínio do Espaço, Astrofísica, Astroquímica, Astrobiologia e devem apresentá-los utilizando as novas tecnologias.

- Baseando-se no seu percurso profissional e na experiência que tem na investigação, qual a actual situação dos muitos doutorados que vão fazer os seus doutoramentos ao estrangeiro e querem depois regressar a Portugal?
JLY - Esse é um problema sério. Infelizmente, a Astronomia só começou a desenvolver-se em Portugal mais tarde do que nos outros países europeus e mais tarde do que outras áreas como a Física ou a Química. Em consequência disso, na altura em que se começam a formar as pessoas actualmente doutoradas em Astronomia, já estamos numa fase de contenção de despesas imposta pelos limites ao défice público. Assim, as áreas que não tiveram tempo de se desenvolver antes, agora confrontam-se com esta situação difícil. A alternativa, ou seja, o emprego no sector privado, a nível da investigação é incipiente em Portugal. É uma preocupação comum a muitas áreas da ciência não aplicada, não tecnológica. A Astronomia não está pior que outras áreas da ciência não aplicada, mas a verdade é que outras áreas da Física já têm massa crítica, já têm um número de profissionais com posições estáveis que lhes permite trabalhar com alguma tranquilidade e mesmo que haja um problema para as novas pessoas doutoradas, não há um problema do ponto de vista da existência da área, enquanto que a Astronomia é diferente. Como é quase tudo gente nova, sem posições, existe o risco de deixar de existir, se não se arranjar uma solução para estas pessoas. E nós temos excelentes investigadores. Era preciso alguma coragem e ousadia para dizer que nós não podemos ficar atrás do resto da Europa nesta área e para isso criar as condições humanas, de recursos humanos, tentar empregar os melhores de entre os que se formaram de modo a garantir, no mínimo, a sobrevivência da área e justificar assim todo o investimento que foi feito nestas pessoas que, caso isto não aconteça, acaba por ir parar a outros países. Há que investir em recursos humanos para a Ciência em Portugal.

- No anterior número do boletim O Observatório escreveu no editorial sobre esse assunto. Disse que a investigação científica era um elemento fundamental para o desenvolvimento de qualquer país e que por isso os nossos dirigentes deveriam apostar mais na ciência e na educação. Que soluções apontaria para evitar esse atraso relativamente ao resto da Europa?
JLY - Eu acho que com alguma boa vontade e sensibilidade para o problema desta área, consegue-se resolvê-lo. Um dos passos importantes seria a criação de um Instituto Nacional de Astronomia. Poderia, ou não, ser um laboratório de Estado que congregasse esta área. A figura jurídica seria uma coisa a definir. Mas seria fundamental que fossem abertas sensivelmente duas posições de dois em dois anos, durante 10 anos. Assim, seria criado um Instituto nacional onde os melhores astrónomos (doutorados em Astronomia e Astrofísica) pudessem trabalhar em Portugal. Depois seria necessário dar condições financeiras de apoio à investigação. No entanto, considero que é mais importante termos recursos humanos do que termos apenas dinheiro para projectos, pois podemos ter dinheiro mas se não tivermos pessoas qualificadas não pode haver uma boa execução de projectos. É complicado perceber porque é que se pode atribuir centenas de milhares de euros para compra de equipamento, mas não se pode contratar pessoas.

- Quais são as áreas da Astronomia que vê com melhor futuro em Portugal?
JLY - Penso que o desenvolvimento científico não deve ser visto ao nível de um país. Não faz muito sentido. O desenvolvimento científico é uma coisa mundial, ou pelo menos no nosso caso, europeu, e pensando no ponto de vista europeu e no ponto de vista mundial, as áreas científicas da Astronomia com maior importância neste momento, são várias. Penso que se dará cada vez mais atenção ao desenvolvimento tecnológico com os novos telescópios, novos satélites que prometem trazer descobertas impressionantes, inimagináveis. Portugal faz parte do ESO, European Southern Observatory, e como tal se tivesse um maior número de investigadores em Astronomia, com alguma estabilidade, poderia participar plenamente nos grandes desenvolvimentos que o ESO está a liderar. Por exemplo, o conjunto dos telescópios ALMA, que está em construção, uma parceria entre a Europa e os EUA. A parte europeia é liderada pelo ESO. Este instrumento trará descobertas fantásticas, pois irá conseguir coisas tão importantes como as que o Hubble tem estado a fazer (já agora, a propósito, o Hubble é 20% europeu). Aquilo que se pensa continuar a atrair as atenções é o "muito próximo" e "o muito longe". O "muito próximo" é o Sistema Solar, como é que ele foi formado, os corpos do Sistema Solar e a descoberta de outros sistemas planetários. Até agora só conseguimos descobrir planetas gasosos, tipo Júpiter, que não podem albergar vida, tal como nós a conhecemos. Mas dentro de 20 anos teremos eventualmente satélites que conseguirão detectar outras "Terras" se é que elas existem, em volta de outras estrelas. No outro extremo, mais próximo da cronologia e das estruturas de larga escala do Universo, interessa perceber como é que os enxames de galáxias e as próprias galáxias se formaram e evoluíram. E isso é uma das coisas que também tem grande parte de tempo de telescópio atribuído. São estudos Extragalácticos, de como é que se formaram as primeiras galáxias, as mais distantes, as mais primitivas. A primeira luz do Universo é o que as pessoas andam à procura e isso exige recuar muitos milhares de milhões de anos ao passado através da luz que nos chega de grandes distâncias. A nível de descobertas e de investigação há imenso trabalho para se fazer! A quantidade de dados é já imensa e são precisos mais investigadores capazes de analisá-los.

- Significa que há muito trabalho a fazer, mas o número de estudantes nos cursos de ciências exactas, nomeadamente na Física tem vindo a diminuir. A que é que se pode atribuir esta diminuição?
JLY - Eu acho que há duas componentes para a diminuição do número de estudantes em Física, a primeira é demográfica, nós estamos a atravessar a fase de diminuição da população e quanto a isso não há nada a fazer. A outra componente tem a ver com o facto de que no mundo de hoje, as pessoas querem resultados e recompensas mais imediatas. As pessoas que seguem áreas de ciência fundamental, de investigação, são pessoas um pouco mais idealistas, que desejam perceber o Universo, querem dedicar-se a algo visto como mais nobre, a procura do conhecimento e não são muitas! Mas, também acredito que há uma fracção de pessoas, que se tiverem a educação adequada, se lhes mostrarmos como pode ser entusiasmante estudar ciências, podemos fazer mudar a ideia de que as ciências são uma grande "seca" e isso poderá reconciliar os estudantes com as ciências exactas. A ideia não é fazer da população toda cientistas! Mas tem de haver uma certa percentagem de pessoas ligadas à investigação científica ou o país fica para trás. É preciso atingir e garantir que se mantenham em número razoável, pelo menos igual à média europeia, mas ainda há um caminho a percorrer para isso.

- Que conselho daria a um estudante do secundário que quisesse estudar Astronomia?
JLY - Se ele realmente quer seguir Astronomia é porque já foi de certa forma "infectado" com o bichinho de querer perceber e de se maravilhar com as coisas do universo, de perceber porque é que as coisas funcionam assim. A primeira coisa é manter vivo esse espírito de grande curiosidade e a capacidade de se fascinar, porque esse é o motor: a curiosidade intelectual e o fascínio. Depois há que trabalhar muito, há que ser de facto muito bom e esforçar-se por aprender e trabalhar de modo a conseguir bons resultados e ter acesso às sucessivas etapas de uma carreira de cientista. Não deve deixar-se desmoralizar por quem diz que uma carreira de ciência não "dá", pois isso não é verdade, para os melhores há sempre lugar, senão necessariamente em Portugal, pelo menos na Europa.

- Que projectos tem para o futuro do OAL?
JLY - No domínio da investigação científica a aposta é num centro de investigação dinâmico e com elevado grau de excelência científica. Nós estamos a caminho disso, mas as limitações são muito grandes e é quase impossível consegui-lo na totalidade com pessoas que não têm posições minimamente estáveis. Uma coisa que considero importante é haver pessoas orgulhosas de trabalhar aqui e com vontade de se dedicarem a esta casa. Ao nível das restantes actividades do OAL, aquilo a que eu chamo serviço público de Astronomia, é importante um alargamento do que já fazemos. Com a recente integração do OAL na Faculdade de Ciências de Universidade de Lisboa, penso que é possível devolver-lhe o grande prestígio que tinha quando foi fundado e durante o princípio do século XX, quando era um dos melhores observatórios do mundo. Fazer com que o OAL seja uma referência de grande prestígio, através de todas as actividades que já mencionei e de muitas outras que poderemos lançar se tivermos pessoas que se dediquem e colaborem nelas. Sem pessoas não se faz nada e parece que isso hoje está esquecido. Esperamos também organizar alguns eventos internacionais e desenvolver parcerias com outras entidades. Finalmente, gostaria também de mencionar o serviço da hora legal, fornecido pelo OAL, por lei. Trata--se de um serviço fundamental que tem de ser continuado e apoiado com os devidos meios tecnológicos e humanos.

Eugénia Carvalho
CAAUL/OAL